REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL AOS SÓCIOS E RESPONSÁVEIS TRIBUTÁRIOS: O PANORAMA DA JURISPRUDÊNCIA EM RELAÇÃO À PRESCRIÇÃO - Cleiton Sacoman

Advogado,
Especialista em Direito Empresarial pela PUC/PR.

SUMÁRIO: Introdução; I - Os efeitos da interrupção e da suspensão da prescrição; II - Da possibilidade de redirecionamento da execução aos sócios e aos responsáveis tributários; III - Da prescrição tributária; III.1 - Prescrição e decadência; III.2 - Prescrição tributária e hierarquia legal: Código Tributário Nacional x Lei de Execuções Fiscais; III.3 - Prescrição tributária e Constituição Federal; III.4 - A suspensão da prescrição e seus efeitos em relação aos sócios; III.5 - A necessidade de citação pessoal do devedor como requisito indispensável para a interrupção da prescrição; III.6 - Penhora insuficiente e redirecionamento da execução aos co-obrigados; Conclusões; Bibliografia.


INTRODUÇÃO
Em que pese sua importância ao direito tributário, a prescrição do direito de redirecionamento da execução fiscal aos sócios e responsáveis tributários tem sido deixada praticamente à margem do estudo científico do direito, fato que tem determinado o desencontro entre as pretensões das partes e o direito posto, ocasionando uma verdadeira confusão conceitual e o conseqüente abarrotamento do Poder Judiciário com inúmeras teses questionando a possibilidade e as hipóteses de ocorrência da prescrição do direito ao redirecionamento da execução fiscal.


Por outro lado, os Tribunais Superiores têm proferido importantes pronunciamentos acerca desta intrincada questão, de modo que a análise sistemática e ordenada desses precedentes certamente contribuirá para a definição das hipóteses e limites para o reconhecimento da prescrição tributária.


Nesse passo, cumpre destacar que a matéria sob estudo, apesar de versar especificamente sobre prescrição, envolve a análise de outra importante questão tributária, qual seja, as hipóteses de afetação do patrimônio pessoal dos sócios ou responsáveis tributários, em face de dívidas fiscais.


Ocorre que, apesar de sua importância, o mencionado tema complementar configura-se em objeto de estudo próprio e extenso, sendo sua completa análise impossível aos fins a que se destina o presente, motivo pelo qual apenas as causas legais de aplicação serão demonstradas sem questionamentos acerca de eventuais ilegalidades e/ou inconstitucionalidades. 
Por outro lado, a questão afeta à diferenciação conceitual entre interrupção e suspensão da prescrição - institutos correlacionados, mas de efeitos distintos - consubstancia-se em fator imprescindível para a correta compreensão do objeto deste estudo, de modo que será tratado em capítulo próprio, ainda que singelamente, os diferentes efeitos práticos advindos de suas aplicações práticas. 


I - OS EFEITOS DA INTERRUPÇÃO E DA SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO


A interrupção da prescrição determina a dilação dos prazos prescricionais, impondo-se a recontagem destes, desconsiderando-se, qualquer que seja, o período de tempo já transcorrido. Assim, ocorrendo qualquer das causas legais determinantes de sua incidência, ocorrerá a desconsideração do lapso temporal registrado, reiniciando-se a contagem do prazo prescricional a partir desse momento.


Da mesma forma, a suspensão da prescrição também impõe a alteração na contagem dos prazos prescricionais, diferenciando-se da interrupção, no entanto, no que tange ao aproveitamento do tempo transcorrido até sua decretação. Com efeito, ao contrário do que ocorre com a interrupção, a suspensão não despreza a contagem já iniciada da prescrição, limitando-se a impedir a contagem do referido lapso temporal durante o período em que estiver ocorrendo.


Nesse passo, observa-se que a suspensão da prescrição impede a continuidade da contagem do prazo prescricional por prazo igual ao de sua duração, retomando-se a contagem, do ponto em que se encontrava, após a cessação da suspensão.


Esse também é o entendimento de LEAL, 1  citado por ROCHA FILHO (2002, p. 149), que, ao tratar das causas suspensivas e interruptivas da prescrição, demonstra que:
“Estas interrompem a prescrição já iniciada, inutilizando todo o curso já decorrido, de modo que, cessada a interrupção, a prescrição novamente se inicia; e aquelas, suspendendo, apenas, o curso prescricional, não destroem o tempo já decorrido, antes da suspensão, de modo que, cessada esta, a prescrição continua a correr, computando-se no prazo aquele tempo, ao qual se aciona o tempo restante para sua consumação.”


Depreende-se, desta forma, que a diferença fundamental entre um e outro instituto encontra-se no aproveitamento ou não do período de tempo transcorrido anteriormente à sua incidência.


II - DA POSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS E AOS RESPONSÁVEIS TRIBUTÁRIOS


Por se tratar de tema acessório e não propriamente o objeto do presente estudo, não se farão maiores incursões acerca da possibilidade de responsabilização dos sócios ou dos responsáveis tributários por dívidas da pessoa jurídica, limitando-nos a enumerar as causas legais em que tal é possível.


Nesse passo, as hipóteses de redirecionamento da execução fiscal estão descritas no Código Tributário Nacional, mais especificamente em seus arts. 134 e 135, adiante transcritos:


“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos pelos filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão de seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto no artigo anterior só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.”


“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social, ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, os prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”


Assim, sempre que houver a ocorrência fática das hipóteses descritas nos referidos artigos, poderá a Fazenda Pública redirecionar a execução aos sócios. Ressalta-se que somente nessas hipóteses é facultado ao Fisco exigir o cumprimento da obrigação por parte dos sócios ou responsáveis. 


Cumpre, ainda, destacar que, com o advento do Novo Código Civil, muito se tem discutido acerca da flexibilização das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica para que os sócios ou responsáveis cumpram as obrigações fiscais da pessoa jurídica. Nada obstante o alarde efetuado por muitos, tem-se, primeiramente, que o NCC simplesmente incorporou tese já aplicada pela jurisprudência e, em seguida, a diferença hierárquica e o grau de especificidade existente entre as leis em questão - o CTN como lei complementar e norma especial e o NCC como lei ordinária e geral -, o que impede que, pelo menos no que diz respeito às dividas de natureza tributária, haja qualquer majoração da responsabilidade das pessoas físicas que a administram.


III - DA PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA


III.1 - Prescrição e decadência


Quando se trata da prescrição no direito tributário, torna-se imprescindível salientar que esta somente ocorre após a constituição do crédito tributário, aplicando-se antes desse momento o instituto da decadência. A diferença entre os dois institutos reside no fato de a concretização da prescrição determinar a perda do direito de ação sobre o crédito tributário, enquanto a decadência impõe a perda do próprio direito de constituir o crédito tributário, ou seja, “a primeira versa sobre exeqüibilidade do crédito; a segunda sobre a exigibilidade deste crédito”. 2 


Dessa forma, somente depois de constituído o crédito tributário dar-se-á início à contagem do prazo prescricional. 


III.2 - Prescrição tributária e hierarquia legal: Código Tributário Nacional x Lei de Execuções Fiscais


O regime da prescrição tributária encontra-se delineado em duas diferentes legislações, quais sejam: 1) o Código Tributário Nacional e 2) a Lei de Execuções Fiscais. Nesse contexto, o CTN dispõe, em seu art. 174, in verbis:


“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I - pela citação pessoal feita ao devedor;
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.”


Por outro lado, a despeito do tratamento dado pelo referido artigo do CTN, a LEF estabelece em seu art. 8º, § 2º, o despacho ordenatório da citação como outra causa de interrupção da prescrição, e, em seu art. 40, a suspensão da prescrição quando não localizado o devedor ou bens passíveis de penhora. Preliminarmente, faz-se necessário lembrar que, enquanto a Lei nº 6.830/80 (LEF) é de natureza ordinária, o Código Tributário Nacional foi recepcionado com status de lei complementar pelo ordenamento jurídico nacional. Nesse diapasão, apesar do fato de tanto o art. 174 do CTN quanto os arts. 8º, § 2º e 40 da LEF tratarem da prescrição tributária, a diferença hierárquica existente entre ambos determinou o questionamento acerca da aplicabilidade ou não dos preceitos estabelecidos pela LEF.


Com o devido respeito aos que defendem a possibilidade de plena aplicação dos referidos dispositivos da Lei de Execuções Fiscais, a hierarquia legal impede o estabelecimento de hipóteses de interrupção diversas das previstas no art. 174 do CTN, senão por meio de lei complementar. No que tange à suspensão da prescrição, sua inaplicabilidade decorre da Constituição Federal, e não diretamente pelo CTN, razão pela qual será tratado em separado.
Em que pese a insistência de alguns processualistas, que continuam a defender a plena aplicabilidade do disposto no art. 8º, § 2º da LEF, a divergência instalada na doutrina encontra-se devidamente solucionada pelos tribunais superiores, havendo diversas manifestações do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a impossibilidade de sua aplicação em face do art. 174, do CTN.


Nesse sentido, cita-se julgamento, por unanimidade, da 1ª Turma do STJ, em que se estabeleceu que:
“A mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º do CPC, e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN. (...)” (STJ, 1ª T., REsp 388.000, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Ac. 25.06.2002, DJU 09.09.2002)


O mesmo posicionamento foi adotado pela 2ª Turma do STJ em julgamento de recurso especial, cuja ementa abaixo se transcreve:


“PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO - DESPACHO ORDENATÓRIO - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO - INTERRUPÇÃO NÃO CONFIGURADA - LEI Nº 6.830/80 (LEF) - CTN, ART. 174, PARÁGRAFO ÚNICO - PRECEDENTES STJ - O simples despacho do juiz, ordenando a citação do executado, não tem o condão de interromper a prescrição, em processo executivo fiscal. Somente a citação do devedor produz o efeito de interromper o prazo prescricional, em obediência às normas contidas na Lei nº 6.830/80, em harmonia com o art. 174, parágrafo único do CTN. Recurso não conhecido.” (STJ, 2ª T., REsp 76.739, Ac. 23.09.1999, DJU 17.05.1999)


Não só, a limitação estabelecida pelo art. 174, do CTN, tem, nas palavras do ilustre Ministro JOSÉ DELGADO, a finalidade de evitar:
“a) a imprescritibilidade quando não encontrados bens da empresa devedora, com a conseqüente responsabilidade patrimonial sem limite de tempo dos sócios;
b) o reconhecimento de que a prescrição só pode ser decretada após a citação da parte executada.”
O fenômeno da prescrição em nosso direito segue tendência contemporânea de, através do decurso do tempo aliado à inércia da parte interessada, quer pessoa jurídica (sic), quer pessoa privada, estabelecer a relação jurídica entre as partes, afastando o conflito.” (STJ, 1ª T., REsp 388.000, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Ac. 25.06.2002, DJU 09.09.2002)


Do exposto, percebe-se não haver dúvidas quanto à inaplicabilidade dos dispostos nos arts. 8º, § 2º e 40 da Lei nº 6.830/80, não havendo outra hipótese de interrupção da prescrição afora as constantes no art. 174, do Código Tributário Nacional, não sendo possível, de igual forma, admitir-se a ocorrência de suspensão da prescrição em face do preceituado pelo art. 146, III, b, da Constituição Federal de 1988.

III.3 - Prescrição tributária e Constituição Federal


Cumpre destacar que, diferentemente do que acontece em outros ramos do direito, a prescrição do crédito tributário tem sua regulamentação na própria Constituição Federal, a qual dispõe em seu art. 146, III, b, que:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados nesta constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”


Observa-se que o legislador constituinte, antevendo a possibilidade de abusos por parte dos entes tributantes e, na esteira das limitações estabelecidas em seu art. 150, impôs a necessidade de lei complementar para a regulamentação da prescrição tributária. Assim, em vista da recepção constitucional da Lei nº 5.172/66 como lei complementar, tem-se que a norma competente para tratar da prescrição tributária é o próprio Código Tributário Nacional. 
Mister destacar que o art. 174, do CTN, enumera todas as hipóteses de interrupção da prescrição do crédito tributário, salientando-se que a exigência de lei complementar efetuada pela Constituição Federal aplica-se à prescrição tributária de uma forma geral, e não somente às hipóteses de sua interrupção.


Nesse diapasão, exige-se lei complementar para tratar de todo e qualquer aspecto da prescrição tributária, desde o prazo para sua concretização, o momento em que se inicia sua contagem até as hipóteses de suspensão e interrupção de sua contagem.
Em que pese a assertiva acima formulada, a costumeira invocação, por parte do Fisco, da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) - mais precisamente de seus arts. 8º, § 2º e 40 - a fim de obstar a fluência do prazo prescricional. Ocorre que a lei de execuções é lei formal e materialmente ordinária, consubstanciando-se inapta para tratar de qualquer questão atinente à prescrição tributária.


Esse também é o entendimento da jurisprudência, tendo ambos os dispositivos recebido interpretações similares pelo Poder Judiciário. Nesse diapasão, observa-se que os artigos em comento têm sido sistematicamente rejeitados pelo Superior Tribunal de Justiça, para quem:
“4. Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174, do CTN, nele não incluídos os do art. 40, da Lei nº 6.830/80. Há de ser sempre lembrado que o art. 174, do CTN, tem natureza de lei complementar.
5. O art. 40, da Lei nº 6.830/80, nos termos em que admitido em nosso ordenamento jurídico, não tem prevalência. Sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174, do CTN.
6. Repugna aos princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Após o transcurso de determinado tempo, sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes.
7. A mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º do CPC, e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN. (...)
10. In casu, porém, verifica-se que entre as datas de citação da pessoa jurídica (agosto/1976) e de citação das sucessoras do sócio (junho/1999), fluiu o prazo qüinqüenal (art. 174/CTN), totalizando, simplesmente, 23 anos. Repugna aos princípios informadores de nosso sistema tributário a prescrição indefinida, a qual se reconhece.” (STJ, 1ª T., REsp 388.000, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Ac. 25.06.2002, DJU 09.09.2002)


Observa-se que o item nº 6 da ementa transcrita determina que, “após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes”. Ressalta-se que a expressão “sem promoção da parte interessada” refere-se especificamente ao pedido de redirecionamento da execução, e não aos atos normais relativos ao desenvolvimento da ação. Assim, se a Fazenda Pública pretende redirecionar a execução aos responsáveis, deve requisitar tal providência antes de transcorrido o prazo de cinco anos contados da citação da empresa, sob pena de não mais poder fazê-lo.


Tal afirmação decorre do fato de que, interrompida a prescrição pela citação pessoal do devedor, reinicia-se sua contagem não só em relação à pessoa jurídica, mas também em relação aos seus sócios e/ou responsáveis tributários. Ora, reiniciada a contagem de prescrição, nos exatos termos do art. 174, do CTN, sem que haja qualquer pedido de redirecionamento da execução no prazo de cinco anos, estabelecer-se-á, diante da inércia do credor, a prescrição do débito em relação aos sócios e aos responsáveis.


Também não restam dúvidas quanto à afirmação posta, importa salientar parte do voto do ilustre Ministro LUIZ PEREIRA, ao afirmar que:


“... a questão algema-se ao período compreendido entre as datas do ajuizamento e àquela das citações dos sócios, de permeio acontecendo, como visto, a da pessoa jurídica, podendo significar, ou não, fato interruptivo da prescrição. Reanima-se que, lapso compreendido entre dias do ajuizamento e o da citação da pessoa jurídica, não se completou o qüinqüênio prescricional. Por outro eito, considerada a data dessa citação, que interrompeu a prescrição, e a das formalizadas nas pessoas dos sócios, passaram-se mais de doze anos. Em sendo assim, assinalando-se essa data como dies a quo, venceu-se o prazo prescricional (art. 174, CTN).” (STJ, 1ª T., REsp 242.345, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, Ac. 06.12.2001, DJU 25.03.2002)


Entendimento contrário ao exposto implicaria em manifesta insegurança jurídica, haja vista que um sócio ou responsável tributário poderia ter seus bens pessoais atingidos por dívidas não saldadas da pessoa jurídica, mesmo que a execução fiscal tenha sido redirecionada aos sócios somente após tramitar por longo tempo contra a pessoa jurídica. 
Dessa forma, depreende-se a impossibilidade jurídica de aplicação do disposto nos artigos da Lei de Execuções Fiscais que tratam da prescrição tributária, os quais, por força do art. 146, III, b, da CF/88, não resistem ao confronto hierárquico com o CTN, não podendo ser veiculados por meio de lei ordinária.


III.4 - A suspensão da prescrição e seus efeitos em relação aos sócios


Sem embargo do exposto, tem-se que mesmo se fosse admissível a suspensão da execução fiscal, nos termos do art. 40 da LEF, sua aplicação não surtiria qualquer efeito contra os sócios ou responsáveis, pois não se refere a estes, e sim ao devedor. Nesse sentido também é o entendimento do ilustre Ministro ARI PARGENDLER, para quem:
“O art. 40 da Lei nº 6.830 de 1980 se refere ao devedor, não ao responsável tributário, em relação ao qual o fisco tem prazo de cinco anos para redirecionar a execução fiscal.” (STJ, 2ª T., REsp 142397, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Ac. 03.11.1997, DJU 24.11.1997)
Com efeito, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, também já se manifestou nesse sentido, como se depreende da ementa adiante transcrita, in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIAS - ARGÜIÇÃO EM QUALQUER MOMENTO PROCESSUAL - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO - LITÍGIO DE NATUREZA PATRIMONIAL - O redirecionamento da execução fiscal contra um dos sócios co-obrigados, após decorridos 5 (cinco) anos desde a citação da pessoa jurídica, autoriza a declaração da ocorrência da prescrição. Os casos de interrupção da prescrição estão previstos no art. 174, CTN, nele não incluídos os do art. 40 da Lei nº 6.830/80. O art. 40 da Lei nº 6.830/80 se refere ao devedor, não ao responsável tributário. Divergência jurisprudencial não comprovada. Violação à lei federal não configurada. Recurso não conhecido.” (STJ, 2ª T., REsp 139.930, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Ac. 16.09.1999, DJU 03.11.1999)


Dessa forma, a prescrição continua operando seus efeitos em favor dos co-obrigados, ainda que suspensa a execução em relação ao devedor, pois em relação àqueles não existem causas suspensivas da prescrição. 


III.5 - A necessidade de citação pessoal do devedor como requisito indispensável para a interrupção da prescrição


Em razão de todo o exposto, torna-se imprescindível observar que, no que tange às causas de interrupção da prescrição tributária, o art. 174, do Código Tributário Nacional, impõe como conditio sine qua non a citação pessoal do devedor. Dessa forma, somente se interrompe a prescrição em relação ao responsável tributário ou aos sócios quando a pessoa jurídica executada for citada pessoalmente, não ocorrendo o fenômeno estabelecido no art. 174, do CTN, nos casos em que a citação se der por edital.


No mesmo sentido é o posicionamento da 1ª Turma do eg. Superior Tribunal de Justiça, que, por unanimidade, assim se manifestou:


“AGRAVO REGIMENTAL, CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, ART. 174, PARÁGRAFO ÚNICO - PREVALÊNCIA SOBRE A LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA (LEI Nº 6.830/80) - No redirecionamento da execução fiscal contra sócios co-obrigados, só se interrompe a prescrição, em relação a eles, quando for pessoal a citação da pessoa jurídica, face a regra contida no art. 174, parágrafo único, I, do referido Código Tributário. In casu, a citação da empresa foi implementada através de edital. Precedentes desta Corte.” (STJ, 1ª T., AREsp 251.216, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Ac. 05.02.2002, DJU 18.03.2002)
Importa destacar os fundamentos utilizados pelo ilustre Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS para proferir seu voto:
“De acordo com o parágrafo único do art. 174, citado, ‘a prescrição para a cobrança do crédito tributário só se interrompe pela citação pessoal feita ao devedor. Não basta para a interrupção o mero despacho ordenatório da citação. Este é o entendimento prevalecente na doutrina e com o aval de julgados da Suprema Corte, a qual, aliás, compete emitir o último juízo, eis que o princípio hierarquia das leis configura matéria de natureza constitucional’. Na hipótese destes autos, em que o redirecionamento da execução às ex-sócias ocorreu após a citação da empresa, por edital, somente muito tempo depois feita a citação pessoal daquelas, face à regra imperativa do dispositivo do CTN, acima referido, não se verificou a interrupção a partir da citação da pessoa jurídica, a qual, para tal efeito, restou insubsistente. Desta forma, como a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu no exercício de 1990 e a citação pessoal das ex-sócias teve lugar em setembro de 1996, fica patente que a cobrança, a elas redirecionada, foi alcançada pela prescrição intercorrente.”
Isto posto, não se interrompe a prescrição em relação aos sócios e/ou responsáveis nos casos em que a citação da pessoa jurídica for efetiva por meio de edital.


III.6 - Penhora insuficiente e redirecionamento da execução aos co-obrigados


Argumento freqüentemente invocado pela Fazenda Pública com a finalidade de justificar o redirecionamento da Execução Fiscal aos co-obrigados é a insuficiência da penhora efetuada pela empresa. Com efeito, por diversas vezes os bens dados em penhora, após, arrematados, mostram-se insuficientes para a satisfação do crédito fiscal, motivo pelo qual se redireciona a execução aos sócios para que estes complementem os valores devidos.
Ressalta-se, entretanto, que normalmente a constatação de insuficiência dos bens penhorados somente ocorre quando transcorridos mais de cinco anos contados da citação do devedor, o que impede, em face da prescrição, o redirecionamento dos co-obrigados para responder pelo saldo.
Na tentativa de satisfazer o crédito fazendário, desenvolveu-se argumentos no sentido de que antes de efetuado o leilão não haveria elementos suficientes para a constatação do quantum a ser recebido pela expropriação dos bens penhorados, razão pela qual não se poderia imputar a responsabilidade pelo reforço da penhora à Fazenda Pública. Nada obstante, o Poder Judiciário, mantendo coerência com os julgados já citados, estabeleceu que cabe ao credor certificar-se de que a penhora realizada nos autos é suficiente para a garantia da dívida, não sendo possível o redirecionamento da execução aos co-obrigados após decorrido o prazo qüinqüenal de prescrição estabelecido no CTN.


Nesse passo, transcreve-se parte do voto proferido pelo ilustre Ministro ARI PARGENDLER:
“Quem propõe a execução fiscal deve certificar-se que a penhora realizada é suficiente para garantir o crédito tributário, porque o redirecionamento da ação contra eventuais responsáveis pelo respectivo pagamento só é viável até cinco anos contados da data em que, por efeito da citação do sujeito passivo da obrigação tributária, a prescrição foi interrompida.” (STJ, 2ª T., REsp 142.397, Ac. 03.11.1997, DJU 24.11.1997)


Não só, tem-se, ainda, que o dever de verificar a suficiência da penhora imposto ao credor persiste, mesmo nos casos de dissolução irregular da sociedade, como se denota do posicionamento adotado pela ilustre Ministra ELIANA CALMON, para quem:
“... a execução teve início em 29.08.1983 e contra a empresa houve penhora, leilão, etc., restando saldo devedor após a hasta. No prosseguimento da execução é que se verificou a irregular extinção da sociedade, como ficou certificado em 05.09.1988. Somente a partir daí é que se voltou a exeqüente contra o sócio-gerente, que só em 20.07.1992 veio a ser citado, quando já se completara o qüinqüênio do ajuizamento da execução (1983/1992). (...) Ora, o acórdão impugnado não vulnerou o art. 134 do CTN, porque reconheceu o sócio-gerente como responsável assim que teve notícia concreta da dissolução irregular da empresa devedora. Tanto que se voltou a execução para o sócio, citado para pagar, o que não vingou em face da prescrição.” (STJ, 2ª T., REsp 55.862, Relª Min. ELIANA CALMON, Ac. 02.03.2000, DJU 10.04.2000)


Dessa forma, para a concretização da prescrição em face dos co-obrigados, pouco importa o fato de a pessoa jurídica executada ter sido, ou não, regularmente extinta, bastando assim, tão-somente, o transcurso do prazo qüinqüenal, contado da data da citação da pessoa jurídica, quando esta for realizada pessoalmente, e da data da constituição do crédito tributário, quando a citação for editalícia.


CONCLUSÕES


Diante do exposto, é possível formular algumas assertivas em relação à possibilidade e aos limites para o reconhecimento da prescrição do direito de redirecionamento da execução fiscal aos co-obrigados.


Nesse passo, tem-se que:


1) A prescrição do direito tributário encontra-se inicialmente traçada na Constituição Federal de 1988, a qual, por meio de seu art. 146, III, b, e, na esteira de seu art. 150, estabeleceu limites à atuação do legislador tributário, exigindo lei complementar para estabelecer normas gerais acerca da questão prescricional;
2) O despacho ordenatório da citação não tem o condão de interromper a prescrição, sendo pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que somente a citação produz tal efeito. Assim, o art. 8º, § 2º, da Lei de Execuções Fiscais, deve ser interpretado em consonância com os dispostos no art. 174, parágrafo único do Código Tributário Nacional e 146, III, b, da Constituição Federal de 1988;
3) No que se refere à suspensão do prazo prescricional, nos moldes preceituados pelo art. 40 da Lei nº 6.830/80, constata-se que sua aplicação infringe o art. 146, III, b, da Carta Constitucional, por tratar de tema reservado à lei complementar, já tendo os tribunais assentado entendimento nesse sentido;
4) Sem embargo da afirmativa efetuada, tem-se que, acaso fosse considerado aplicável o conteúdo do art. 40 da LEF, a suspensão da prescrição não operaria efeitos em relação aos sócios, haja vista referir-se o dispositivo legal ao devedor, e não aos responsáveis tributários, existindo manifestações do Superior Tribunal de Justiça nesse exato sentido;
5) A interrupção da prescrição em relação à pessoa jurídica somente determina sua interrupção em relação aos co-obrigados quando realizada pessoalmente. Nesse contexto, há precedentes do STJ no sentido de que a citação da pessoa jurídica, quando realizada por edital, não interrompe a prescrição em face dos sócios, o que determina que sua contagem seja feita levando-se em conta a data da constituição do crédito tributário ao invés da data da citação da empresa;
6) A nomeação de bens à penhora efetivada pela pessoa jurídica não suspende ou interrompe a contagem da prescrição aos sócios, sendo dever do credor certificar-se da suficiência dos bens penhorados, antes de sua expropriação, sob pena de restar impossibilitado o redirecionamento da ação aos co-obrigados em razão da prescrição.


BIBLIOGRAFIA
ALVARES, Manoel. Execução fiscal: doutrina e jurisprudência. Vladimir Passos de Freitas (coord.). São Paulo: Saraiva, 1998.
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