SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO - Eduardo Carlezzo

Advogado.
Consultor Jurídico da Maurênio Stortti Consultores Associados.
Assessor Jurídico do Sport Club Internacional.
Pós-graduando em MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas.
Mestrando em Unión Europea y Integración Económica Latinoamericana pela Universidad Politecnica de Madrid.Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e da International Association of Sports Law.

O Direito Societário brasileiro sofreu inúmeras modificações nestes últimos dois anos, seja com a Lei nº 10.303/01, seja com a Lei nº 10.406/02, a primeira alterando a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) e a segunda alterando o Código Civil. Não trouxeram tais normas inovações quanto aos tipos societários, apenas alterando algumas denominações, de forma que podemos dividir as sociedades em anônimas ou em comandita por ações (Lei nº 6.404/76), sociedade em comum (sociedade de fato ou irregular), em conta de participação, em nome coletivo, simples (antiga sociedade civil com fins lucrativos), em comandita simples e limitada (Lei nº 10.406/02). Destas, apenas a sociedade anônima e a limitada tiveram larga aceitação por parte da classe empresaria, conforme informa o Departamento Nacional de Registro de Comércio. Para se ter uma idéia do que representa isto, no ano de 2001 foram constituídas e registradas 490.911 sociedades comerciais, sendo que 241.487 correspondem a firmas individuais, 245.398 a sociedades limitadas, 1.243 a sociedades anônimas, 2.344 a cooperativas e 439 a outros tipos. Assim, resta inequívoco que a sociedade limitada, como fator de agregação de sócios, é a grande preferida.


Porém, embora não seja nova, já que prevista no Código Comercial de 1850, a Sociedade em Conta de Participação (SCP) tem ganhado nos últimos anos uma nova roupagem empresarial, assumindo o status de um importante instrumento jurídico para a formatação de vários negócios. Mas o que é uma SCP? Segundo o art. 991 do Novo Código Civil, “na sociedade em conta de participação a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes”. Assim, na SCP temos dois tipos de sócios: o sócio ostensivo, que é aquele a quem incumbe a gestão da sociedade, que pratica todos os atos necessários ao seu desenvolvimento; e o sócio participante, ainda conhecido como sócio oculto, que não tem poder de gerência na sociedade, podendo apenas fiscalizar os atos da administração. Desta forma, apenas o sócio ostensivo pode diligenciar no sentido de cumprir as obrigações e atos derivados do pacto que originou a SCP, sendo ainda responsável de forma ilimitada pela dívidas contraídas em nome da sociedade. Já o sócio participante não responde de forma ilimitada, o que poderá ocorrer caso se venha a praticar atos de gestão na SCP.


Cumpre salientar que, tecnicamente, a SCP não é uma sociedade. Simploriamente podemos dizer que é um grande contrato de investimento, onde as partes comungam esforços para atingir um objetivo comum, inevitavelmente o lucro. No caso de uma sociedade limitada, por exemplo, há o registro na Junta Comercial. Há personalidade jurídica. Existe uma denominação social. É necessária também a inscrição no CNPJ. A SCP, ao contrário, não tem personalidade jurídica, mesmo que intente-se a sua inscrição em qualquer registro. Não tem CNPJ. Não tem denominação social. Acarreta ao sócio ostensivo responsabilidade ilimitada pela dívidas sociais, contrariamente ao que ocorre na sociedade limitada, onde o sócio responde apenas pela integralização de sua quota social, ou do capital social, caso este não esteja totalmente integralizado. Assim, os negócios que são praticados pela SCP, externamente, são assumidos pela pessoa física ou jurídica do sócios ostensivo. É este quem aparece para o mercado. É em seu nome que as transações são realizadas. Porém, internamente, sabe-se que existem outros sócios, que investem recursos e objetivam retorno. Sendo necessário, exemplificativamente, abrir-se uma conta-corrente em uma instituição financeira para a administração dos negócios da SCP, esta conta não seria aberta em nome da desta “sociedade”, mas sim em nome do sócio ostensivo. 


Então, qual é a vantagem da utilização da SCP? Para melhor intelegibilidade, cabe considerar o seguinte exemplo. Observamos atualmente que existem cada vez mais pessoas interessadas em investir em venture capital ou private equity. O capital de risco passou a ser uma grande oportunidade de negócios no Brasil, sendo crescentes os fundos ou as associações de pessoas tendentes a direcionar seus recursos para tal atividades, preterindo os investimentos clássicos como renda fixa, fundos de pensão ou mesmo o mercado de capitais. Aparecem os investimentos nas chamadas empresas emergentes, empresas que, entre outras características, pelo menos aos olhos dos investidores, sinalizam um futuro promissor em termos de remuneração aos seus recursos. Estas empresas basicamente centram suas atividades sob uma base tecnológica, que pode envolver tecnologia da informação, internet, biotecnologia, etc. E o que fazem estes investidores? Contratam com uma determinada sociedade, especialista na intermediação e gestão de capital, a configuração de uma SCP, onde cabe aos primeiros (investidores ou sócios participantes) aportar recursos, por um determinado prazo de tempo, e a segunda (sócio ostensivo) gerir e aplicar tais recursos em uma empresa cuidadosamente escolhida. Dando lucros a empresa, são os investidores remunerados na proporção de seus investimentos (como se possuíssem ações de uma empresa), com o retorno do capital investido no final do prazo da SCP (salientando que a empresa poderá não dar lucro, por isso o risco). Assim, neste exemplo, quem aparece perante o mercado é a entidade gestora dos recursos, que negociará a sua forma de aplicação na empresa emergente. Os sócios participantes não podem ter qualquer envolvimento em tais atos, sob pena de responderem também solidariamente. Poderão (e deverão), todavia, fiscalizar a administração de seus recursos na empresa receptora dos mesmos. Ressalte-se que tais negócios não podem envolver captação pública de recursos, o que apenas é lícito a empresas registras na CVM ou a instituições financeiras. Mas este é apenas um exemplo. Outros mais poderiam ser citados. 


A utilização de uma SCP certas vezes requer, até mesmo para transparência e segregação patrimonial, a constituição de uma sociedade com propósito específico para atuar como sócio ostensivo, o que pode ser feito, dependendo da situação, com base no art. 251 do Lei nº 6.404/76, mediante a criação de uma subsidiária integral. Enfim, a SCP é uma espécie “societária” com amplas possibilidades de adequação às necessidades do mercado e daqueles que dela fazem um instrumento lícito de geração de riquezas. 

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