A ATIVIDADE PARALELA LÍCITA DO POLICIAL CIVIL E MILITAR - Marcelo Pessôa

Bacharel em Direito
Pós-Graduando em Direito Processual Civil e 
Processual do Trabalho pela UNESA/RJ
Aluno da Escola Superior da Magistratura - ESMAGIS/MT

I. Introdução


De acordo com o art. 144 da Constituição Federal, a Polícia Civil e a Polícia Militar integram o conjunto de órgãos responsáveis pela segurança pública, ou seja, pela preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e seus patrimônios.
Estas instituições são formadas por servidores públicos com deveres direcionados à paz social, através de condutas que visam a prevenção e a repressão dos crimes.


II. Desenvolvimento do Tema


O contexto social e econômico em que vivemos revela que a remuneração desses policiais é insuficiente, pois, a contraprestação que recebem não é capaz de atender plenamente suas necessidades básicas e nem as de sua família, além do mais, é notória a falta de reajustes periódicos para preservar o poder aquisitivo desse quantum.


Por isso, esses cidadãos buscam alternativas para complementar suas rendas mediante a prática de tarefas paralelas, e, a principal delas é a prestação habitual de serviços de segurança particular em empresas privadas.


Sobre esse assunto, há uma discussão interessante relativa à admissibilidade de tal relação laboral. Alguns doutrinadores entendem que o fato do obreiro ser um policial da ativa constitui fato obstativo da relação empregatícia, posto que, estaria de forma indireta, repassando aos administradores públicos uma obrigação que não lhes pertence, isto é, a segurança privada desses estabelecimentos.


De outra banda, existe uma corrente jurídica que admite o vínculo empregatício do policial civil ou militar com pessoas jurídicas desde que seja pactuada com um empregador privado [com exclusão das sociedades paraestatais], ou com pessoas físicas [profissionais liberais, etc.], aliás, esta é a posição mais acertada. E, para demonstrar a coerência dessa tese, passarei a expor razões que fundamentam tal alegação.


Ab initio, convém destacar os termos do art. 37, XVI e XVII da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá (...) ao seguinte:
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;
c) a de dois cargos privativos de médico;
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedade controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;"


Segundo o princípio da legalidade, o cidadão só será obrigado a deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei, logo, como não existe disposição normativa impedindo a acumulação de um cargo público [de policial] e um emprego de segurança particular, o mesmo tem que ser considerado legítimo, ademais, esse trabalho é totalmente lícito, por conseguinte, a sua vedação configura uma atitude irregular. 
Colho da jurisprudência:


"RELAÇÃO DE EMPREGO - POLICIAL MILITAR - Não existe vedação legal para que o policial militar tenha vínculo empregatício com empresa privada, valendo ressaltar que no Direito do Trabalho deve prevalecer o contrato-realidade, suficiente para caracterizar a licitude do trabalho prestado, do qual usufruiu o Empregador quando contratou o Empregado. Restando, pois, presentes os requisitos definidores da relação de emprego, não há como negar sua existência, frente à ausência de qualquer violação legal que envolva a cumulação de cargo público com emprego civil. Recurso conhecido e não provido. (TST - RR 493.734/1998 - 5 - 2ª T. - Rel. Min. José Alberto Rossi - DJU 07.05.1999 - p. 154)" - [Fonte: Juris Síntese Millennium]


Porém, é bom acrescentar que para se materializar esse liame jurídico, mister se faz que todos os requisitos indispensáveis estejam presentes, a fim de que seu desenvolvimento seja perfeito.
Nessa esteira, adiciono julgado relevante:


"Relação de emprego. Configuração. Policial militar. Sua qualificação não impede o liame empregatício. A exclusividade na prestação de serviços à corporação é matéria própria do órgão competente, e não desta jurisdição. Presentes os requisitos da CLT, art. 3°, reconhece-se o vínculo de emprego (Proc. TRT/SP 37884/97, Valentin Carrion, Ac. 9ª T. 37.185/98)." - [Fonte: Valentin Carrion, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 25 ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 33] 
Com efeito, essa questão encontra-se solucionada de maneira inconteste, pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, uma vez que, este órgão do Poder Judiciário já proferiu reiteradas decisões reconhecendo essa situação, vejamos:


"VÍNCULO EMPREGATÍCIO - POLICIAL MILITAR - Vínculo empregatício. Policial militar. A jurisprudência atual, notória e iterativa do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Eg. Seção de Dissídios Individuais, assentou entendimento de que, "preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto da Polícia Militar". Incidência da Súmula n° 333 do TST. Recurso de revista não conhecido. Tema(s) abordado(s) no acórdão: I - Relação de emprego - polícia militar - empresa privada. - Recurso não conhecido por aplicação do Enunciado n° 333 do TST. (TST - RR 342.295/97 - SDBI1 - Rel. Min. João Oreste Dalazen - DJU 10.12.1999)" - [Fonte: Juris Síntese Millennium]


"RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. POLICIAL CIVIL DA ATIVA. SEGURANÇA BANCÁRIA. A argumentação veiculada pelo Banco no sentido de descaracterizar a relação contratual de trabalho, sobretudo porque o reclamante seria policial civil do Estado, em atividade que exigiria disponibilidade absoluta à sua corporação, não tem fundamento jurídico para o Direito do Trabalho por se tratar de situação jurídica distinta da que manteve com o empregado, e que diz respeito tão-somente aos seus deveres funcionais de servidor público. Não está demonstrada a alegada ofensa aos arts. 3º da CLT e Lei n° 3374/75. Embargos não conhecidos. (TST, ERR 300415/96, DJU 22.10.1999, Relator: Juiz Convocado Renato de Lacerda Paiva)." - [Fonte: Informa 2000]


"POLICIAL MILITAR - VÍNCULO DE EMPREGO - EMPRESA PRIVADA - Não obstante o disposto no artigo vinte e dois do Decreto-lei seiscentos e sete de sessenta e nove, a jurisprudência desta Corte já se posicionou no sentido de reconhecer o vínculo de emprego entre o policial militar e a empresa privada, considerando o princípio do contrato-realidade. Recurso de revista provido. (TST - RR 304694/1996 - 3ª T. - Rel. Min. Antônio Fábio Ribeiro - DJU 07.05.1999 - p. 182) - [Fonte: Juris Síntese Millennium]


Deste modo, torna-se claro que o posicionamento prevalecente é no sentido de que não há óbice à configuração desse tipo de contrato de trabalho, porquanto, desta relação resultam direitos que são tutelados pelo Estatuto Celetista. 


Aliás, o magistrado Pedro Paulo Teixeira Manus, dispõe que: "... no campo do Direito do Trabalho, todas as normas que encontramos são aplicáveis, em tese, a todos os que mantenham um vínculo de natureza trabalhista, como empregado ou empregador. (...). Frise-se, ademais, que mesmo existindo um documento assinado por ambas as partes no sentido de que não existe contrato de trabalho entre ambos, a qualquer momento pode ser reconhecida a existência ..." [In: Direito do Trabalho, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 48-63]


III. Conclusão


Sendo assim, restou completamente evidenciada que a orientação relativa ao vinculo de emprego do policial, seja civil ou militar, está pacificada como uma relação legal e válida, da qual decorrem direitos laborais garantidos coerentemente pelo ordenamento jurídico pátrio.
Isso não poderia ser diferente, visto que, o Direito do Trabalho tende a realização de um valor fundamental na coletividade: a justiça social. Por obvio, seu regramento não é o único meio de consecução desta meta, mas, é uma das formas essenciais.

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