RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO - Ênio Santarelli Zuliani



Ênio Santarelli Zuliani
Juiz do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Professor da Universidade Paulista (UNIP) - Campus Ribeirão Preto.

SUMÁRIO: 1. Dever de diligência e não de resultado; 2. Razões de questionamento sobre suas atividades e nenhuma influência da inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90; 3. Abuso do direito de o cliente denunciar advogados e jurisprudência censória - perda de uma chance e a sistemática do agravo de instrumento; 4. Dano moral; 5. Responsabilidade objetiva da sociedade de advogados; 6. Execução impossível; 7. Risco de execução de títulos de créditos emitidos para retribuição dos serviços; 8. Imunidade judiciária; 9. Atuação na justiça criminal e em situações de prisão civil por inadimplência de dívidas alimentícias pretéritas; 10. Prescrição; 11. Sugestão de dispensa da atuação em causa própria; Bibliografia.

1. DEVER DE DILIGÊNCIA E NÃO DE RESULTADO

Consta que o primeiro advogado a obter licença para atuar na vila de São Paulo foi ANTÔNIO CAMACHO, empossado por provisão assinada por D. FRANCISCO DE SOUZA, de 22.02.1651, pela qual foram outorgados amplos poderes de defesa, no cível e no crime, "guardando em tudo o serviço de Deus e de Sua Majestade e às partes seu direito". 1 Os advogados, que estavam presente na fundação de nossa organização judiciária, assumiram o dever de resguardar o direito das partes. A responsabilidade profissional, portanto, é fato congênito.

O novo CC estabelece, em seu art. 951, o dever de reparar danos provocados por ilícito da atividade profissional, uma nova versão do substituído art. 1.545, selecionando como destinatários os médicos, cirurgiões, farmacêuticos e dentistas. Embora não referidos em artigo específico, os advogados recepcionam o conteúdo dessa mensagem normativa, porque, da mesma maneira com o que ocorre com esses profissionais da área de saúde, ficam vinculados ao cliente, em face dos serviços que prestam. CARVALHO DE MENDONÇA incluiu, quando analisou a hipótese de responsabilidade de médicos e outros, por danos decorrentes de negligência ou imperícia profissional, "o advogado que por maus conselhos ou incapacidade comprometa direitos de seu constituinte". 2 
Esse paralelo que se faz da atividade do médico e do advogado proporcionou o seguinte comentário de HEROTIDES DA SILVA LIMA: 3 "se a imperícia, a imprudência e a negligência do médico podem ocasionar ao indivíduo a perda parcial ou total da personalidade física, no advogado geram danos ainda maiores, que se traduzem no despejo do patrimônio, da liberdade e da honra, sem as quais a vida física é socialmente insustentável é até insuportável".

O advogado não assume, salvo em particulares tarefas, obrigação de resultado, 4 mas, sim, de diligência; un obbligo di diligenza e non di resultato, afirmou EDUARDO BONASI BENUCCI. 5 Cumpre ao advogado defender as partes e dar conselhos profissionais, obedecendo aos deveres do mandato, como estabelece o art. 692, do CC de 2002: "o mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código".

Portanto, quando o advogado, sem mandato judicial, for encarregado, por exemplo, de preparar os documentos necessários para obter um visto de saída do país, serviço encomendado por um cliente que se prepara para uma viagem ao exterior, o profissional que aceita tal incumbência, deverá resolver os entraves burocráticos e conseguir a licença da embaixada respectiva até a data do embarque, sob pena de responder por perdas e danos do inadimplemento dessa relação contratual, na forma do art. 389, do CC. Em obtendo mandato para atuação judicial ou para assessoramento jurídico, o advogado deve, segundo o ilustre Des. da 3ª CDPriv. do TJSP, CARLOS ROBERTO GONÇALVES: 6 "ser diligente e atento, não deixando perecer o direito do cliente por falta de medidas ou omissão de providências acauteladoras, como o protesto de títulos, a notificação judicial, a habilitação em falência, o atendimento de privilégios e a preferência de créditos. Deve, inclusive, ser responsabilizado quando dá causa à responsabilidade do cliente e provoca a imposição de sanção contra este, na hipótese dos arts. 16 a 18, do CPC".

Os velhos processualistas reservam capítulos, em seus livros, para comentários sobre a atividade dos advogados e, de forma unânime, reconhecem o cabimento da indenização por prejuízos da atividade (dolo e culpa) e, aproveitando da doutrina incipiente, como verdadeiros formadores de conceitos, exigiam deles certos predicamentos, como a probidade, não requererem contra lei expressa ou reterem os autos além do prazo permitido, 7 abstendo-se de ações que possam prostituir sua honrosa profissão. 8 Nessa última obra, explica-se o porquê da expressão "patrono", ainda em moda para designar os advogados; "porque tomavam debaixo de sua proteção a seus clientes, e se consagravam à defesa de seus interesses e da sua honra, vida e liberdade". 9 

JOAQUIM IGNÁCIO RAMALHO, o Barão de Ramalho, que atuou na defesa de Mauá, até 1875, em ação relacionada com a Estrada Santos a Jundiaí, 10 escreveu, primeiro, o livro Practica Civil e Commercial (1861), anotando que "a advocacia é uma indústria". 11 Na "praxe brasileira", editada oito anos depois, corrigiu o texto para "a advocacia é uma profissão". 12 Contudo, nas duas oportunidades, repetiu que o advogado deve indenizar o prejuízo que causar à parte, por dolo, culpa ou ignorância, advertindo que é obrigado a requerer conforme as leis, abstendo-se de interpretações frívolas e sofísticas. Em se admitindo, como argumenta FREDERICO MARQUES, que o citado prof. da Faculdade de Direito de São Paulo foi responsável pela ruptura da subserviência jurídica às Ordenações do Reino de Portugal, que ditavam o caminho dos nossos processos, 13 não se tem dúvida de que a advocacia surgiu no Brasil independente com regras deontológicas claras e expressamente definidas. 14 

Um notável advogado que, por sua reconhecida autoridade, faz insuspeito o seu texto, escreveu: 15 "Não se pode contar nem entender a história de um país sem destacar o papel desempenhado pelos advogados. Se não eles que, necessariamente, criam todas as técnicas de controle social, cabe-lhes sempre fazer com que tais técnicas funcionem no interesse social. Assim, as idéias gerais lançadas pelos filósofos ou pelos políticos só se transformam em realidades concretas em virtude do trabalho do advogado em prol dos interesses individuais ou coletivos".

Realmente. O advogado detém a capacidade postulatória (arts. 36, do CPC e 133, da CF). No Juizado Especial (L. 9.099/95), as partes poderão dispensar advogados em ações até 20 salários mínimos (art. 9º), de modo que, acima desse teto e para interpor recursos, a presença do advogado é obrigatória (art. 41, § 2º). Quando o TJSP, em acórdão que relatei, concedeu MS para que advogado não sofresse restrições de acesso aos autos (ainda que com os serventuários alegando que necessitavam manusear o processo para preparar a audiência designada para data próxima), assinalei (MS 173.075-4, t JTJ-Lex 232/276 e Boletim AASP 2226, p. 1941): "Consta do ensaio de JOÃO MENDES JÚNIOR 16 que CICERO denomina militia urbana a classe dos advogados, tabeliães ou notário, escrivães e mais auxiliares da justiça; e, quanto aos advogados, essa denominação ficou consagrada pelos imperadores LEÃO e ANTHEMIUS na L. 14 do Cód., Livr. II, Ti. VII, de advocatis diversor judic., os quais, demonstrando que os advogados não são menos úteis à sociedade do que os que combatem em defesa da pátria, deram-lhe privilégios de militares que até hoje não foram revogados.

É o advogado, afirma MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA ('A advocacia, essa esquecida', in Revista do Advogado, AASP 56/84) quem atende ao cliente, quem o acompanha no processo, quem com ele vive as delícias da vitória e sofre as agruras da derrota. É o advogado quem, impotentemente, ouve-o reclamar do valor das custas, ou da demora no julgamento. É o advogado quem se vê constrangido a tentar explicar-lhe que, à fase processual do conhecimento, seguir-se-á a da execução, com os incidentes e as delongas que tornarão saudoso o período anterior".

Com absoluta razão, o preclaro Dr. RUY CELSO REALI FRAGOSO, 17 defensor das prerrogativas legítimas dos advogados, quando afirma que a consciência desse profissional é o código que regula sua responsabilidade: "nós nunca nos comprometemos ao vencimento de causa, damos aos nossos clientes o nosso juízo, com nosso conselho, a nossa convicção. Os limites e contornos da atuação do advogado encontram-se, assim, sob a égide da honra e do ônus: advogar é viver sob tais ditames".

Dentro desse contexto, serão examinadas algumas situações em que o trabalho do advogado enseja questionamentos. Cumpre registrar que a responsabilidade civil do advogado é de natureza contratual, como enfatiza ANTÔNIO CHAVES, 18 com uma distinção interessante: os erros de fato, ainda que não graves, vinculam o advogado; enquanto os erros de direito com semelhante efeito seriam unicamente os graves, "pois evidenciam ser desidioso, relapso, descuidado, desatento, desinteressado no estudo da causa ou do direito a ser aplicado, ou mesmo ignorante da lei aplicável, ou dando-lhe interpretação absurda, fato inadmissível, porque, como qualquer profissional, o advogado deve conhecer as regras elementares de seu ofício".

A maioria maciça da advocacia é composta de bacharéis competentes, habilidosos, estudiosos e, principalmente, honestos. Esse texto não é redigido para os juristas e, muito menos, para a minoria que desgasta a classe, mas, sim, para investigar, a partir de fenômenos jurídicos isolados, aspectos legais dessa profissão cada vez mais emergente e sobre a qual a intensa publicidade dos julgados repercute na avaliação do desempenho. Cada site de jurisprudência que se inaugura na rede de computadores (Internet) compromete a credibilidade da versão que os profissionais despreparados usam como desculpa do mau desempenho (ignorância da evolução jurisprudencial), frente à inadequação da escusa diante do amplo acesso aos julgados recentes e antigos. O computador facilitou a vida do advogado e aumentou o peso de sua responsabilidade para o bom termo da diligência assumida. Afinal, é obrigação do advogado "agir com o maior zelo na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio. Cumpre-lhe utilizar todos os recursos da experiência, saber e atividade, para conseguir que ao cliente se faça inteira justiça". 19 

A ordem jurídica é manipulável através do método cognitivo. O melhor uso das leis se faz pelo conhecimento articulado. O advogado é habilitado a atuar em defesa de direitos porque obtém apuro técnico (bacharelato) para esse mister. Existe o lado "teórico" e o aspecto "prático". Os cientistas do direito são os responsáveis pela constante transformação da norma jurídica, fazendo-a acompanhar os anseios das exigências sociais, enquanto que os operadores do direito se encarregam da sua aplicação, observando a lógica dos julgados. 20 Antigamente quando saía do prelo um repertório de jurisprudência, festejava-se o acontecimento como uma obra inédita. Hoje as revistas são mensais, semanais e existem boletins diários, abastecendo o profissional de todas as novidades possíveis e imagináveis declaradas pelos tribunais. Em determinados pontos da prática forense, a intensidade dos julgados cria modelos de atuação prática e, mesmo que os enunciados que deles decorrem não mereçam súmula, a incidência reiterada lhes elevam o sentido a algo próximo de imperativo categórico. 21 O advogado manipula a jurisprudência de acordo com os interesses do seu cliente; é, portanto, um mecanismo de apuro técnico e de domínio indispensável ao profissional responsável.

Depois de admitir que a jurisprudência cria um modelo social com função de estrutura jurídica, integrando o esquema de interpretação construtiva da norma legal, MIGUEL REALE lembrou que a sua influência repercute nos domínios da pesquisa científica a cargo do advogado, encarregado de equacionar, na petição inicial, "a solução normativa correspondente ao campo de interesse que ele representa na ação". 22 
Poder-se-ia objetar que a jurisprudência não possui o poder da obrigatoriedade, o que não deixa de ser verdadeiro. Contudo, a própria norma jurídica não ostenta esse título, embora de ordem pública. Os julgados não são normas cogentes na acepção pura desse vocábulo, mas, nem mesmo por isso, deixam de cumprir a missão que deles se espera, qual seja, a de unificação da ordem jurídica. Os juízes observam a jurisprudência e, com base nela, elaboram o direito vigente; para os advogados tornou-se questão de prudência observá-la. O insuperável ALVINO LIMA 23 encerrou uma polêmica que assumiu em defesa da jurisprudência, anotando: "Perscrutar, pois, a vida; sondar os ditames da consciência coletiva; conhecer as necessidades sociais e econômicas; sentir a efluência destas normas fatais impostas pela própria organização social num dado momento, é dever do juiz para poder aplicar a norma jurídica, dando-lhe vigor, restringindo-a, ampliando-a, adaptando-a, modificando-a".

Se a jurisprudência alumia e inspira o jurista, afastando-o da incerteza para guiá-lo "à trilha certa da verdade", 24 perde crédito o advogado que ignora a evolução dos julgados. No discurso que proferiu no dia 11.08.1940, ANTÃO DE MORAES afirmou que "jurista que não lê jurisprudência é como médico que cura pelos livros sem freqüentar hospitais". 25 Manteve-se atual a advertência de EDUARDO COUTURE: "O direito está em constante transformação. Se não o acompanhas, serás cada vez menos advogado". 26 

Seguindo a técnica de ilustrar o pensamento com exemplo, aproveita-se a controvérsia da legalidade de cláusula, de seguro ou plano de saúde (L. 9.656/98 e art. 757, do CC de 2002), que limita tempo de internação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Apesar de CLÁUDIA LIMA MARQUES informar divergência jurisprudencial a esse respeito, 27 é inquestionável, no entanto, que os tribunais não aprovam essa limitação (o TJSP, por acórdãos publicados na RT 723/346 e 726/248 e em edição especial "Seleções Jurídicas ADV", da COAD, set./out. 2000, p. 29 e o STJ por intermédio de acórdãos publicados na Revista do STJ 121/289, 148/443) e na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 16, p. 79, verbete nº 1670 e RNDJ, vol. 37, p. 141. Portanto, a cláusula em referência é tida como abusiva, na forma do art. 51, IV, da L. 8.078/90, conforme anotou o Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, referindo-se a julgado do TJSP, de 1994, no excelente ensaio que reproduz palestra realizada em Buenos Aires, no IV Congresso Internacional sobre Danos. 28 

Vamos supor que os parentes do doente internado na UTI (sem recursos próprios para suportar as despesas da internação), necessitando de estímulo para agirem em juízo diante da recusa da seguradora em cobrir as despesas depois de vencido o prazo estabelecido contratualmente, procuram um advogado para as providências legais que a urgência do caso reclama. Pensem na hipótese de o advogado, por não conhecer a proteção legal outorgada pela jurisprudência, garantir aos parentes que o contrato é lei entre as partes (pacta sunt servanda) e que a regra escrita (de quinze dias) deve ser respeitada, inclusive pelo Poder Judiciário, arrematando que nenhuma providência é cabível em favor da recuperação do doente. Os parentes saem, desolados, do consultório do advogado e, por falta de recursos, autorizam a interrupção do tratamento intensivo. O doente morre e, no enterro dele, uma pessoa bem informada afirma que o morto teria direito de cobertura na UTI, por intermédio de medidas cautelar e/ou provimentos emergenciais. Os parentes, indignados, cogitam de exigir do advogado a indenização, associando a falha do assessoramento jurídico ao evento morte.

Essa é uma causa de prognóstico difícil. A questão do nexo causal é complexa e controvertida, envolvendo uma complicada prova da causa adequada ou idônea do dano. Porém, como, em termos de responsabilidade civil, a causalidade adequada também se forma devido a una omisión de la acción que el obrigado a indemnizar estaba juridicamente obligado a realizar, 29 é forçoso admitir que o dever jurídico do advogado vincula-se ao patrimônio da vítima de forma mais ostensiva e, com isso, o rigor da análise do elemento "culpa" tende a se arrefecer, para que a justiça da reparação de danos encontre um culpado, sem o que não se materializa. Os juristas conservadores certamente não admitem esse vínculo e, por certo, vão argumentar que, em se admitindo a responsabilidade do advogado em casos semelhantes, o exercício da profissão passaria a conter um risco exagerado. 30 

O assunto é árido e angustiante. O advogado se tornou refém da pesquisa jurídica e do mecanismo da teoria do risco criado, apropriada para vencer o dano. O insuperável ALVINO LIMA afirmou que é preciso avançar "sem desmantelar e desencorajar as atividades úteis e, para tal conseguir não devemos nos encastelar dentro de princípios abstratos, ou de preceitos envelhecidos para a nossa época, só por amor à lógica dos homens, à vaidade das concepções, ou à intransigência de moralistas de gabinetes". 31 O erro do advogado, nesse setor de metodologia de informação jurisprudencial, poderá ser conceituado como de direito e grave, 32 sugerindo o dever de indenizar. Sem dúvida de que o trabalho do advogado do futuro, já estressante, constitui um desafio diante da instabilidade dos julgados, de modo que a obrigação de se atualizar deixou de ser motivo de captação de clientela; virou seguro de responsabilidade civil.

2. RAZÕES DE QUESTIONAMENTO SOBRE SUAS ATIVIDADES E NENHUMA INFLUÊNCIA DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA PREVISTA NO ARTIGO 6º, VIII, DA LEI Nº 8.078/90

Os advogados, tal como os médicos e demais profissionais liberais, estão no epicentro da reação comportamental dos clientes insatisfeitos com a prestação dos serviços. As reclamações são, na maioria, frutos da ignorância dos leigos com as dificuldades da tramitação dos processos. O advogado não é o responsável pela defasagem do bem de vida objeto do litígio, e que, durante a longa trajetória até o final do processo, vê esvair a sua vantagem econômica primitiva ou arrefecer o sentimento de estimação. Essa causa não é considerada no momento de lamentar o resultado, que não foi alcançado em sua plenitude. Contudo, há, como em todas as dimensões econômicas, erros gravíssimos que comprometem a função dos serviços de advocacia, de forma a transformar o profissional, encarregado de proteger ou recuperar direitos do cliente, em agente responsável pela concretização do dano.

Em determinadas situações, 33 o cliente tem razão em reclamar. PONTES DE MIRANDA 34 admitiu a responsabilidade do advogado pelo dano que causar à parte por mau desempenho profissional, afirmando que perder prazo é dolo (omissão); requerer contra o interesse da parte é dolo (ação) e, como exemplo de ignorância, cita o deixar de agravar, porque não sabe que do despacho pode agravar.
Na monografia que se tornou clássica (O Advogado), MÁRIO GUIMARÃES E SOUZA afirmava que o advogado tem muitos deveres e poucos direitos (p. 249). Esse enunciado ganha relevo na atualidade, conforme asseverou o TAMG (Ap 327.025-7, in Informativo Semanal ADV, da COAD, nº 51/2001, p. 833), servindo de fundamento para a condenação de advogado que, atuando em defesa do credor de título extrajudicial, não impugnou um recibo de quitação falso que o devedor apresentou, o que motivou o acolhimento dos embargos à execução. Para o Tribunal mineiro, deveria o advogado avistar-se com o cliente e indagar dele a veracidade da assinatura, pois se cumprisse esse ritual simples, teria a resposta adequada para invalidar o documento. Não encontrei argumentos para contradizer o julgado.

E as ações de responsabilidade civil face aos advogados estão se multiplicando. Essa onda de questionamentos não chegou por acaso; decorre da própria mercantilização da atividade e pela péssima qualidade do ensino jurídico, que, obviamente, termina refletindo no exercício forense. Os advogados atuam como empresas prestadoras de serviço, e o cliente, sentindo o tratamento impessoal, anima-se a exigir resultados favoráveis (e não os prováveis) e, mais politizado pelo complexo de direitos sociais propagados e disponíveis, não titubeia em exigir, no Judiciário, a reparação civil quando sente ou ouve conselhos (não faltam críticas) de falha ou prestação defeituosa do serviço contratado. O Dr. CARLOS MIGUEL AIDAR, Presidente da Seccional Paulista da OAB, escreveu para o jornal Folha de São Paulo, edição de 04.07.2002, A-3, o artigo "O ensino jurídico brasileiro", cuja parte final convém transcrever: "Grande parte das instituições de ensino jurídico, hoje, não forma, não pesquisa, não tem compromissos sociais e profissionais. E, desde já, podemos detectar os prejuízos que os maus profissionais do direito causam em sua atuação, a despeito de todos os "filtros". Tornam-se advogados sem a devida qualificação, podendo impor significativos danos a seus clientes".

O resultado do Provão, critério de classificação das faculdades que se faz anualmente por avaliação dos alunos, lastimavelmente, confirma a verdade do discurso, pois "os números do Provão/99 atestam que os 229 cursos jurídicos e os 41.963 graduandos obtiveram, numa escala de 0 a 10, uma nota 4,24 como média, isto é, bem distante de um patamar desejável. Por oportuno, cabe registrar que em 1996 a média foi de 5,62, em 1997, de 4,10 e em 1998, de 3,59". 35 

O pior é quando o advogado recém-formado encara uma missão para a qual não foi corretamente preparado, qual seja, o de integrar elemento da empresa. A sociedade empresária moderna amplia seus meios de produção e inclui, entre os novos departamentos, o jurídico, contratando profissionais que são encarregados de dirigir o contencioso, com atuação em diversas áreas do direito. RUBENS REQUIÃO 36 advertiu para a necessidade de urgente revisão de currículos acadêmicos, sem o que não se atende essa demanda. Contudo, a política educacional não está preocupada com esse tipo de problema, mas, sim, com a redução da carga de ensino, 37 o que ensombra a perspectiva de melhoria.

A tendência, portanto, é a de que o despreparo comprometa a eficiência da prestação do serviço, engrossando o coro dos descontentes, com uma agravante: o empresário (no caso novo cliente), quando insatisfeito, possui vocação natural para exigir a reparação civil, exatamente em virtude da análise esquematizada das perdas e danos, o que o obriga a encontrar saídas para a recuperação do prejuízo da sociedade comercial que controla. Essa postura de questionamento empresarial vai contribuir para agitar a jurisprudência e novas figuras de erro de fato e de direito dos advogados serão contextualizadas. Não se põe dúvida de que se trata de efetivo controle ao desempenho profissional do advogado.
O advogado, profissional liberal que é, integra a classe dos operadores que se submetem a uma obrigação de meios. 38 Não é possível exigir ou esperar do advogado garantia de êxito de uma ação judicial. Sucede isso com o médico, 39 impossibilitado de garantir a sobrevida do enfermo aos seus cuidados. Contudo, no exercício de suas funções, torna-se responsável pelos atos que praticar com dolo ou culpa (art. 32, da L. 8.906/94).

Há quem sustente o cabimento da inversão do ônus da prova (expressamente previsto no art. 6º, VIII, da L. 8.078/90), porque o advogado não goza de privilégio diante de um resultado. O consumidor, sim, é que não merece ser prejudicado na investigação do possível erro profissional. 40 Considero esse assunto, nessa área, irrelevante, dada a especialidade natural do juiz que será o encarregado de decidir o litígio (art. 5º, XXXV, da CF). A inversão do ônus da prova é assunto de direito processual; 41 o juiz, sentindo a vulnerabilidade da parte e intuindo que essa sua inferioridade terminará prejudicando suas expectativas processuais (como a de conseguir a prova do fato constitutivo de seu direito, tal como disciplinado no art. 333, do CPC), altera as regras do embate probatório, transferindo para o réu a iniciativa, os encargos e a obrigação de demonstrar um fato jurídico do seu interesse e da própria causa. A inversão é um expediente de inegável vantagem para favorecer o consumidor nas ações em que se discute, por exemplo, o valor das prestações em financiamentos bancários e hipotecários (casa própria), dada a complexidade de se provar a exatidão dos cálculos de reajustamento das parcelas. Nessa situação e até em algumas hipóteses de erro médico, a inversão constitui a única alternativa para que o processo civil consiga atingir a sua função de revelar ao juiz a realidade fática (prova justa) que permitirá a expedição de sentença qualitativa.

O juiz, no entanto, por ser um técnico em assunto jurídico, para julgar uma ação em que se discute a responsabilidade civil dos advogados dispensa o serviço de auxiliares (peritos), para que possa compreender, analisar e julgar os imbróglios forenses que caracterizam esses processos. Um juiz prudente não se impressiona com o velho costume que culpa os advogados pelas injustiças do processo e, para bem formar sua convicção, deverá mentalizar a sábia advertência que CORRÊA TELLES fez ao § 7º da famosa Lei da Boa Razão (de 18.08.1769), pela qual se buscou censurar as defesas deduzidas contra as Ordenações do Reino, quando frívolas e sofísticas: "para o advogado desempenhar bem o seu dever, deve considerar-se no lugar do cliente, e possuir-se da mesma aflição que o atribula, em modo que pareça advogar a sua própria causa". 42 

O sistema da inversão do ônus da prova não é, pois, o maior aliado do juiz encarregado de julgar a ação em que se pede ressarcimento de danos por erro do advogado.

3. ABUSO DO DIREITO DE O CLIENTE DENUNCIAR ADVOGADOS E JURISPRUDÊNCIA CENSÓRIA - PERDA DE UMA CHANCE E A SISTEMÁTICA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

O novo CC (art. 187) situa o abuso de direito como ato ilícito. Suportando o advogado uma denúncia leviana, precipitada, temerária, do cliente insatisfeito e, desde que esse expediente provoque uma mudança de estado (para pior) no patrimônio do profissional, poderá ele reagir e exigir reparação desses danos. E isso tanto se verifica em ações judiciais, como em denúncias que são apresentadas aos Conselhos de Ética da OAB, porque, tanto uma como a outra situação são potencialmente aptas a prejudicar a reputação e personalidade íntima do advogado que se prejudica com esse tipo de ilicitude.
Importante analisar que o abuso de direito não se exaure nos procedimentos judiciais (lides temerárias). A doutrina refere-se ao abuso malicioso do processo como sugestão de um tipo, 43 sem exclusão do procedimento administrativo que, às vezes, poderá gerar um impacto destrutivo semelhante ou mais grave para a honra da pessoa injustamente acusada. Caberá ao juiz analisar, afirmou PONTES DE MIRANDA: 44 "a opinião do que exerce o direito ou do que se diz prejudicado nenhuma significação tem. A extensão dos direitos é apreciada pelo juiz. Cabe ação de perdas e danos, ou a ação para impedir que se causem danos".

Determinado advogado foi demandado para reparar os prejuízos da sucumbência que uma pessoa experimentou na condição de empregadora (reclamada), por considerar que o resultado decorreu da deficiência dos serviços advocatícios; provou-se, no entanto, que a reclamação foi acolhida pela confissão, exatamente pela ausência da parte (autora da ação de ressarcimento de dano promovida ao advogado) na audiência designada pela Junta Trabalhista. A infundada ação foi rejeitada no TJRS (Ap 70.002.877.728, in Informativo Semanal ADV, nº 10/2002, da COAD, p. 171).

Não se tem notícia de ter o advogado, do caso supracitado, promovido ação para exigir do cliente a reparação dos danos pela lide temerária intentada. Porém, não foi essa a conduta de um advogado da capital paulista, que, prontamente, ajuizou ação de reparação de danos em face do cliente que lhe dirigiu uma representação no Conselho de Ética da OAB, sem razão e com ofensas de ordem moral; obteve indenização igual a 70 salários mínimos (TJSP, Ap 118.710.4/0, Des. J. ROBERTO BEDRAN, J. 15.05.2001, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, vol. 19, p. 183).

Nessas hipóteses, o advogado poderá, para defesa de sua honra ou reputação, romper o dever de sigilo que o une ao cliente, como se estivesse agindo em legítima defesa. 45 O advogado une-se ao cliente por vínculo de confiança, o que era uma identidade jurídica confirmada pelos limites do mandato, de modo que, em situações normais, não poderá o advogado, mesmo depois de findo o contrato de trabalho, prestar depoimento revelando situações que possam comprometer seu cliente. 46 A exceção, na hipótese de exercer um direito legítimo diante do dolo ou má-fé do ex-cliente, rompe a barreira da fidelidade aos segredos profissionais, de sorte que, desde que as informações inéditas sejam conexas com o objeto litigioso, poderá o advogado utilizá-las para fundamento da reparação de danos, sem receio de ofensa ao art. 5º, LVI, da CF.

O advogado zeloso e prudente não sonega informações de seu cliente; recomenda-se mantê-lo atualizado sobre as fases processuais, emitindo-se seguidas comunicações. Suponha-se, por exemplo, que os autos se extraviem e o advogado não providencie a restauração e muito menos informe ao seu cliente o sucedido. Muito tempo depois, o cliente descobre e, com o direito prescrito, nenhuma utilidade terá a restauração dos autos desaparecidos. Esse cliente poderá imputar culpa ao advogado por perda da chance de ver sua pretensão examinada pelo tribunal. O exemplo é real, e o TJRS, pelo hoje Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, do STJ, condenou o advogado (apud FÁBIO SIEBNEICHLER, Responsabilidade civil do advogado, RT 697/26).

Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério de liquidação do dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando o advogado perde prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente, na verdade, perdeu a oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação integral ou completa de seus direitos (art. 5º, XXXV, da CF). Não perdeu uma causa certa; perdeu um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.

Resulta que, em se confirmando que a ação não examinada (por erro do advogado) era fadada ao insucesso, se fosse conhecida e julgada, o advogado, mesmo errando no antecedente, não responde pela conseqüência. Isso porque equivale a afirmar que a obrigação, mesmo mal desempenhada, terminou produzindo, por vias oblíquas, o único resultado que dela se esperava, ou seja, absolutamente nada. No entanto, concorrendo um mínimo de probabilidade de êxito (jurisprudência favorável ao direito do cliente, embora não uniformizada), o juiz deverá considerar essa possibilidade, dentro de critério jurídico razoável, e, com isso, fixar o quantum (art. 944, do CC). 47 

Esse princípio jurídico estrutura a lógica da responsabilidade civil do advogado, pois, se a falha do advogado não produzir o dano (perda de uma chance), é impróprio impor o dever de indenizar. A não-apresentação das contra-razões, peça importante para que o advogado defenda a sentença emitida no interesse de seu cliente, não implica a certeza, em caso de provimento do recurso não contra-arrazoado, que a inversão do resultado deu-se por falta dessa manifestação do advogado. Isso porque a contrariedade é parte do projeto de devolutividade ampla e, por isso, não vincula o julgamento que será realizado em segundo grau de jurisdição. Não contra-arrazoar um recurso poderá ser um descuido; nunca a causa do desfecho da ação. Da mesma forma, a não-apresentação de um parecer de assistente técnico, para criticar um laudo com conclusão desfavorável às pretensões do cliente, portanto, nessas duas situações e em outras relacionadas com os mistérios da cognição, a decisão será sempre expressão de convencimento do juiz diante das provas produzidas e não das conseqüências da omissão do advogado.

O único parâmetro confiável para o arbitramento da indenização, por perda de uma chance, continua sendo a prudência do juiz. 48 Não se pode exigir rigor demasiado na aferição do prognóstico da ação perdida (dano zero), porque isso representaria a frustração do direito do cliente de ser reparado com eqüidade e, tampouco, se permitirá larga expectativa favorável, porque a graduação excessiva da possibilidade da chance poderá conduzir a criação de um dano não comprovado, hipotético ou inexistente.
A hipótese de culpa do advogado que, por omissão, não ingressa com ação rescisória no prazo decadencial (art. 495, do CPC), não produz, de imediato ou de forma automática, o fato "perda de uma chance", porquanto a probabilidade de sucesso de uma ação rescisória é sempre menor, por envolver o requisito "vício" de julgamento ou "erro de fato ou de direito", pressupostos difíceis de serem reunidos para apresentação. Nessa hipótese, a simples divergência jurisprudencial 49 atua contra os interesses do autor (Súmula 343, do STF, aplicada no STJ, in RT 733/154), situação jurídica notória que, nessa área, faz decrescer o grau da probabilidade "da chance perdida" e, conseqüentemente, da verificação do dano ressarcível.

O art. 267, § 1º, do CPC, autoriza o juiz a extinguir o processo diante do abandono ou desídia do autor, desde que esse, intimado pessoalmente, não promova o regular desenvolvimento no prazo de 48 horas. O STJ acrescentou, para que isso ocorra, mais uma condição: o requerimento do réu (Súm. 240 - "A extinção do processo, por abandono da causa pelo autor, depende de requerimento do réu" - DJU de 06.09.2000, p. 215). Poderá, no entanto, ser iniciativa do advogado (incumbência processual) a providência (impulso) que não foi tomada e que está emperrando a marcha do processo, como substituir um perito que recusa a nomeação ou indicar testemunhas no lugar das que não foram localizadas para intimação. Suponhamos que o réu, nessas situações, peça a extinção, e o autor, mesmo intimado, nada promova, porque não lhe cabe a tarefa. Resultado: o processo é extinto por culpa do advogado.

Em casos assim e não sendo permitido renovar a ação extinta (prescrição, por exemplo, ou dilapidação do patrimônio do réu no período), parece evidente que o advogado poderá ser responsabilizado civilmente por perda de uma chance (não conduzir o processo de forma natural ao julgamento de mérito).
Propor ação inadequada, 50 no entanto, não foi caracterizado como causa de responsabilidade civil do advogado, declarou o Des. LUIZ DE AZEVEDO, do TJSP (Ap 113.443-1, in RJTJESP-Lex 125/177). Pelo que se infere do texto desse memorável acórdão, o advogado ingressou com ação de liquidação de sociedade, de forma absolutamente equivocada, tanto que o autor foi declarado carecedor da ação, diante da inépcia da inicial. Destacam-se, pela pertinência, os seguintes trechos do voto condutor: "Desde longa data tem as leis responsabilizado o advogado quando este, em razão de dolo, culpa ou ignorância, acaba causando prejuízo ao seu patrocinado (Código de Justiniano, 4, 35, 13; Ordenações Afonsinas, 1, 13, §§ 3º e 7º; Ordenações Manoelinas, 1, 318, §§ 29 e 35; Ordenações Filipinas, 1, 48, §§ 10 e 7º)".

"Nesse caso concreto, a ação que foi então ajuizada pelo réu, na condição de advogado dos autores da presente ação, mostrava-se inteiramente inadequada, tanto que sequer passou do juízo de admissibilidade: os autores foram julgados carecedores da ação e o processo foi julgado extinto, sem exame do mérito.
Mas, tão-só esta circunstância não proporcionaria, automaticamente, o direito a eventual ressarcimento pelos danos sofridos. Na verdade, adotar critério de tal modo draconiano, seria coartar o próprio exercício da profissão e atingir a característica mais marcante do advogado, qual seja a sua independência. 

Só para que se tenha uma idéia das conseqüências que traria uma interpretação de tal monta, basta atentar para o último índice da RT, na palavra 'processo': há, ali, pelo menos uma centena de casos onde outros autores também foram julgados carecedores da ação, por impossibilidade jurídica do pedido, por inexistência de outras condições da ação, ou por ausência de determinados pressupostos processuais. Todos os advogados que subscritaram as correspondentes petições iniciais desses processos estariam sujeitos a responder a ações de indenização propostas pelos seus clientes? Certamente que não". 51 
E, da mesma forma com que a obrigação dos médicos é analisada no direito material, não se admite a inversão do ônus da prova para penalizar, civilmente, os advogados que cometem erros durante o exercício do mandato, conforme expõe, com a clareza de sempre, o ilustre RUI STOCO: 52 "Conseqüentemente, não há falar-se em presunção de culpa do advogado nem, portanto, em inversão do ônus da prova, de modo que este somente poderá ser responsabilizado se comprovado que atuou, na defesa da causa para a qual foi contratado, com dolo ou culpa, e que de sua ação ou omissão decorreu efetivo dano para seu cliente".

O erro que não se perdoa do advogado é aquele decorrente da inobservância de prazos processuais e materiais, porque a omissão representa preclusão e prescrição (prejuízo certo para a causa e, conseqüentemente, para o cliente); não realizar o preparo de recursos ou cumprir as diligências importantes. Faculta-se opção pela disponibilidade recursal, porque não se poderá obrigar o advogado a recorrer contra sua consciência; não deve, no entanto, deixar de recorrer quando a matéria é controvertida ou contra a vontade do cliente. 53 
Em Ribeirão Preto, comarca em que tive a honra de ser juiz e vivenciar a honradez de seus advogados, ocorreu o seguinte: uma advogada, representando o credor, celebrou um acordo na execução da sentença (nas vésperas do leilão do bem penhorado), que importou em renúncia de 60% de seu crédito. O TJSP considerou que, nesse caso e porque não existia o pressuposto de urgência a sugerir precipitação ou combinações extravagantes, a mandatária agiu em desconformidade com a vontade do mandante, atuando de forma prejudicial aos direitos dele e, em conseqüência, condenou-a ao pagamento da parte excluída na transação (Ap 260.895-2, Des. RUITER OLIVA, in JTJ-Lex 172/9).

AGUIAR DIAS 54 afirmava que a "desobediência às instruções do constituinte, seja variando das que foram traçadas, seja excedendo os poderes ou utilizando os concedidos em sentido prejudicial ao cliente, é outra fonte da responsabilidade do advogado". Aproveito para transmitir o "lembrete para advogados" redigido por ERNESTO LIPPMANN: 55 "repito o que recomendei anteriormente, por ser muito importante. Antes de fechar um acordo, solicite autorização prévia e por escrito do cliente, com menção ao valor do acordo. Se ainda estiver negociando, a autorização assinada pelo cliente deve mencionar o valor mínimo a ser aceito. Essa cautela deve ser redobrada nos maus acordos feitos por insistência de clientes que têm pressa em receber dinheiro (em geral, por estarem em péssima situação financeira). Já houve casos em que pedi ao cliente que escrevesse: Eu, fulano de tal, autorizo meu advogado a fazer acordo na ação que movo contra sicrano, pelo valor de R$ (número e por extenso) mesmo tendo sido desaconselhado por meu advogado".

O advogado, no juízo civil, deve redobrar a atenção no ato de interpor recurso de agravo de instrumento (art. 522, do CPC), porque, pelo novo modelo ou petição direta no tribunal, passou a ser sua a função de preparar o instrumental adequado que permite o reexame da decisão interlocutória (art. 5º, LV, da CF). 56 Segundo o Min. SYDNEY SANCHES, do STF, é pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que a parte tem o dever de vigilância na formação do instrumento de agravo (AG-AI 215.866-2/RJ, DJU 10.08.2001, in Informativo ADV, da COAD, nº 45/2001, p. 718, verbete nº 99314). Do mesmo teor (AI 265.905/PR, Min. CELSO DE MELLO, in RTJ 176/1401): "Incumbe à parte agravante, o dever processual de providenciar, entre outras peças reputadas indispensáveis à adequada formação do traslado, a cópia da procuração outorgada ao advogado da parte agravada. Na hipótese de inexistência dessa procuração, cumpre ao agravante comprovar, mediante certidão fornecida pela Secretaria do Tribunal a quo, que tal peça não consta dos autos principais, sob pena de, em não o fazendo, expor-se ao não-conhecimento do agravo por ele interposto (CPC, art. 544, § 1º). Precedentes".

Convém registrar que o agravo, por ser recurso com sistemática excepcional e de julgamento célere, não admite conversão em diligência ou prazo complementar para que o advogado emende os erros, conforme admitiu, por maioria, o c. STJ (AgRg 253.684/RJ, DJU 27.08.2001, in RSTJ 148/17): "Uma vez se encontrando o recurso de agravo de instrumento (art. 544, § 1º, do CPC) na superior instância, não produz efeito a juntada de peças faltantes no traslado, hipótese equivalente à complementação de peças.
É que às partes compete o dever de vigilância na formação do instrumento, sendo de sua exclusiva responsabilidade a composição daqueles autos. O eventual impedimento de acesso aos autos não interfere, principalmente diante da L. 8.906 - art. 7º, XV, que corrobora a letra do art. 40, I, do CPC". 57 

A lista dos documentos xerocopiados (as peças obrigatórias do art. 525, I, do CPC e as essenciais, como cópia da petição inicial, por exemplo) deverá passar por meticulosa revisão, porque a falha nesse quesito é fatal, acarretando, por deficiência na formação do recurso, o seu não-conhecimento. E não é somente na indicação das peças a serem trasladadas que se requer cautela. O advogado precisa atuar com rigor no exame da legibilidade das xerocópias (não é preciso autenticá-las), porque, em ocorrendo má impressão da cópia, prejudica-se, por impedimento da leitura da data do carimbo da protocolização, a aferição do fator "tempestividade" do agravo, encaminhando-o ao não-conhecimento.

Nesse sentido, a posição do STF (AgRg-AI 278.291-2/SP, Min. CELSO DE MELLO, DJU 09.02.2001, in RT 789/169): "Não se presume a tempestividade dos recursos em geral, pois incumbe a quem recorre, o ônus processual de produzir, com bases em dados oficiais inequívocos, elementos que demonstrem que a petição recursal foi efetivamente protocolada em tempo oportuno. O conteúdo absolutamente ilegível dos elementos de ordem temporal constantes da autenticação mecânica lançada na petição recursal, especialmente daquele que concerne à data de interposição do recurso extraordinário, impede a aferição da tempestividade do apelo extremo, equivalendo, por isso mesmo, para os fins a que alude a Súm. 288/STF, à própria ausência no traslado, de dado objetivo relevante, imprescindível ao controle jurisdicional desse específico pressuposto recursal".

Nesse contexto, não poderá ser esquecido o art. 526, do CPC, obrigando a parte que interpôs agravo a juntar, no processo, cópia do recurso, para que o Juízo a quo tenha conhecimento da situação processual. Essa providência é um ônus e sua inobservância poderá "acarretar o não-conhecimento do agravo". 58 Seria, pois, um erro de diligência não comunicar a interposição, pois se o agravado provar a omissão, o agravo prejudica-se pelo não-conhecimento (parágrafo único, do art. 526, do CPC).
Ora, perdendo o cliente a expectativa de ter um agravo conhecido (de tutela antecipada, por exemplo, prevista no art. 273, do CPC), por erro do advogado (que não providenciou as xerocópias corretas), abre-se caminho para o pedido de indenização por perda de uma chance. Isso porque obter a tutela antecipada representa, na prática, conseguir "o mesmo conteúdo do dispositivo da sentença que concede a definitiva e a sua concessão, equivale, mutatis mutandis, à procedência da demanda inicial - com a diferença fundamental representada pela provisoriedade". 59 

É bem verdade que não há, com o rigor da acepção do vocábulo, preclusão consumativa do "indeferimento" da tutela antecipatória, porque, ocorrem outras situações de perigo que não aquela já examinada e indeferida, sem reexame por erro do advogado. Portanto, em não ocorrendo algo novo que justifique pedido de tutela antecipada, com fundamentação diferente, fechou-se a porta da imediata execução, o que acarreta, sem dúvida alguma, perda de uma chance de desfrute imediato do bem de vida. O episódio poderá sugestionar questionamentos sobre a atuação do advogado. 60 

Importante registrar que a tutela antecipada também poderá ser pleiteada diante do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, II, do CPC), de modo que, nessa situação, o advogado deverá pleitear a antecipação na primeira oportunidade; retardando a postulação, ocorre a preclusão. 61 Não se está pretendendo afirmar que o advogado, diante do modelo processual instaurado para abreviar resultados óbvios, age com culpa quando não obtém a tutela antecipada, até porque a antecipação é uma sentença e, como tal, não escapa do campo da imprevisibilidade. É forçoso convir que a omissão em postular uma tutela antecipada constitui, sob o ponto de vista da moderna concepção de efetividade do processo civil, um erro de diligência que poderá ser inexplicável diante do princípio "perda de uma chance" como pressuposto do dever de indenizar.
Sujeita-se a esse tipo de especulação o advogado que interpõe recurso inadequado (cujo erro, inescusável, sequer permite o aproveitamento diante do princípio da fungibilidade). 62 Um exemplo: o art. 17 da L. 1.060/50 prevê recurso de apelação para reexame de decisões sobre assistência judiciária, quando processadas em apenso. No caso de o advogado ingressar com agravo (art. 522, do CPC), em vez de apelação, corre o risco de cometer erro grosseiro (porque o tipo de recurso está previsto na legislação e, como é princípio comezinho, não se pode ignorar a lei alegando-se desconhecimento). Ora, o não-conhecimento poderá prejudicar a chance de a parte obter a gratuidade judiciária, sugerindo-se a responsabilidade do advogado.

Nessa área específica, convém alertar para a preclusão que o pedido de "reconsideração" do despacho agravado acarreta. Essa manifestação do advogado (pedido de reconsideração), diante de uma decisão interlocutória desfavorável aos interesses processuais do cliente, por não possuir forma ou figura legal (não está prevista no CPC), é considerado ato inexistente e, como ato inexistente que é, não suspende ou interrompe o prazo para interposição de AI (art. 522, do CPC). A doutrina é incisiva a esse respeito 63 e a jurisprudência não perdoa (TJSP, AI 216.577-5, in JTJ-Lex 243/269). Convém que o advogado não formule reconsideração para não incidir em preclusão, optando, em caso conveniente, por dirigir-se ao juiz sem prejuízo do agravo de instrumento cujo prazo não se interrompe ou suspende, para que o cliente, depois, não o culpe pelo insucesso da demanda, como que supervalorizando o não-conhecimento de agravo.

Não seria possível omitir a questão do protocolo integrado. Nos tribunais estaduais o sistema de protocolo racionaliza o serviço do advogado, facilitando o "dia a dia do advogado, evitando a locomoção desnecessária até determinado juízo ou tribunal simplesmente para cumprir seus prazos". 64 O protocolo é uno, de modo que o advogado do interior não precisa se dirigir à capital para entregar peças do processo de que lá participa e vice-versa. Contudo e apesar da nova redação do art. 547, parágrafo único, do CPC, legalizando esse mecanismo, há uma Súm. do STJ (256) do seguinte teor: "O sistema de protocolo integrado não se aplica aos recursos dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça".

Perder prazo do recurso (não aqueles que são processados no Tribunal a quo) por não o protocolizar em Brasília (encaminhar pelo protocolo integrado contra os dizeres de uma súmula) pode caracterizar erro inescusável e, conseqüentemente, permitir questionamento de indenizabilidade por perda de uma chance ou da chance de exame do recurso de embargos no STJ. No AgRg-AI 408.094/RJ, DJU 02.09.2002, p. 264, o Min. PAULO GALOTTI, do STJ, anotou o seguinte (in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, n. 35, p. 127): "A tempestividade de recurso interposto neste Tribunal é aferida pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data da postagem em agência dos Correios".
Outra situação embaraçosa e inexplicável para o advogado é o não-conhecimento de recurso por falta de preparo financeiro (art. 511, do CPC). Salvo a hipótese em que o cliente não fornece o numerário indispensável para o recolhimento da guia (porque, nesse caso, não é jurídico obrigar o advogado a custear as despesas do processo e preparar, com seu dinheiro, recursos do interesse das partes), a omissão, no cumprimento do dever processual, configura culpa. Isso abre ensejo para que o cliente especule acerca da indenização por perda da chance (provável julgamento favorável, se o tribunal conhecesse o recurso que não teve seguimento, por deserção). Convém que o advogado documente todos os incidentes (contatos, avisos) mantidos com o cliente, na fase recursal, para acautelar-se dos riscos de má-fé do que é desinteressado com a sorte de seu processo.

Imaginem, por exemplo, o caso de uma pessoa contratar um advogado para ingressar com ação de despejo, diante da mora financeira do locatário. Apesar do adiantamento de valores que o locador fez ao advogado, o ajuizamento não acontece e, posteriormente, descobre-se que o referido profissional está com a licença suspensa pela OAB (falta de recolhimento das contribuições). Nesse caso, incide o art. 667, do CC (prejuízo pela omissão no exercício do mandato), e a reparação deverá abranger a restituição das quantias adiantadas e mais os honorários do advogado encarregado da propositura da ação. Em se constatando a inadimplência do inquilino, o advogado omisso poderá ser obrigado a recompor esse déficit do proprietário (probabilidade de fruição de aluguel no período pós-despejo).

O 1º TACSP referendou sentença que condenou advogado a reparar os danos suportados por empregado, pela prescrição de seus direitos trabalhistas, pela demora no ajuizamento da reclamação (Ap 972.773.3, J 18.12.2000, Juiz ANTONIO MARSON, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, v. 17/209). Em outra situação, quando a prescrição deveria ser argüida pelo empregador (e não o foi), a empresa ganhou do advogado contratado e do substabelecido (que recebeu o substabelecimento sem autorização do mandante) os valores que foram pagos, apesar da prescrição (REsp 259.832/SP, Min. ARI PARGENDLER, DJU 15.10.2001, in RSTJ 153/261): "O advogado que, sem autorização, substabelece os poderes que lhe foram conferidos, responde, perante o outorgante, pela atuação do procurador substabelecido".

Alterações ocorreram nesse quadro com o novo CC. De acordo com o § 2º, do art. 667, o procurador substabelecente somente será responsável pelos atos do substabelecido (quando autorizado o substabelecimento), "se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dada a ele". Existindo proibição de substabelecimento, nada muda na relação entre os advogados, mas, sim, para o mandante (que não se obriga pelos atos do advogado substabelecido - § 3º, do art. 667). Contudo, sendo omisso o mandato quanto ao substabelecimento, o substabelecente será responsável junto com o substabelecido, quando este proceder de forma culposa (§ 4º, do art. 667, do CC). A nova redação não muda a responsabilidade dos dois advogados citados no caso analisado pelo STJ e que, curiosamente, envolve advogados de Ribeirão Preto, porquanto, o erro do substabelecido (inescusável, diga-se, apesar de sua notória especialização, com livros publicados sobre Direito do Trabalho) contamina a conduta do substabelecente (culpa in eligendo).

O notável Juiz LAUDO DE CAMARGO emitiu sentença pela qual fixou o entendimento de que o advogado substabelecido é, com ou sem reservas, mandatário e, por isso, obrigou o mandante a pagar os honorários ao advogado substabelecido, embora o representado alegasse, na defesa, quitação dos honorários feita ao advogado substabelecente. 65 

4. DANO MORAL

O advogado responderá por danos morais que cliente afirma ter suportado pelo não-cumprimento de deveres de diligência? A indenização por dano moral, como se sabe, é uma realidade (arts. 5º, V e X, da CF e 186 do novo CC) digna de intensa reflexão no âmbito da prestação de serviços em advocacia.
Antes de responder a essa indagação, é preciso escrever que a inexecução de uma obrigação ou falha contratual poderá resultar em prejuízos materiais e morais. O que particulariza o prejuízo não é a relação de direito subjetivo que se rompeu, mas, sim, o efeito da lesão. O próprio STJ, pela Súm. 37, admite a cumulação dos danos materiais e os morais, oriundos do mesmo fato. 66 

A responsabilidade civil constitui um microssistema jurídico que pretende ganhar autonomia para se impor como ícone de uma política de controle de condutas e, na medida em que a sociedade reclama maior segurança e proteção diante dos perigos da vida agitada e atribulada do mundo globalizado, esse microssistema adapta-se, aperfeiçoa-se e engrandece-se, criando modelos e figuras para eliminar a impunidade civil. Foi esse movimento que fez surgir a teoria do risco (e, agora, da responsabilidade objetiva) em substituição ao velho e tradicional pressuposto da culpa (teoria subjetiva) como fundamento do dever de indenizar.

Dentro desse contexto receptivo da política de dano zero, quer patrimonial ou simplesmente moral, a indenização por dano moral floresceu e desenvolveu-se com uma vitalidade assustadora. As indenizações pecuniárias prometem resgate da auto-estima do lesado, pela pressuposição de que a concretude das expectativas de consumo previstas pelo poder monetário minimizam os efeitos nocivos da lesão de personalidade que a ilicitude alheia provocou. Os repertórios de jurisprudência indicam a incidência do dano moral em todas as variantes do cotidiano das pessoas, como já consignei: 67 "O progresso é ótimo para a ciência e muito bom para o direito, e a força do tempo modificou, para melhor, muitos princípios processuais, como a eficácia da sentença, que deixou de ser propriedade particular dos litigantes, para se transformar em um tipo de coisa pública ou farol luminoso que sai dos gabinetes dos juízes, vagueando em busca de consciências vazias, com o propósito de preenchê-las com lições de cidadania".
A execução de contrato de advogado não é uma exceção.

Consta da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Porto Alegre, nº 12, jul./ago. 2001, p. 122, verbete nº 1269) ementa de Acórdão do TJDF (Ap 1999.01.1.033288-6) do seguinte teor: "Responsabilidade civil. Ausência do patrono em audiência. Não tendo o advogado comparecido à audiência, causando desamparo e insegurança ao cliente, configurado, restaram os danos morais a serem ressarcidos".

Faltar a uma audiência configura um erro de conduta praticamente indesculpável. É certo que o art. 183, § 1º, do CPC, permite que se justifique a falta a uma audiência na qual a parte deveria contestar a ação, o que encaminhou o TJSP, com indiscutível prudência, a relevar a ausência de uma advogada que, por invencível congestionamento de trânsito na região central da capital paulista, em dia de inundação, não chegou ao fórum no horário agendado (AI 114.481-4, Des. CEZAR PELUSO, in JTJ-Lex 229/220).

Abstraindo do fato as conseqüências do processo civil (que o advogado faltoso poderá reverter, praticando, depois, o ato judicial que não realizou), o seu não-comparecimento poderá potencializar um efeito no fator confiança, nutriente personalíssimo do vínculo contratual. Nessa situação e não existindo um motivo que explique a falha ao sentido de assiduidade, poderá o cliente sentir-se traído e órfão da assistência que buscava obter com a presença física do advogado, sem dúvida, fonte de uma perturbação.
É preciso avançar com rigor na aferição do dano moral. O simples desconforto, incômodo, desassossego, que a ausência do advogado provoca, implica, na maioria das vezes, amargor que se absorve pela má escolha do profissional (culpa exclusiva da vítima). Paga-se um preço por selecionar advogado pelo valor dos honorários. Portanto, é preciso que o juiz, quando examina a falta do advogado, estude as razões da definição do advogado, sem o que não se apura a previsibilidade da ocorrência. Trata-se de pressuposto valoroso nesse segmento (art. 945, do CC).


Em se tratando de uma contratação cautelosa, definida pelos critérios razoáveis do mercado, a ausência do advogado poderá materializar um quadro fático diferente, com cenário sem espaço reservado para ser preenchido pela culpa do cliente. Nessa hipótese, continua o juiz subordinado a um segundo raciocínio, qual seja, a conferência da efetiva situação de constrangimento social, em virtude das aptidões pessoais da vítima.


Quando o advogado deixa na mão, pela falta, um cliente do tipo empresário bem articulado e que, mesmo indefeso, consegue, de alguma maneira, manter-se com frieza na audiência, procedendo de forma a não comprometer a estratégia da defesa no ato a que comparece sozinho (uma tentativa de conciliação, por exemplo, quando o empresário recusa, categoricamente, a possibilidade de acordo), não se caracteriza a situação de dano ressarcível. Isso porque o processo e a parte sobrevivem ao fim do ato, sem traumas, apesar da ausência do advogado. Evidente que, nessa hipótese, não se poderá cogitar de lesão de um direito íntimo (sentimento de humilhação, desamparo, vergonha, etc.), por absoluta falta de confirmação do dano indenizável.


Diferente será, contudo, no caso de o advogado desamparar, com sua ausência, uma mulher na audiência final de uma ação de separação judicial litigiosa. O Juiz, como se sabe, deverá iniciar a audiência, se não se provar o impedimento do advogado em comparecer até a abertura (§ 1º do art. 453, do CPC). Em se verificando que a parte sofreu um desgaste emocional profundo, por presenciar testemunhas falseando a verdade de fatos da vida conjugal (que não poderia contraditar por falta de advogado), essa etapa do processo poderá se transformar em um episódio insuportável, capaz de gerar um colapso nervoso (incontinência urinária, crise de choro, desmaio, etc.), um golpe para atributo de personalidade da pessoa (honra, reputação, saúde psíquica). É possível estabelecer a causa do dano à desassistência jurídica imotivada, justificando a indenização para ressarcir a dor da vergonha e da humilhação desnecessárias. 68 
Portanto, a indenização por danos morais, fundada na ausência do advogado à audiência, embora possível, não é, assim, uma conseqüência automática ou de ordem objetiva; para que se produza uma sentença justa desse teor, ou adequada à obrigação do contrato, o juiz deverá filtrar aspectos subjetivos (perfil da vítima diante do processo e seu comportamento pré-contratual), para, a partir desse quadro, avaliar a lesão diante da natureza do processo e da importância da audiência. 


Outra variante do serviço profissional do advogado, diretamente relacionada com o dano moral, poderá ser extraída da experiência do processamento das ações que buscam estabelecer a verdade biológica das pessoas (investigação de paternidade prevista no art. 1.606, do CC). A prova da filiação, como é indiscutivelmente reconhecido, foi facilitada pelo exame DNA, a sigla que designa o ácido desoxirribonucléico, portador de nucleotídeos ou substâncias que provam a transferência hereditária pelos cromossomos, responsáveis pelo mapeamento genético da pessoa, os quais provam o vínculo da filiação. 69 


Passou a ser obrigatório o exame pericial nessas ações, tanto que, em julgamento da 3ª CDPriv., por mim relatado, foi anulada sentença emitida em ação de investigação de paternidade, sem perícia, para que se produzisse a prova, por constituir a omissão ofensa ao art. 5º, LV, da CF, que obriga formar o processo justo (Ap 189.691.4/7, in Revista Brasileira de Direito de Família, Síntese & Ibdfam, v. 10, p. 130, verbete nº 1094). O novo CC inovou na regulamentação da prova e, pelo art. 231, estimula uma presunção de confissão da paternidade diante da recusa do investigando em comparecer ao exame.
Ora, se a prova pericial (DNA) identifica a paternidade, não mais se justifica utilizar com veemência da exceptio plurium concubentium (má conduta notória da mãe do investigante - ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA). 70 É de se aguardar, com prudência, o resultado da perícia, que, pela sua força probatória, no caso de exclusão da paternidade, atesta, oficialmente, a multiplicidade de parceiros ou vida desregrada da mulher, na época da concepção que fundamentou o pedido. Se não fosse assim, como se justificaria o ataque à honra de uma mulher honesta, a pretexto de defender o cliente (inegavelmente pai da criança), diante do resultado positivo do DNA?


O resultado do DNA, nesse caso, chega com função dúplice: confirma a filiação que foi indevidamente rejeitada e, por outro lado, desestrutura a lógica da imputação de conduta desonrosa da mulher. Poderá resultar, daí, responsabilidade civil do advogado?


Quanto ao direito de o autor da ação investigar a paternidade, sendo ele vítima da rejeição paterna, o ilustre professor gaúcho, ROLF MADALENO, 71 afirma que o pai deverá ser condenado a compor danos morais: "É altamente reprovável e moralmente danosa a recusa voluntária ao reconhecimento da filiação extramatrimonial e certamente, a intensidade desse agravo cresce na medida em que o pai posterga o registro de filho que sabidamente é seu, criando em juízo e fora dele, todos os obstáculos possíveis ao protelamento do registro de paternidade, que ao final, termina por ser judicialmente declarada". 72 
O acerto dessa doutrina é indiscutível. A rejeição é, por si só, causa de dano psíquico ao rejeitado. Contudo, embora se deva assimilá-la por constituir coisa do destino (ter a filiação que nos foi outorgada), quando a rejeição é imposta por um sentimento ruim, com um egoísmo que extrapola a razoabilidade, o propósito de se recusar a paternidade, sem a prudência da sensibilidade que se admite até mesmo em casos em que se deve ou pode negar a filiação não desejada, passa a ser ilícito, porque produz o dano íntimo capaz de informar crise de identidade e de personalidade. A indenização teria o dom de resgatar a auto-estima do lesado.


E os direitos da mãe do investigando, diante do libelo redigido com animus diffamandi? 73 CUNHA GONÇALVES 74 escreveu, ao versar o tema responsabilidade civil do advogado, que "difamação será, porém, a alegação de fatos ofensivos do bom nome ou reputação da parte adversa, que sejam estranhos à causa e inteiramente desnecessários (grifei) para a boa decisão dela, e, por tal fato, será devida indenização, nos termos do CC". Com o exame de DNA confirmando a paternidade, sem que se faça prova da má conduta argüida, não ocorreu ofensa à honra e reputação da mulher? Não se hesita em declarar que, na forma dos arts. 186 e 953, do CC, é possível responsabilizar o cliente e o próprio advogado pela defesa ofensiva à reputação e dignidade da mulher. 75 A responsabilidade do cliente decorre da imprudência em denunciar, publicamente, fatos desonrosos à mãe de seu filho, enquanto o advogado responderá por culpa profissional, por deduzir defesa incompatível com a natureza da cognição, uma vez que, como operador do direito, está com a consciência repleta de conhecimento da desnecessidade de defesa ofensiva à honra da mulher, dada a auto-suficiência da prova pericial. Poderá o advogado negar o coito conceptivo e suscitar dúvida da identidade do fertilizador, porque essa defesa é tecnicamente possível e consentânea com a fundamentação do pedido da prova pericial. Não é preciso, contudo, denominar a mãe do investigando de prostituta, mulher de vida promíscua e coisas do gênero, sem ter munição para confirmar, na fase probatória, a vulgaridade feminina. O erro, aqui, por ser imperdoável, passa a ser de ordem voluntária, o que atrai a responsabilidade direta do advogado. É mister atuar com atenção para as conseqüências do DNA.


Poder-se-ia argumentar que o que se passa em ação de investigação de paternidade, por ter trâmite velado ou em segredo de justiça (art. 155, II, do CPC), não produz efeito social, o que excluiria a idéia de ilicitude. Essa é uma verdade processual relativa, porque, na prática, os fatos comprometedores da intimidade dos personagens dos processos, mesmo sob guarda do sigilo, ultrapassam, de forma inexplicável, os umbrais dos cartórios e espalham-se pela comunidade, para desespero dos interessados. 76 Mas, ainda que fosse o processo engavetado com a vigilância de um diligente escrevente, a honra subjetiva (conceito de si próprio ou auto-estima) 77 termina ultrajada, sugerindo a indenização que promete curar o sofrimento de um processo carregado de inverdades. Recorde-se que o dinheiro que se manda pagar não cura a dor, embora apresente "função meramente satisfatória, procurando, tão-somente, suavizar certos males, não por sua natureza, mas pelas vantagens que o dinheiro poderá proporcionar, compensando até certo ponto o dano que foi injustamente causado". 78 


É importante observar que também não exclui a responsabilidade do advogado que introduz um libelo ofensivo à honra da mulher, a alegação de que agiu no exercício regular de um direito, qual seja, o de defesa do réu (art. 188, I, do Código Civil de 2002). Não importa as informações ou instruções transmitidas pelo cliente sobre a conduta da mãe do investigando, que, repita-se, não é parte no processo. EDUARDO ESPÍNOLA já afirmava que o "advogado não obedece à orientação do cliente, mas empreende um serviço autônomo, exerce sua profissão de acordo com os seus conhecimentos técnicos". 79 Ora, se é desnecessário desafiar a reputação da mulher (principalmente a honesta), pela auto-suficiência do exame DNA, cumpre ao advogado abandonar essa estratégia de defesa, mesmo que a gosto do cliente, porque potencialmente comprometedora no aspecto profissional e, eventualmente, suscetível de gerar o dever de reparar o dano moral.


Como o direito de família está intimamente relacionado com o fator dignidade humana (art. 1º, III, da CF), o processo que o serve procura meios para reconstruir planos de vida. Portanto, na medida em que o uso do processo de ações de família ganha em dignidade, maior importância alcança no seu papel de representante da cultura da sociedade. Sem dúvida que esse caminho, aberto para ser trilhado, elimina de seu campo de atuação a agressão inútil que em nada contribui para que os personagens, que quase criaram uma família, se aproximem para uma convivência saudável. Golpes de papel serão severamente censurados por intermédio da responsabilidade civil.


5. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS


O preceito do art. 14, § 4º, da L. 8.078/90 (responsabilidade subjetiva do profissional liberal), aplica-se ao advogado que trabalha individualmente. Quando o serviço jurídico é prestado por sociedades de advogados, a responsabilidade deixa de ser subjetiva (dependente de culpa) e regula-se pela objetiva, ou seja, independente da prova da culpa. 80 Evidente que não se outorga procuração a uma sociedade de advogados; contudo, mesmo se emitindo mandato para determinados sócios, a sociedade de advogados responderá de forma objetiva e, depois, poderá exercer o direito de regresso em face do profissional culpado. No caso de o dano ser provocado por advogado empregado de uma empresa, a sociedade empregadora responderá e, da mesma forma, poderá exercer o direito de regresso ao culpado. 81 
Os advogados unem-se para trabalho conjunto (sociedade de advogados) por vários motivos. O hoje Juiz, AMÉRICO IZIDORO ANGÉLICO, 82 anotou pelo menos três razões: agrupar para intercâmbio de idéias jurídicas; economizar custos da instalação do escritório e impulso empresarial, uma necessidade no mundo competitivo contemporâneo. ORLANDO GOMES 83 considera as sociedades de advogados como sociedades civis que, por isso, se subordinam ao regime jurídico das sociedades mercantis. A solidariedade, subsidiária e ilimitada, como prevista na L. 8.906/94, não ofende ao sentido do novo CC (art. 1.016, que inscreve a responsabilidade solidária dos administradores da sociedade simples perante terceiros).


Em seu mais recente trabalho doutrinário, o Prof. LUIZ ANTÔNIO SOARES HENTZ, 84 da Unesp-Franca, reafirma que o novo CC não inclui a sociedade de advogados (ou outros profissionais liberais) entre as pessoas jurídicas de direito privado, exatamente porque não assume tal entidade responsabilidade obrigacional distinta da pessoa de seus membros (que é condição sine qua non da pessoa jurídica regular), de modo que "não há, na sociedade de advogados, separação patrimonial para efeitos de proteção patrimonial dos sócios contra execuções por dívidas da sociedade".


O art. 17, da L. 8.906/94, estabelece que o sócio de uma sociedade de advogados responde, "subsidiária e ilimitadamente", pelos danos causados aos clientes. Protestos existem em torno desse preceito, o que é inadequado, pois "a regra, no direito societário brasileiro, é da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Apenas na sociedade em comum o sócio que atuar como representante legal responde diretamente". 85 Nada obsta que, entre os advogados sócios se estabeleça, paralelamente, um segundo liame de responsabilidade solidária (interna), o que legaliza limitação "de responsabilidade de algum dos sócios perante os demais nas suas relações internas". 86 Essa opção de um segundo vértice contratual entre os advogados associados está prevista e autorizada no art. 2º, X, do Provimento nº 92, da OAB.


A sociedade de advogados constitui-se sob o estímulo da affectio societatis, como as demais sociedades. Contudo, é fundada com o objetivo de intercambiar a cooperação profissional, uma aliança que recrudesce a reciprocidade na prestação de serviços. Essa fusão de propósitos encaminhou o Dr. RUY DE AZEVEDO SODRÉ a garantir que quando a sociedade atua com o uso da razão social, "não são os sócios individualmente que praticam o ato incriminado, e, sim a totalidade deles, integrante da sociedade". 87 Daí o acerto do reconhecimento da solidariedade que a L. 8.906/94, art. 17, estabeleceu e que se confirma no novo CC (art. 265).


6. EXECUÇÃO IMPOSSÍVEL


O direito das obrigações estrutura-se na dicotomia "prestação" (manifestação de vontade) e "responsabilidade", essa última autorizando a intervenção judicial para, por intermédio da execução forçada, expropriar bens do devedor visando satisfazer, com a venda deles em leilão, o direito do credor. Esse é o sentido da obrigação perfeita do devedor e que corresponde à "pretensão e ação do credor". 88 A execução é dirigida ao patrimônio do devedor, quando a inadimplência dá o seu sinal marcante (art. 580, do CPC), tanto em se tratando de créditos materializados em títulos extrajudiciais, quanto para os judiciais. Transcreve-se, para ilustrar, trecho da obra de TRABUCCHI: 89 En todo caso, tanto en el cumplimiento en forma específica como en el resarcimiento de daño, existe un princípio general en cuya virtude el debedor responde del cumplimiento de sus obrigaciones con todos sus bienes presentes y futuros. Ello porque, como se dice, el 'patrimonio' representa, en cierto modo, la proyección de la responsabilidad del deudor, y porque el valor de las obrigaciones puede merdirse en relación a la situación patrimonial del obligado; o sea, el numero y calidad de sus bienes. Por tanto, el buen nombre y crédito del deudor no vendrá dado únicamente por sua conducta correcta en el cumplimiento de sus obrigaciones ('correttezza'), sino también en atención al valor económico de sua propiedade.


Um dos maiores desafios da efetividade da justiça (art. 5º, XXXV, da CF) reside justamente na vulnerabilidade da execução forçada, tanto que o próximo passo do movimento reformista do estatuto processual reserva novidades para que o resultado satisfatório possa ser obtido. Todavia, não se poderá ignorar que o maior entrave para a pronta eficácia da execução decorre "da dificuldade de localização dos bens do devedor". 90 Quando não se localizam bens para que se realize a penhora (art. 659, do CPC), ou são os existentes insuficientes para a sua finalidade, torna-se impossível conseguir a execução, "denunciando situação de absoluta impotência da organização jurídica da sociedade". 91 
ALBERTO DOS REIS anotou que aquele que contrai uma obrigação assume a responsabilidade civil de satisfazer a dívida, sujeitando-se à responsabilidade executiva; porém, "se não tiver bens alguns, ou se todos os seus forem impenhoráveis, ou se os seus bens penhoráveis forem insuficientes para assegurar o pagamento ao credor, a responsabilidade executiva não funciona". 92 (grifei)


Não há, evidentemente, responsabilidade do advogado do credor, diante da execução impossível ou que não funciona. A conseqüência do insucesso executório é, na maioria das vezes, resposta da falta de critério do credor quando da constituição do vínculo obrigacional (falta de diligência em apurar a potencialidade econômica do devedor) ou até de imposição legal, como a L. 8.009/90 (que tratou da impenhorabilidade do bem de família). Porém, em uma situação especial, poderá o advogado sentir o peso da imputação de culpa pela execução impossível, qual seja, quando, na execução de uma sentença condenatória, evidenciar-se que o devedor alienou, no curso da lide, todo o seu patrimônio para terceiros (provavelmente de boa-fé), esvaziando, sem censura, a garantia da execução, porque não se tomou uma providência legal.


Deriva isso de uma política jurisprudencial vitoriosa, aberta para priorizar o direito do terceiro comprador (desde que de boa-fé) diante do credor que não consegue penhorar bens do devedor, depois de percorrida uma longa e exaustiva trajetória para criar o título que lhe garantiu a execução de seu direito. Essa posição firme do STJ, no trato da matéria de fraude de execução (art. 593, II, do CPC), surgiu da interpretação do art. 659, §§ 4º e 5º, do CPC, que disciplina a inscrição, no registro imobiliário, tanto de penhoras (art. 167, I, e 5º, da L. 6.015/73) e das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas a imóveis (art. 167, I, 21, da L. 6.015/73).


Não resta dúvida de que a inscrição da penhora passou a ser fundamental como mecanismo de controle de fraude de execução. O credor que a registra garante a sua eficácia contra terceiros, porque o registro confere publicidade geral, excluindo-se a possibilidade de o terceiro que adquire o imóvel penhorado alegar boa-fé. Embora o renomado CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO 93 observe que o registro devesse ser complemento da penhora (recaindo ao exeqüente o dever de satisfazer os custos do registro) para que a norma cumpra a sua finalidade, o fato é que, na prática, isso não se verifica. É comum esquecer-se do registro depois da penhora. 94 


Conclusão: na disputa pelo bem penhorado, a tendência é admitir a eficácia da compra e venda de imóvel cuja matrícula não acusava penhora, salvo em se confirmando que o comprador possuía conhecimento da penhora não registrada (prova difícil de ser produzida): "sem o registro da penhora não se caracteriza a fraude à execução, salvo prova de que o adquirente tinha conhecimento da ação" (REsp 245.064/MG, Min. ARI PARGENDLER, DJU 04.09.2000, in Informativo ADV, da COAD, nº 04/2001, p. 62, verbete nº 95696). 95 


Efetivar o registro da penhora passou a ser diligência obrigatória, porque de sua efetividade depende o êxito ou satisfação completa da execução (presunção absoluta de conhecimento de terceiros, impedindo a sustentação de alienações em fraude de execução). Pergunto: se o advogado não providencia o registro da penhora de imóvel que é, depois, alienado pelo devedor e, por conta disso, se reconhece a predominância da boa-fé do terceiro adquirente, é possível responsabilizar o advogado por ter o cliente perdido a chance de levar o imóvel do devedor à arrematação?


Parece evidente a afirmativa. O sistema processual foi remodelado para proteger o instituto da penhora e, por isso, facilitou-se o registro do ato para que terceiros não disputem o domínio do bem do devedor que será alienado em juízo para pagar os credores. É erro de conduta, de técnica, não providenciar o registro da penhora. Portanto, falhando o advogado com esse dever primário, ciente da jurisprudência que reprime tal omissão, com conseqüências gravíssimas para o credor, confirma-se o nexo de causalidade, ou seja, a certeza de que o prejuízo do cliente (com a execução impossível) decorreu da desídia de seu advogado. Não encontrei causa que exonere o profissional da responsabilidade civil, salvo se houver culpa exclusiva do cliente (não recolher as custas do registro da penhora).


Muda-se o enfoque em caso de ocorrer a descapitalização imobiliária do devedor, no curso da ação de conhecimento. Elaboro outro quesito em conseqüência disso: "deve o advogado providenciar, sempre que ajuizar ação de ressarcimento de danos, o registro da citação para garantir a execução futura, sob pena de responder, se não o fizer, pela 'execução impossível' que se verifica quando não se consegue penhorar os bens do devedor, porque adquiridos por terceiros de boa-fé no curso do processo?".


Essa situação não é típica de responsabilidade objetiva que a falha do registro da penhora cria, porque, aqui, não existe obrigação legal da providência (registro da citação/distribuição da ação) e, na forma do art. 5º, II, da CF, poderá o advogado recorrer ao elemento dúvida jurídica legítima, para exonerar-se da obrigação de reembolsar o cliente que, depois de obter a condenação do réu, não consegue penhorar bens do devedor.


É importante assinalar que o advogado ERNESTO ANTUNES DE CARVALHO 96 apontou três razões para dispensar o registro da citação ou distribuição da ação: não obrigatoriedade do ato, ao contrário do que ocorre com a penhora; alto custo financeiro do registro (onerando, ainda mais, o autor) e falta de especificidade do bem a ser penhorado no futuro. Acrescento mais uma a esse excelente estudo: o risco de ter o autor que providencia um registro dessa ordem e que, naturalmente, restringe a expectativa do réu, como proprietário, de dispor de seus bens, de responder, em caso de improcedência da ação, por prejuízos que essa restrição provocou, inclusive não patrimoniais. Todo esse debate mostra que a matéria é polêmica, sem unanimidade jurisprudencial, o que, em termos de obrigação de diligência, não vincula o advogado.


7. RISCO DE EXECUÇÃO DE TÍTULOS DE CRÉDITOS EMITIDOS PARA RETRIBUIÇÃO DOS SERVIÇOS


O exercício da advocacia impõe ao advogado certos deveres de conduta pessoal que vão desde a forma de se trajar (com sobriedade), passando pela maneira como organiza sua carteira de clientes (proibição de anúncios publicitários espalhafatosos e do conhecido garimpo - infiltração de agentes em ambientes de fábricas e outros setores, com o propósito de incentivar a abertura de litígios e arregimentar clientes), culminando com os limites para a exigibilidade de seus honorários.


A L. 8.906/94, em seu art. 22, assegura o direito aos honorários e o art. 23, para complementar, assegura que a verba honorária decorrente da sucumbência pertence ao advogado, que, inclusive, está legitimado a, em nome próprio, executar a sentença, conforme admitiu decisão do STJ (REsp 191.378/MG, DJU 20.11.2000, Min. BARROS MONTEIRO, in RSTJ 151/414). Apesar desses mecanismos de proteção ao sagrado direito de retribuição profissional, continua o advogado sendo alvo da ingratidão dos clientes (que depois do êxito da ação se esquecem de valorizar o serviço prestado) e sofrem com a inadimplência. CARVALHO NETO chegou a afirmar as desculpas para isso não várias e pitorescas, até o de provar a inteligência "dando calote no próprio advogado". 97 O art. 42 do Código de Ética e Disciplina da OAB veda a emissão de títulos de créditos para cobrança de honorários (exceto a fatura de serviços prestados, por conveniência do cliente), "vedada a tiragem de protesto". O objetivo da proibição é manter o advogado afastado das disputas econômicas, como que buscando preservá-lo desses julgamentos.

MAURICE GARÇON 98 escreveu o seguinte a esse respeito: "Advogados houve que se mostraram credores implacáveis e se sujeitaram, no decurso dos debates, a ver contestada a importância dos serviços prestados. Discutia-se não sói o princípio do direito aos honorários, mas a quantia pedida, e os tribunais viam-se na necessidade de avaliar e taxar o preço das consultas e das defesas orais. Sórdidos debates que deslustravam a profissão, mesmo quando o advogado vencia a demanda.


Em tais circunstâncias a OAB, árbitro das regras do exercício da profissão, tomou nos fins do século XVII, a deliberação de proibir tais ações. Se a lei facultava ao advogado o meio de pedir por via judicial o pagamento dos honorários, os advogados não o utilizavam; para dele se servirem tinham de renunciar à profissão. Esta situação manteve-se até aos tempos de hoje".


Ao advogado cabe exercer o seu sagrado direito de cobrança na forma prevista em lei, com execução do contrato de trabalho, evitando-se as atividades que são apropriadas para o comércio em geral. Portanto, e na eventualidade de o advogado protestar um título de crédito para forçar o pagamento de honorários que estão sendo questionados pelo cliente, poderá esse seu proceder configurar não só um desrespeito das normas deontológicas, como um ilícito suscetível de fundamentar pedido de indenização por danos morais (abalo de crédito), tal como se sucede com inscrição indevida do sujeito na lista de devedores inadimplentes.


8. IMUNIDADE JUDICIÁRIA


O advogado conta com imunidade no exercício de sua função (art. 7º, § 2º, da L. 8.906/94). FÁBIO KONDER COMPARATO 99 considera que o advogado equipara-se ao parlamentar no que concerne à imunidade prevista no art. 142, I, do CP, porque "assim como o parlamentar deve atuar com total liberdade de palavra, iniciativa e opinião na fiscalização dos demais Poderes, com a mesma liberdade e independência deve o advogado agir em juízo, sem receio de ver sua atuação coartada pelo temor de ofensa à honra alheia". Como a atividade depende de materialização de arrazoados forenses, pode ocorrer que, no auge da fundamentação, o profissional exceda os limites da recatada prudência que imprime sobriedade na linguagem dos processos. O TJSP não admitiu a condenação de advogado, por danos morais, pelo emprego de expressões "candentes" e que feriram a suscetibilidade da parte adversa (Ap 085.813-4/7, Des. PAULO MENEZES, in RT 774/240).


O processo é um amontoado de papéis que conta uma história de vida. Exatamente por sua finalidade, poderá ser instrumento não só da realização do direito material, como se transformar em veículo de ofensas à dignidade humana dos seus personagens (arts. 1º, III e 5º, V e X, da CF). Contudo, porque os juízes são acostumados a interpretar os ânimos dos contendores, sabem que o processo se forma com mensagens duras, verdadeiramente contundentes. Esse conhecimento dos magistrados é uma garantia contra a censura das manifestações pesadas que são necessárias para revelar a verdade de um fato ou de uma ação tendenciosa e o exemplo do que se diz está no julgamento da AC 57.605-4, do TJSP (JTJ-Lex 217/79), pelo qual um advogado estava sob acusação de ter ofendido a parte adversa, com expressões pessoais como "frívolo, não quer trabalhar e que o dinheiro da desejada indenização não lhe servirá para nada, salvo de pretender permanecer na vadiagem". O digno Des. LAERTE NORDI, declarando voto-vencedor, considerou que as frases empregadas pelo advogado são apropriadas para a controvérsia sobre pedido de dano moral e livrou o profissional da indenização que o Juízo de Primeiro Grau havia declarado (20 salários mínimos).


A imunidade não é um privilégio corporativista; é uma bandeira erguida para defesa da soberania da função, sem o que o profissional não se encoraja na luta pela preservação da liberdade e dos demais direitos alheios. Tal como os políticos que são escalados para combater os abusos e que contam com a inviolabilidade em suas opiniões para que não fiquem "sujeitos a incômodos, perseguições e reações", 100 deverá o advogado merecer, igualmente, essa proteção. Nesse sentido a mensagem do Min. SYDNEY SANCHES, do STF, emitida quando do IV Seminário de Valorização Profissional do Advogado: "E exercido (advocacia) com a segurança necessária, para que o advogado não se atemorize diante dos poderosos, dos truculentos e dos arbitrários, pois esse temor enfraquece a defesa do direito de seu constituinte e repercute na obtenção da verdadeira Justiça". 101


Porém, o excesso foi censurado com indenização por danos morais pelo STJ (REsp 151.840/MG, DJU 23.09.1999, Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in RSTJ 124/361 e Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, vol. 2, pág. 64). O processo em epígrafe revela que realmente o advogado ultrapassou os limites ao analisar a atuação do advogado da parte adversa, imputando-lhe, sem provas, uma série de atividades ilícitas, o que, sem dúvida, caracterizou ofensa à honra. Constou da ementa: "A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo novo Estatuto da Advocacia e da OAB não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do MP, o serventuário ou o advogado da parte contrária. Segundo firme jurisprudência da Corte, a imunidade conferida ao advogado no exercício da sua bela e árdua profissão não constitui um bill of indemnity".


O excesso verbal não se compraz com a importância do trabalho do advogado. MIGUEL REALE 102 escreveu que a "linguagem é o solo da cultura" e daí "poder-se dizer que o ser do homem é o seu dever-ser consubstanciado na linguagem que o tornou capaz de realizar-se como pode e deve fazê-lo. Parece-me essencial essa dupla compreensão do ser humano em seu dever-ser através da linguagem". Convém registrar que o STJ não admite a exclusão da ilicitude (estrito cumprimento do dever legal - art. 23, III, do CP) no crime de calúnia, mas tão-somente a injúria e a difamação (RHC 11.324/SP, DJU 12.11.2001, Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, in RT 798/559 e Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, vol. 12, pág. 88): "Não está acobertado pelas causas de exclusão da ilicitude do estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito, nos termos do art. 23, III, do CP, o advogado que, através de petição assaca ofensas caluniosas contra o magistrado da causa, pois os poderes do causídico na sua esfera de atuação profissional não são absolutos e incontestáveis, devendo ser puníveis os eventuais excessos e abusos cometidos pelo profissional".


Portanto, é por meio da linguagem lançada nas peças do processo que o advogado revela o seu dever-ser na organização jurídica que, por certo, não será desrespeitoso, ofensivo, ultrajante. O processo, não obstante um mecanismo (meio) de fazer o direito material, na verdade se transforma em corpo e alma da justiça no caso concreto, com sentido público, de modo que passa a ser inconveniente a falta de recato na linguagem a ser empregada nos atos formadores do processo justo (art. 5º, LV, da CF), ainda que o ressentimento que mova o impulso ou a reação violenta possa ser explicado, quer pela temeridade da lide, quer pelo abuso de direito de defesa da parte adversa e, inclusive, pela morosidade da justiça. Os expedientes próprios para debelar esses incidentes de percurso existem e, entre eles, não está situada, como legítima, a ofensa verbal aos demais protagonistas do processo. O desabafo com ofensas implica a responsabilidade do advogado por lesões de ordem moral aos destinatários de suas mensagens, porque a atuação descomedida, no uso das palavras e gestos, consubstancia ato personalíssimo ou de culpa profissional.


Em recente sessão de conferência de votos, o Des. ALFREDO MIGLIORE, da 3ª CDPriv. do TJSP (Ap 172.666-4/4), apresentou proposta (que foi recepcionada sem dissenso dos demais membros da Turma Julgadora) de representar a OAB, na forma do art. 7º, § 2º, da L. 8.906/94, para que a Comissão de Ética e Disciplina examine (e, eventualmente, censure) a postura do advogado da apelante, por ter qualificado a sentença apelada como "desprezível e execrável", além de "abjudicável e desprezável", termos absolutamente impróprios, desnecessários e incompatíveis com o dever de recorrer e comprovar o acerto da tese de inconformismo.


O advogado não é censurado somente quando dirige impropérios aos juízes. Em processo de concordata, o advogado de um dos credores assinou petição, com as seguintes expressões em face do ex adverso: "engendrar uma chicana"; "expedientes obscuros e escusos"; "safadeza" e "desonestidade", "patrocinado uma das maiores desonestidades que a Justiça capixaba tinha notícias". O advogado destinatário dessas ofensas ingressou com ação de ressarcimento de danos e obteve sentença favorável (o TJES, no entanto, determinou que se fixasse o quantum em liquidação). O advogado réu, em causa própria, foi ao STJ, que não conheceu do recurso especial (REsp 163.221/ES, DJU 05.08.2002, in Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 19, p. 97, ementa nº 1925), com a seguinte observação do relator, Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: "O advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos danos que causar no exercício de sua profissão. Caso contrário, jamais seria ele punido por seus excessos, ficando a responsabilidade sempre para a parte que representa, o que não tem respaldo em nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem".

9. ATUAÇÃO NA JUSTIÇA CRIMINAL - PRISÃO PELO NÃO-PAGAMENTO DE DÍVIDA ALIMENTÍCIA PRETÉRITA


Importante consignar, tal como enfatizado por ERNESTO LIPPMANN, 103 que a culpa do advogado, no juízo criminal, é bem mais grave em termos de reparação de danos, por eventual sacrifício da liberdade do cliente (o que notabiliza o dano indenizável), além da repercussão destrutiva da condenação injusta (imposta por uma falha do advogado, por exemplo), justificando a indenização por dano moral (arts. 5º, V e X, da CF e 186, do CC de 2002).


O exame DNA é valioso para a apuração da autoria de crimes que deixam vestígios e permite a identificação positiva em favor da segurança da justiça. 104 Na hipótese de o DNA confirmar que uma condenação foi emitida em virtude de erro judiciário (o exame que se realizou no pedido de revisão criminal excluiu a autoria imputada ao réu), a atuação do advogado, na defesa desse processo que permitiu uma sentença injusta, será investigada, para aferição da culpa. É permitido afirmar, contudo, que não só ao Estado (Poder Público) recai o peso da prisão indevida; o advogado, a quem cabia requerer a perícia que faltou para livrar o réu da culpa, poderá suportar a responsabilidade civil pela negligente atuação.
A prisão indevida do cliente poderá estar conectada com a falta de diligência do advogado e, uma vez estabelecido esse nexo de causalidade, responderá pelos prejuízos patrimoniais e morais, seguindo a liquidação do dano a mesma diretriz utilizada para compor o prejuízo que se atribui ao Estado (Poder Público) por erro judiciário, ou seja, restituindo o que a vítima perdeu em termos salariais no período de custódia e de dano moral, por ser inegável o constrangimento social que daí deflui. No caso, ainda, de se confirmar que a custódia indevida comprometeu a carreira da vítima do erro profissional (normalmente isso ocorre, porque, mesmo depois de alforriado, o encarcerado não consegue recuperar o antigo status empregatício, uma conseqüência do estigma da prisão, justa ou injusta), é devido um pensionamento que compense a diferença salarial prejudicada pela submissão a subempregos com renda depreciada. 105 
Convém abrir um parágrafo para analisar os efeitos da atuação de advogado diante de uma outra verdade inscrita na ordem jurídica por meio da jurisprudência: prisão por dívidas alimentícias consideradas pretéritas. Não custa relembrar: "nascido da jurisprudência, o direito vive pela jurisprudência, e é pela jurisprudência que vemos muitas vezes o direito evoluir sob uma legislação imóvel". 106 


A CF permite a prisão civil pelo não-pagamento de dívidas alimentícias (art. 5º, LXVII), desde que se observe o processo justo para esse fim (art. 733, parágrafo único, do CPC). Não obstante considerada como obrigação sagrada a merecer cumprimento à custa dos mais dolorosos sacrifícios, 107 o fato é que ocorre, lastimavelmente, uma incrível resistência e, não raro, os juízes priorizam, com o decreto de prisão, o direito de subsistência digna dos alimentandos (art. 1º, III, da CF). Somente sentindo ameaçada a liberdade, certos devedores concordam em depositar as prestações que são essenciais para o sustento dos filhos menores. O próprio STF declarou que a prisão civil "funciona, na verdade, como meio de forçar o cumprimento da obrigação de garantir a sobrevivência dos alimentandos" (HC 68.724/RJ, Min. CARLOS VELLOSO, in RTJ 175/950). Essa realidade sofreu uma profunda alteração, no que se refere à execução de dívidas acumuladas, e advogado que se preze não pode ignorar a interpretação contemporânea que livra os devedores da prisão pelo não-pagamento de dívidas pretéritas (assim consideradas as que não se referirem às três últimas).


As prestações que não são exigidas e que se acumulam, por desídia do credor, perdem, segundo o novo entendimento, o caráter alimentar e se transformam em dívidas de dinheiro. Como os valores não são essenciais para a subsistência do alimentando, não se justifica prender o devedor que não os paga, competindo ao credor perseguir a satisfação do crédito na forma convencional, isto é, por intermédio da execução com penhora de bens (art. 732, do CPC). O acórdão que inspirou essa forma de interpretar é do STF (HC 75.180/MG, J. 10.06.1997, Rel. Min. MOREIRA ALVES), sempre citado na obra que é indispensável aos operadores do direito e da autoria de advogado exemplar (Dr. THEOTÔNIO NEGRÃO). 108 Logo o STJ aderiu (REsp 175.003/MG, DJU 01.08.2000, Min. WALDEMAR ZVEITER, in RSTJ 138/301): "Nos termos da jurisprudência que veio a firmar-se nesta Corte, em princípio apenas na execução de dívida alimentar atual, quando necessária à preservação da sobrevivência do alimentando, se mostra recomendável a cominação de pena de prisão ao devedor. Em outras palavras, a dívida pretérita, sem capacidade de assegurar no presente a subsistência do alimentando, é insusceptível de embasar decreto de prisão".


O TJSP não agiu de forma diferente. Em julgado de 05.08.1999, o Des. MOHAMED AMARO (HC 118473.4/8, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, nº 0, p. 219), afirmou que "a prisão civil por dívida, máxime de natureza alimentar, constitui medida excepcional de coerção do alimentante a fim de que honre a obrigação. Logo, não se trata de pena e, tampouco, destina-se a punir o alimentante. Custódia que deve restringir ao não-pagamento das três últimas mensalidades vencidas". Nesse mesmo sentido assinei acórdão (HC 082.282-4/0, J. 12.05.1998, in RT 756/227) e o STJ reafirma (RHC 9.228/RJ, DJU 13.11.2000, Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, in RT 787/184). 109 


É importante anotar que somente as dívidas vencidas no trimestre antecedente ao pedido é que são havidas como pretéritas; as que se vencem no decorrer do processamento da execução são atuais, ainda que demore a solução, pois se assim não se entender valeria o ditado de "não pago dívidas velhas, porque pretéritas; quanto às novas, espero que envelheçam, para que também não as pague". Há oposição radical 110 e flexível, 111 sem força de arrefecer o enunciado da jurisprudência que, a cada sessão de julgamento, se engrandece (HC 19.195/RJ, DJU 27.05.2002, p. 174, Min. BARROS MONTEIRO, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, 31/98 e RHC 11.717/SP, J. 19.11.2001, Min. CESAR ASFOR ROCHA, in Informativo ADV, da COAD, nº 13/2002, p. 205, verbete nº 101046). Anotei no julgamento de 26.03.2002 (HC 226.990.4/0, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, 32/178): "Habeas corpus. Prisão civil por dívida de alimentos (arts. 733 do CPC e 5º, LXVII, da CF). Diante da jurisprudência vitoriosa que não admite prisão pelo não-pagamento de dívidas pretéritas, fica caracterizado o constrangimento ilegal da prisão por dívidas acumuladas desde julho de 1997. Ordem concedida". 112 
Resulta que, se o advogado contratado para atuar na defesa do devedor de alimentos, convocado para quitar dívidas acumuladas, sob pena de prisão civil (art. 733, do CPC), não usar do benefício da jurisprudência que desautoriza prisão civil por dívidas pretéritas, estará, com essa omissão, permitindo que o Estado-juiz comprometa a liberdade de seu cliente contra um direito garantido por uma jurisprudência consolidada. Volta-se a afirmar que a jurisprudência constitui "um bom guia" para os aplicadores do Direito, notadamente para os que "contam poucos anos de prática" e que não conquistaram, pela experiência, o tirocínio profissional. 113 

Ora, limitando o advogado ao argumento inglório da justa recusa do pagamento, o juiz certamente, sem se convencer, baixará decisão decretando a prisão civil do alimentante (de 30 a 60 dias). Supondo que o advogado, mesmo com o cliente preso, continue a não usar da jurisprudência para impetrar HC, não resta dúvida de que incidiu em erro grosseiro. Poderá, por conseguinte, ser responsabilizado por danos decorrentes dessa prisão civil, graças ao desempenho profissional abaixo da crítica.


Poder-se-ia argumentar que a prisão do devedor, em situações do gênero, não é ilegal ou inconstitucional, o que excluiria a responsabilidade do advogado que, mesmo contratado para obter salvo-conduto ao devedor, não consegue o intento. Concorda-se com essa objeção, desde que o advogado, na defesa, explorasse o ponto de vista jurídico favorável ao cliente, ou a inadequação da custódia por se cuidar de dívida pretérita. A prisão, nesse caso, não seria ilegal, por representar vontade do Estado-juiz. Porém, para a relação que se forma entre o advogado e o cliente, a omissão da versão liberatória funciona como culpa profissional, até porque não está o juiz obrigado a liberar o devedor da prisão se ele próprio não invoca a versão da jurisprudência que não se aplica de ofício. Excluir do devedor a chance de se livrar da prisão que poderia ser evitada significa, por via oblíqua, ofensa direta ao direito de permanecer em liberdade, sugerindo o dever de indenizar (arts. 620, do CPC; 1º, III, da CF e 954, parágrafo único, III, do CC de 2002).


Cabe registrar que o art. 1.552 do CC/16 (que restringia a titularidade passiva da obrigação de indenizar, no caso de prisão ilegal, da autoridade que ordenou a prisão) não foi transferido para o novo estatuto, de modo que se abriu espaço para que se conclua pela inexistência de óbice legal sobre a interligação da atividade negligente ou imprudente do advogado à responsabilidade que se busca instituir para reparar prejuízos de uma prisão que poderia ser evitada (e que, portanto, não deixa de ser indevida ou ilegal, para a vítima).


Embora típica a culpa no ato de ignorar a jurisprudência, esse enunciando não é, ainda, vitorioso como fundamento da responsabilidade civil do advogado pelo serviço jurídico que, com tal falha, é concluído com prejuízo ao cliente, justamente por ressentir-se do abono da interpretação judicial. Contudo, quando essa tese for explorada no confronto entre o direito da vítima e a prerrogativa do advogado desatualizado, não se tem dúvida de que o intérprete vai priorizar o primeiro, para que não se perpetue a injustiça da não-reparação de dano injusto.


JOÃO BATISTA LOPES escreveu, quando juiz de direito da capital, um excelente ensaio sobre as perspectivas da responsabilidade civil e testemunhou o seguinte: "em nossa experiência profissional, já nos deparamos com o seguinte caso: em razão do rompimento da barra de direção, o veículo, desgovernado, ganhou o passeio público e atropelou o pedestre". Em seguida, o depois desembargador e processualista respeitável, afirmou que o caso não poderia ser resolvido somente em função da teoria da culpa (exoneração de responsabilidade pelo caso fortuito ou de força maior), exatamente pela força das palavras simples da vítima em depoimento pessoal: "eu sei que o motorista não teve culpa. Mas, se ele não teve, eu tive menos ainda". 114 


Em se aplicando o mesmo raciocínio para analisar a culpa de maior peso na situação do devedor de alimentos que é preso porque seu advogado não aproveita a jurisprudência contemporânea que versa a ilegalidade da prisão por dívidas pretéritas, a posição do advogado se inferioriza. Se o advogado não lê julgados, que culpa tem o cliente? A censura que daí decorre é inexorável.


10. PRESCRIÇÃO


O novo CC estabeleceu que prescreve, em três anos, a pretensão de reparação civil (art. 206, § 3º, V). Contudo, continua a prevalecer, em ações de responsabilidade civil face ao advogado, o prazo prescricional previsto no art. 27, da L. 8.078/90 (CODECOM). É que a interpretação, no conflito de normas, deve ser pró-consumidor (arts. 47, 7º e 1º, da lei consumerista), porque, mais dilatado, é que o predomina em benefício dos consumidores.

11. DISPENSA DA ATUAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA


O advogado defende os direitos alheios e os próprios. Não há proibição alguma para que funcione em causa própria, mesmo quando necessite cobrar do cliente os seus honorários. 115 No entanto, mesmo diante da necessidade de responder a uma ação de reparação de danos, totalmente infundada, que um ex-cliente promove de forma temerária, recomenda-se a dispensa da prerrogativa da defesa em causa própria. É melhor que um colega, livre da emoção do profissional traído pela ingratidão e deslealdade do representado, possa, com a técnica apropriada, elaborar a estratégia apropriada para rejeição da afronta pessoal e profissional sem comprometimento do juramento vocacional. Além da garantia de uma defesa concentrada somente no aspecto jurídico, a sugestão de renúncia da defesa em causa própria, em se realizando, notabiliza o profissional nesse ato final do contrato de trabalho, como que traduzindo uma espécie de penitência anônima que se está cumprindo, com estilo, para que toda a classe se valorize.
Afinal, como afirmou LOUIS JOSSERAND em conferência pronunciada em Coimbra, "a história da responsabilidade civil é a história do triunfo da jurisprudência, e também, de alguma forma, da doutrina; é, mais geralmente, o triunfo do espírito do senso jurídico". 116 


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