SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO - Luiz Geraldo Floeter Guimarães
Advogado,Sócio do escritório “Guimarães e Floeter Guimarães - Advogados Associados”,Professor Universitário
SUMÁRIO: Conceito de Constituição; A difusão da Constituição; O respeito à Constituição; A supremacia da Constituição; Supremacia fluída; O controle da constitucionalidade; Espécies de controle da constitucionalidade; A supremacia da Constituição no direito comparado; Argentina; Nicarágua; Honduras; Equador; México; Quênia; África do Sul; Angola; Nigéria; Paquistão; Bahamas; Estados Unidos; Conclusões finais; Bibliografia.
Conceito de Constituição
Antes de mais nada, para iniciar nosso estudo, cumpre-nos averiguar qual o conceito etimológico da palavra “Constituição”. Confira-se:
“CONSTITUIÇÃO s.f. (Do lat. constitutio.) 1. Ação de formar um conjunto. - 2. Resultado desta ação; composição. - 3. Colocação, estabelecimento. - 4. Designação. - 5. Conjunto de regras e leis fundamentais, estabelecidas por um país para servir de base à sua organização política e firmar os direitos e deveres de cada um dos seus cidadãos. - 6. Conjunto de características morfológicas, fisiológicas e psicológicas de um indivíduo, que permite determinar a que tipo ele pertence” 1.
Vários outros conceitos, direcionados especificamente aos aspectos jurídicos, podem ser estabelecidos para concluir-se o que vem a ser uma “Constituição”.
Vejamos as várias definições e conceitos sobre o termo em análise:
“A constituição é outorgada à nação como lei soberana do povo, por meio de seus delegados ou representantes, e abriga, em seu todo, normas consideradas fundamentais e absolutas, em relação ao tempo e ao espaço. Uma constituição é escrita, ou formada por um único instrumento, em que se reúnem todas as suas normas e preceitos, e não escrita ou costumeira, quando não compendiada em um texto especial, como a da Grã-Bretanha. Porque pode ser alterada à vontade do legislador, diz-se que é flexível, em oposição à Constituição escrita, que se diz inflexível, ou rígida, ou limitada. Em seu texto, daí a inflexibilidade, os governantes ou os poderes públicos encontram limites às suas atividades públicas e políticas e não podem se afastar das normas que lhes foram traçadas. Dessa forma, estabelece todas as condições necessárias para delimitar a competência dos poderes públicos, impondo as regras de ação das instituições públicas e as restrições que devem ser adotadas para garantia dos direitos individuais”2.
“Juridicamente, (...) Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas”3.
“... a constituição é o conjunto de regras escritas ou costumeiras, inspiradas na realidade sócio-política e destinadas à ordenação jurídica do Estado, nas quais são estabelecidos os podêres governamentais e proclamados os direitos e as garantias dos indivíduos”4.
“Constituição é o complexo de normas - escritas em regra, costumeiras às vêzes - que alicerçam o Estado de Direito e que, superiores a todos os demais preceitos jurídicos, no âmbito do Direito interno, estabelecem a forma de Estado, a forma e o regime de govêrno, estruturam os órgãos do Poder Público, determinam seu funcionamento e suas limitações, declaram e garantem os clássicos direitos da pessoa humana, declarando e resguardando ainda os direitos sociais”5.
“No esquema liberal, (...) a Constituição é acima de tudo a garantia dos direitos fundamentais do homem. É, numa construção imaginosa e hábil, a garantia desses direitos contra o Estado ao mesmo tempo que é a Lei Maior desse Estado, estabelecendo em linhas nítidas e inflexíveis a sua organização fundamental”6.
“O Estado, (...) é uma sociedade. Pressupõe organização. Os preceitos organizativos corporificam o instrumento denominado Constituição. Portanto, a Constituição é o conjunto de preceitos imperativos fixadores de deveres e direitos e distribuidores de competências, que dão a estrutura social, ligando pessoas que se encontram em dado território em certa época”7.
“A Constituição, como regra maior, dita normas de conduta ao legislador. Nesse desideratum, as Constituições estruturam os poderes do Estado e asseguram os direitos fundamentais”8.
“A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”9.
“A Constituição é a lei fundamental de organização do Estado, ao estruturar e delimitar os seus poderes políticos. Dispõe sobre os principais aspectos da sua estrutura. Trata das formas de Estado e de governo, do sistema de governo, do modo de aquisição, exercício e perda do poder político e dos principais postulados da ordem econômica e social. Estabelece os limites de atuação do Estado, ao assegurar respeito aos direitos individuais. O Estado, assim como seus agentes, não possui poderes ilimitados. Devem exercê-los na medida em que lhes foram conferidos pelas normas jurídicas, respondendo por eventuais abusos a direitos individuais”10.
“Do ponto de vista jurídico, a Constituição é concebida como um conjunto de normas, um estatuto onde se acham reunidas as normas de organização do Estado”11.
“... poder-se-ia definir Constituição como um sistema de normas jurídicas que regula a forma do Estado, a forma de governo, o modo de aquisição e exercício do poder e seus limites, bem como os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. (...) A constituição é algo que tem como forma um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo”12.
“... Constituição em sentido material (...) Trata-se do conjunto de forças políticas, econômicas, ideológicas etc. que conforma a realidade social de um determinado Estado, configurando a sua particular maneira de ser ...
(...) Define-se a Constituição em sentido substancial pelo conteúdo de suas normas. Ela é um conjunto de regras ou princípios que têm por objeto a estruturação do Estado, a organização de seus órgãos supremos e a definição de suas competências. Vê-se, em conseqüência, que, em sentido puramente substancial, Constituição é um complexo de normas jurídicas fundamentais, escritas ou não, capaz de traçar linhas mestras de um dado ordenamento jurídico ...
(...) surge aquela de Constituição formal. Esta vai erigir em critério discriminador das normas constitucionais a forma pela qual elas são produzidas. Constituição, neste sentido, seria um conjunto de normas legislativas que se distinguem das não-constitucionais em razão de serem produzidas por um processo legislativo mais dificultoso, vale dizer, um processo formativo mais árduo e mais solene ...”13.
Pela leitura das definições acima, constata-se uma certa dificuldade em conceituar com precisão absoluta o que vem a ser “Constituição”.
Isto porque tal termo engloba vários significados, dependendo do ponto de vista que se busca perquirir a análise do vocábulo e a forma de aplicá-lo.
De qualquer forma, diante das várias definições e características citadas pelos diversos autores acima, poderíamos arriscar fazer uma conceituação pessoal quanto ao vocábulo “Constituição”, sob o aspecto jurídico, nos seguintes termos:
Constituição é o conjunto de regras jurídicas que regem a organização política, econômica e social de um Estado, estabelecendo os direitos e deveres básicos e fundamentais de todo o seu povo, bem como limitando e estabelecendo as diretrizes de atuação de seus governantes.
A difusão da Constituição
A sociedade, como qualquer ser, tem uma constituição, ou seja, uma composição ou organização.
Como dizia ARISTÓTELES, ubi societas, ibi jus, ou seja, onde houver sociedade, haverá normas de conduta (direito). Vale dizer, haverá uma constituição que determinará o regramento básico e fundamental de convivência das pessoas que compõem esta sociedade.
No campo jurídico, o termo “constituição” vem do Direito Romano.
Segundo consta, o vocábulo constitutio veio a ser empregado durante o Império Romano para designar as manifestações de vontade normativa de grau mais elevado emanadas diretamente da autoridade do Imperador.
A primeira vez que este termo parece haver sido empregado num dos sentidos modernos, ou seja, como estatuto ou limitação do poder, o foi por Bracton, no século XIII, referindo-se à Carta Magna inglesa de 1215 do Rei João Sem-Terra, como constitutio libertatis14.
O termo “constituição” ganhou o seu sentido moderno no século XVIII, porém, ainda visto sob um enfoque político (regendo o Poder), inspirado em Montesquieu (em sua famosa obra “De l’esprit des lois”)15.
Já segundo a concepção liberal de constituição, esta é a parte essencial de uma determinada organização estatal, que visa garantir a liberdade, por meio de um estatuto do Poder (por meio de organização jurídica que não só estruture, mas também limite o Poder no Estado). E, por ser um plano racional que contraria a organização costumeira, a constituição liberal tem de tomar forma escrita. Contém-se num documento escrito, enunciado solenemente, ou seja, a Constitução.
De acordo com MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO16, através da concepção liberal, a única “constituição” que mereceria tal designação seria aquela escrita, solene e liberal.
É certo, ainda, que uma Constituição, de acordo com a lição de OSWALDO LUIZ PALU17, tem vários significados:
a) tem um valor simbólico (é um símbolo antes de ser uma lei);
b) tem um valor filosófico (posto que a Constituição impõe a idéia de que o poder dos governantes não é ilimitado); e,
c) tem um valor jurídico (em razão de criar um sistema de normas jurídicas que regulam o Poder, que impõe procedimentos, estabelece garantias ao cidadão e limites àquele, prevendo de alguma forma, direta ou indiretamente, a participação dos cidadãos nas decisões da coletividade).
As normas constitucionais não são produtoras de direito, mas o próprio direito objetivo que exsurge de circunstâncias políticas, históricas, geográficas, econômicas e axiológicas, é que se completam com o ato volitivo do constituinte (órgão elaborador da Constituição)18.
A idéia de que todo Estado deve ter uma Constituição escrita e formal, difundiu-se pelo mundo afora, a partir do início do século XIX19.
Em nossos dias, está profundamente ancorada no pensamento político, a concepção de que todo e qualquer Estado deve ter sua organização fundamental definida num documento escrito, ou seja, numa Constituição.
A famosa e sempre citada exceção ainda continua a ser a Grã-Bretanha (onde o direito costumeiro - ou consuetudinário - ainda permanece intacto).
A difusão das Constituições se acompanha, desde o final da Primeira Guerra Mundial, de uma ampliação do campo que se propõem a reger20.
Assim, as Constituições “modernas” apresentam-se como constituições políticas, econômicas e sociais (o modelo típico de constituição política, econômica e social foi a Constituição alemã de 1919 [Constituição de Weimar]).
De se observar que a introdução de regras de cunho econômico e social no corpo da Constituição importa na adjunção de regras programáticas às regras de organização e limitação do poder21.
Ainda de acordo com o ensinamento de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO22, deve insistir-se no fato de que a massa de disposições programáticas que incham as Constituições contemporâneas, mormente nos capítulos sobre a “ordem econômica” e sobre a “ordem social”, contribui para a desvalorização da idéia de Constituição. Isso porque, freqüente fruto de desejos em descompasso com o possível, não raro essas normas permanecem letra morta. Assim, quando uma parcela da Constituição é ressentida como não cogente, a imperatividade de toda a Constituição com isso perde.
O respeito à Constituição
De acordo com as palavras de ANDRÉ RAMOS TAVARES23:
“A partir do momento em que a comunidade fixa seus princípios, seus fundamentos basilares, numa Lei Maior, ganha grande importância a forma pela qual será esta compreendida e aplicada. A Constituição, além de pairar acima de qualquer outra norma jurídica escrita, que não poderá com ela conflitar ou contrapor-se validamente, exerce uma outra sorte de influência, já que igualmente se encontra ela acima de todos os poderes do Estado, posto tratar-se sempre de poderes que foram por ela mesma constituídos e, nessa medida, que a ela devem obediência.
Por sua vez, a Constituição não é um documento de disposições rígidas, determinadas com precisão e rigorismo absolutos. Trata-se de uma entidade viva, que interage com a situação histórica, com o desenvolvimento da sociedade, e só assim é que cumpre seu papel regulador”.
Ademais, a Constituição não pode ser vista e muito menos aceita como mera ou simples “folha de papel” e nem mesmo como pura decorrência dos “fatores reais do poder que regem uma nação”24.
Isso porque a Constituição deve ser respeitada e acatada por todos os componentes do Estado (notadamente o seu povo e os seus governantes), diante da força normativa que dela decorre.
Confira-se a lição de KONRAD HESSE25:
“A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. (...) A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas”.
E referido autor26 continua:
“Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral - particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)”.
“A Constituição deve ter preservada sua força ordenadora e deve ser efetivamente obedecida, gerando efeitos na realidade social”27.
Assim, ainda segundo OSWALDO LUIZ PALU (idem, ibidem) “não deve ser demasiadamente rígida ou detalhista, deve possuir elasticidade suficiente para poder assumir a realidade e manejá-la”.
Isso porque, tendo em vista o fato de que a Constituição se destina a normatizar a vida em sociedade, que é mutável e variável conforme cada momento histórico, deve ter um conteúdo adequado a amoldar-se à realidade atual, pois, a contrario sensu, colocaria em perigo a sua força normativa em decorrência de sua sujeição a sucessivas alterações.
A Constituição não tem sua força normativa apenas quando se adapta inteligentemente à realidade e às circunstâncias; ela mesma converte-se em força atuante quando se situa na disposição individual do presente (é o que se chama de “vontade da Constituição”).
Tem a Constituição, também, a preeminência normativa, mas vem condicionada por fatores culturais, históricos, que não se deve desconhecer. Seu caráter normativo ordena, conforma, por sua vez, a realidade. Da intersecção de ambos advêm as possibilidades e os limites de sua força normativa.
Portanto, daí resulta concluirmos que o respeito à Constituição decorre de sua força motriz básica, de seu regramento de cunho fundamental, vale dizer, o cerne que deve existir na consciência de todo o povo e de todos os governantes, visando o progresso, o bem-estar e a convivência sadia e fraterna que deve prevalecer no seio da sociedade.
E, desse respeito, em conseqüência, decorre a prevalência das normas constitucionais, hierarquicamente superiores a quaisquer outras leis, sendo mesmo a lei suprema de uma nação. Vale dizer, daí deriva a supremacia da Constituição, como se passará a verificar.
A supremacia da Constituição
Pela sua própria natureza, a Constituição é tida como a primeira lei positiva (como ápice28 do ordenamento jurídico).
Assim, a supremacia da Constituição29 importa, num primeiro momento, o aspecto material (de forma que as leis e atos normativos não podem contrariar as normas constitucionais); e, também, um aspecto formal (pois é a Constituição que fixa a organização, a estrutura, a composição, as atribuições e o procedimento dos Poderes [“estes nada podem senão pelo modo que prevê a Constituição”30]).
Daí temos que nenhum ato estatal tem validade se não estiver, formal e materialmente, em conformidade com a Constituição (esta é uma condição de constitucionalidade)31.
Segundo CRISTIANNE ROZICKI32:
“A Constituição consiste a lei superior que rege a vida e existência de um Estado e cuja força valorativa subordina necessariamente toda legislação ordinária, ou melhor, toda legislação infraconstitucional, às suas disposições.
Quer dizer, as normas inferiores terão subsistência e eficácia apenas se não contrariarem as previsões da Lei Maior (entre os atos normativos infraconstitucionais encontram-se as leis, os atos administrativos, as sentenças, os contratos particulares, etc.).
Daí que, a supremacia da Constituição pressupõe indubitavelmente a subordinação de todas as leis que lhe são posteriores, e também de todas que lhe são hierarquicamente inferiores (todas as obras legislativas passadas, atuais e futuras), ao teor de seus preceitos”.
Importante destacar, inclusive pela importância histórica, a decisão da Suprema Corte dos EUA, onde o juiz Marshall, no caso Marbury x Madison, no ano de 180333, assim se pronunciou:
“Ou a Constituição é a lei superior, intocável por meios ordinários, ou ela está no mesmo nível que os atos legislativos ordinários, e, como outros atos, é alterável quando à legislatura aprouver alterá-los. Se a primeira parte da alternativa é verdadeira, então um ato legislativo contrário à Constituição não é lei; se a última é verdadeira, então as constituições escritas são tentativas absurdas por parte do povo de limitar um poder por sua própria natureza ilimitável”.
A conclusão lógica daí decorrente, seria a de que o ato inconstitucional é simplesmente nulo e sem valor (null and void)34.
A condição de constitucionalidade alcança, inclusive, as próprias modificações da Constituição.
Entretanto, essa nova manifestação do poder constituinte “derivado”, para não desvirtuar a supremacia da Constituição, deve ter limites, características e formas bem definidas, justamente para a não caracterização de sua própria inconstitucionalidade.
Em conseqüência, mesmo as emendas constitucionais estão sujeitas à condição de constitucionalidade.
A sanção desta condição de constitucionalidade é indispensável à garantia da supremacia da Constituição. Se o ato inconstitucional prevalece, a Constituição não é a lei suprema. Destarte, o “controle de constitucionalidade” é condição da supremacia da Constituição.
Segundo OSWALDO LUIZ PALU35:
“... a supremacia da Constituição pode ser vista, tendencialmente: a) em relação ao seu conteúdo (supremacia material); b) em relação à organicidade, aos procedimentos e competências pelos quais seus preceitos se inter-relacionam com os demais, indicando relação de hierarquia (supremacia formal).
Obviamente que ‘la supériorité des lois constitutionnelles’ seria uma palavra vã, caso elas pudessem ser impunemente violadas pelos órgãos do Estado; a violação da Constituição por atos estatais é a inconstitucionalidade e o meio de reprimir tais atos é a fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos.
De fato, o princípio da supremacia constitucional constitui o alicerce em que se assenta o edifício do moderno Direito Público. Normas constitucionais põem-se acima das demais normas jurídicas (hierarquia) e essa preeminência é que vai constituir superioridade da Constituição”.
Para ANDRÉ RAMOS TAVARES36:
“A noção de uma Constituição como fundamento último de validade jurídica, à qual deverão todas as demais normas do ordenamento jurídico conformar-se, apresenta supina importância na noção de controle da constitucionalidade das leis, realizado pelo Poder Judiciário”.
Por sua vez, DALMO DE ABREU DALLARI37 diz que não está:
“superada a necessidade de se preservar a supremacia da Constituição, como padrão jurídico fundamental e que não pode ser contrariado por qualquer norma integrante do mesmo sistema jurídico. As normas constitucionais, em qualquer sistema regular, são as que têm o máximo de eficácia, não sendo admissível a existência, no mesmo Estado, de normas que com elas concorram em eficácia ou que lhes sejam superiores. Atuando como padrão jurídico fundamental, que se impõe ao Estado, aos governantes e aos governados, as normas constitucionais condicionam todo o sistema jurídico, daí resultando a exigência absoluta de que lhes sejam conformes todos os atos que pretendam produzir efeitos jurídicos dentro do sistema”.
A idéia de que a Constituição deve ser preservada “é a maneira encontrada de se preservarem os mais básicos e fundamentais valores acolhidos pela sociedade, alcançados por esta e lançados num corpo jurídico, como resultado de um longo evoluir histórico”38.
Assim sendo, a previsão de órgãos fiscalizadores e garantidores da integridade dos mandamentos constitucionais assume uma importância sem precedentes. A justiça constitucional, nas palavras de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO39, é o “complexo de actividades jurídicas desenvolvidas por um ou vários órgãos jurisdicionais, destinadas à fiscalização da observância e cumprimento das normas e princípios constitucionais vigentes”.
De acordo com a lição de OSWALDO LUIZ PALU40, “Sob o aspecto da norma, convém fazer referência ao trinômio validade-vigência-eficácia”.
Daí conclui referido autor (op. cit., p. 39), que:
a) “Assim: a) validade (ou validade constitucional) é a qualidade da norma que está conformada com o ordenamento quanto à condição e fim por ele estabelecido, a norma elaborada em consonância com os preceitos formais e materiais existentes e pertinentes; b) vigência é a qualidade da norma que diz respeito ao tempo em que atua, podendo ser invocada para produzir efeitos; e c) eficácia é a qualidade da norma que se refere à sua adequação em vista da produção, efetiva ou potencial, de efeitos. Ainda em relação ao último conceito, a norma válida e vigente pode não ter eficácia devido à: a) ineficácia social - não tem condições fáticas de atuar, ela não está conforme a realidade; b) ineficácia jurídica - não tem condições técnicas de atuar, posto não estarem presentes os elementos normativos para adequá-la à produção de efeitos concretos. Exemplo da primeira: norma que entra em vigor determinando o uso de determinado aparelho por trabalhadores de certo ramo industrial, sendo que tal maquinismo não existe no mercado e não há previsão de sua produção adequada (falta de eficácia semântica). Exemplo da segunda: lei constitucional que entra em vigência, mas depende totalmente de regulamentação infralegal; enquanto não regulamentada, não terá eficácia (falta de eficácia sintática)”.
Para JOSÉ AFONSO DA SILVA41, as normas constitucionais quanto à sua eficácia dividem-se em:
a) normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral;
b) normas de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral; e,
c) normas de eficácia limitada, que se subdividem em normas declaratórias de princípio institutivo ou organizativo e normas declaratórias de princípio programático.
Assim sendo, temos que as normas programáticas são aquelas onde se projetam diretrizes a serem observadas pelos poderes públicos como programa das respectivas atividades, tendo em vista a realização dos fins sociais do Estado, sejam elas vinculadas ao princípio da legalidade, referidas aos poderes públicos, ou dirigidas à ordem econômico-social42.
A norma programática confere elasticidade ao ordenamento constitucional e tem como destinatário o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios a dar-lhe integral eficácia. Não permite aos cidadãos exigir o seu conteúdo, pedindo aos tribunais o seu cumprimento, posto que, frenqüentemente, estão acompanhados de conceitos indeterminados e incompletos43.
É preciso registrar, ainda, segundo a lição de OSWALDO LUIZ PALU44, que:
“A ordem social deve mudar, necessita mudar, porém não parece ser este o papel da Constituição, que pode conformar moderadamente, jamais transformar profundamente. (...) É preciso registrar que a sucessão de uma ordem constitucional por outra provoca necessariamente a análise e o confronto do direito ordinário anterior com o novo ordenamento constitucional positivo. As relações hierárquico-normativas entre esses dois momentos de nossa experiência jurídica são presididas e definidas pelo princípio da recepção, que, de um lado, torna subsistentes as normas infraconstitucionais materialmente compatíveis com a Constituição, e de outro revoga aquelas que não ostentam tal perfil e nem a ele se ajustam”.
Supremacia fluída
Relativamente ao presente tópico, muito interessante as palavras de OSWALDO LUIZ PALU45, segundo o qual “Malgrado o contínuo enriquecimento da Constituição (...) sofreu ela clara desvalorização nos ordenamentos jurídicos de países avançados ...”.
Para embasar sua linha de raciocínio, cita referido autor a lição de KARL LOEWENSTEIN46, de acordo com o qual:
“Algumas das plúrimas causas de sua desvalorização são (...): a) não poucas vezes as suas disposições são irrealizáveis; b) o Governo pode entender não aplicar determinados dispositivos por não ser de seu interesse momentâneo; c) pode haver recusa da maioria parlamentar a cumprir determinada norma constitucional; d) a pressão social, econômica ou corporativa de grupos de pressão contra sua realização”.
Na atualidade, a Constituição significa muito pouco para o “homem da rua” (KARL LOEWENSTEIN47).
Aliás, poderíamos denominar tais pessoas simples do povo como “hipossuficientes jurídicos”, vale dizer, indivíduos cujo conhecimento parco e cultura bastante rudimentar, sequer se importam com os termos e normas elencados na Constituição.
Tais pessoas, além de desconhecerem o conteúdo da Constituição e, consequentemente, de seus direitos e deveres básicos e fundamentais, não se preocupam efetivamente com aquelas normas que regem toda a sociedade em que vivem e convivem mutuamente com seus pares.
Daí decorre a conclusão dada por OSWALDO LUIZ PALU48, in verbis:
“O direito constitucional converteu-se em uma ciência oculta para o leigo; seu conhecimento está reservado a uma minoria de juristas e profissionais na prática e na burocracia governamental. E não pode ser de outro modo. As constituições são cada vez mais complexas. As decisões políticas conformadoras são de domínio dos políticos, e para sua execução são chamados técnicos constitucionalistas e especialistas. A massa da população perdeu o interesse pela Constituição e esta o valor afetivo para o povo. Isso é um fato indiscutível e alarmante. Os documentos constitucionais, bem pensados e articulados, foram considerados na época de sua aparição, como a chave mágica para a ordenação feliz de uma sociedade estatal. Hoje, manipulada por políticos profissionais, a Constituição cessou de ser uma realidade viva para a massa dos destinatário do poder”.
Outro aspecto de fluidez da supremacia da Constituição, dado por GEORGES BURDEAU49, diz respeito ao “aspecto da tendência ideológica de algumas constituições atuais, que se ‘parecem mais com programas eleitorais que com as constituições clássicas’, e desenham contornos não da ordem social vigente, mas futura, remarcando que tais declarações de intenção procedem de um sentimento louvável, mas, colocando o Estado à frente de uma empreitada revolucionária, afrouxam a ordem social que a Constituição tem por missão assegurar sobre bases estáveis”.
Porém, muito embora as Constituições modernas talvez não atinjam diretamente o sentimento de regras de conduta como anseios profundos da população, nunca é demais lembrar que sua importância não pode jamais ser relegada a um segundo plano.
Assim, não discordamos do fato de que a Constituição - como lei básica e fundamental do povo - perdeu muito aquele seu sentimento de luta, de grandiosidade e de significado simbólico de desenvolvimento democrático de anos atrás, mas, por outro lado, não podemos aceitar qualquer idéia contrária no sentido de minimização da importância da Constituição na formação de um Estado democrático de direito.
O controle da constitucionalidade
A aplicação da Constituição estaria irremediavelmente perdida acaso não existisse um sistema de repressão aos atos contrários aos seus regramentos.
É sabido que a garantia da Constituição repousa em um juízo de conformidade ou desconformidade de seus preceitos face às demais normas51. Deve-se buscar averiguar se determinado ato normativo é contrário ou não à Carta Magna52 e, se contrário, torná-lo ineficaz, anulá-lo ou nulificá-lo.
Segundo OSWALDO LUIZ PALU53:
“Define-se o controle da constitucionalidade dos atos normativos como o ato intelectivo de submeter à verificação de compatibilidade, normas de um determinado ordenamento jurídico, inclusive advindas do Poder Constituinte derivado, com os comandos do parâmetro constitucional em vigor, formal e materialmente (forma, procedimento e conteúdo), retirando do sistema jurídico (nulificando ou anulando) aquelas que com ele forem incompatíveis”.
De acordo com JORGE MIRANDA54:
“Constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, ou seja, a relação que se estabelece entre uma coisa - a Constituição - e outra coisa - um comportamento - que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não em seu sentido”.
Portanto, a inconstitucionalidade decorre do antagonismo e da contrariedade do ato normativo inferior em relação com as normas da Constituição (suas regras e princípios).
MICHEL TEMER55 assim se pronuncia:
“Controlar a constitucionalidade de ato normativo significa impedir a subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição. Também significa a conferência de eficácia plena a todos os preceitos constitucionais em face da previsão do controle da inconstitucionalidade por omissão.
Pressupõe, necessariamente, a supremacia da Constituição; a existência de escalonamento normativo, ocupando a Constituição o ponto mais alto do sistema normativo.(...)
Por isso, tais atos são presumidamente constitucionais até que, por meio de fórmulas previstas constitucionalmente, se obtenha a declaração de inconstitucionalidade e a retirada de eficácia daquele ato ou a concessão de eficácia plena (no caso de inconstitucionalidade por omissão).
A idéia de controle está ligada, também, à de rigidez constitucional.
De fato, é nas Constituições rígidas que se verifica a superioridade da norma magna em relação àquela produzida pelo órgão constituído. O fundamento do controle, nestas, é o de que nenhum ato normativo - que necessariamente dela decorre - pode modificá-la.
Da rigidez constitucional ‘resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior, de competência limitada pela Constituição mesma’”.
Confira-se as palavras de OSWALDO LUIZ PALU56, in verbis:
“A supremacia da Constituição, extrinsecamente considerada (...) acarreta o controle da constitucionalidade das leis, e leva à inconstitucionalidade, envolvendo tanto uma verificação externa dos requisitos formais de formação do ato, como uma verificação interna dos requisitos materiais ou substanciais, de conteúdo, compatível com a dispositio constitucional.
(...) A inconstitucionalidade é a mácula da norma, a premissa para a conseqüência da inconstitucionalidade (sanção), que poderá ser a inexistência, a nulidade, a anulabilidade, a mera irregularidade etc.
(...) Somente em atos dos agentes dos poderes políticos pode-se falar em inconstitucionalidade; aos particulares em suas relações privadas ou mesmo em suas relações jurídico-públicas não se dirá que praticam atos inconstitucionais passíveis de censura pela corte ou tribunal constitucional onde houver. Nesse caso, as sanções serão, evidentemente, de outra ordem. Se, v.g., a família ou a sociedade não cumprirem a prestação exigida pelo artigo 205 da CR/8857, nem assim terão incidido em inconstitucionalidade.
Quando se diz inconstitucionalidade, diz-se inadequação entre a ação ou omissão de agente ou órgão público frente aos postulados da Constituição, passível de ser aferida por um órgão com competência advinda da própria Constituição para dizer o que é e o que não é conforme a seus princípios.
(...) Por vezes, confunde-se inconstitucionalidade com ilegalidade. Ambos os conceitos têm relação com a contrariedade a normas. Entretanto, tudo depende da norma que disciplina o ato em questão. Se aquela for a Constituição, o ato será inconstitucional; caso contrário, se o requisito encontra-se na lei, a sua falta torna o ato ilegal.
(...) É possível a existência de inconstitucionalidade material ou formal sempre que a norma inconstitucional derive de processo de revisão ou emenda. Parece impossível haver normas constitucionais originárias inconstitucionais, posto que todas as normas de uma Constituição, princípios, regras, disposições transitórias etc., têm o mesmo nível hierárquico e advêm do mesmo Poder Constituinte”.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU58 já afirmou que é contrária à natureza dos corpos sociais se lhe impor leis que não possam ser revogadas. Porém, não é contra a natureza, nem contra a razão, que não se possam revogar as leis através de solenidades estabelecidas por elas próprias.
Segundo PAULO ROBERTO BARBOSA RAMOS59:
“Se a finalidade do constitucionalismo é garantir a existência dos direitos fundamentais, através da limitação do poder, sem, no entanto, representar um entrave às transformações sociais, que constituem um fato, que nada pode impedir, nem mesmo o constitucionalismo, tem este, para lograr cumprir sua natureza, a função de indicar os mecanismos através dos quais a ordem será alterada, para se adaptar ao novo momento histórico e o novo momento histórico a ela, sem que sejam feridas aquelas conquistas que representam um grande avanço no processo civilizatório, quais sejam: o reconhecimento do homem enquanto ser de direitos; o reconhecimento de que cada povo tem o direito de dar a si mesmo uma constituição que julga boa; que os que obedecem à lei devem também, reunidos legislar; a partir das quais o próprio constitucionalismo é identificado.
Então, a manutenção dessas conquistas é a função do constitucionalismo, que encontrou no controle de constitucionalidade das leis o mecanismo para a fiscalização dos limites das transformações sociais tendo em vista, em última análise, o resguardo dos direitos humanos fundamentais”.
E referido autor continua sua lição60:
“... o controle de constitucionalidade das leis só faz sentido dentro da idéia original do constitucionalismo, isto porque a constituição, o instrumento através do qual o constitucionalismo se mostra, nada mais é do que uma carta que torna de todos conhecido que as relações de poder devem ter como referência os direitos fundamentais e a impossibilidade de concentração do poder, com a finalidade de assegurar a subsistência dos direitos incorporados a algo que pode ser chamado de avanço no processo civilizatório.
(...) o controle de constitucionalidade das leis revela-se uma tarefa de extraordinária importância, não sendo responsabilidade apenas de um homem ou de alguns, mas de toda a coletividade.
Sendo assim, o controle de constitucionalidade das leis aparece como algo intrinsecamente ligado à democracia, porquanto voltado para garantir efetivamente o respeito a uma ordem que reconhece aos homens certos direitos inalienáveis e imprescritíveis, sem contudo desconhecer que a marca da democracia é a criação social de novos direitos, longe de ser mera conservação dos já conquistados.
(...) É por essa razão que o controle de constitucionalidade só faz sentido quando se volta para garantir um modelo de sociedade resultado de um consenso histórico, o qual procura dar dignidade a todos os homens, uma vez que todos são portadores de direitos inalienáveis e imprescritíveis”.
E, ainda, extraindo-se da obra de PAULO ROBERTO BARBOSA RAMOS61:
“A existência do controle de constitucionalidade das leis requer a presença de uma intenção de regular a atividade legislativa, dirigida a obter que dita atividade se desenvolva nos limites que estabelecem alguns preceitos, revestidos de determinadas particularidades, preceitos esses que recebem o nome de constitucionais. Os referidos limites, preceitos, marcos, referem-se aos direitos fundamentais da pessoa humana, caracterizadores do avanço do processo civilizatório.Portanto, a verdadeira razão da existência do controle de constitucionalidade das leis é justamente a de proteger esses princípios, bem como as instituições criadas para viabilizar a sua materialização.Cada sociedade, de acordo com o modelo de democracia que acolhe, privilegia o controle mais viável para efetivação dos direitos fundamentais”.
Se a inconstitucionalidade é a premissa, o ato inconstitucional poderá, como conseqüência ou sanção, na lição de JORGE MIRANDA62, ser considerado:
a) inexistente: quando não produzir efeito algum desde a origem, independentemente de declaração por qualquer órgão, e todos puderem se opor a ele e a sua execução;
b) nulo: o ato não produz efeitos desde a origem, mas é indispensável a declaração de inconstitucionalidade por órgão público previamente determinado para tal fim;
c) anulável: o ato produz efeitos e somente deixa de produzí-los quando for declarado inconstitucional; e,
d) irregular: a produção de efeitos do ato declarado inconstitucional não é prejudicada.
No Brasil, entende o Supremo Tribunal Federal, conjuntamente com a doutrina dominante, que o ato inconstitucional é nulo de pleno direito.
Porém, o ato supostamente inconstitucional63, mas não efetivamente declarado nulo pelo Poder Judiciário, gera efeitos, sendo um caso de nulidade virtual da lei, que tem eficácia formal, mas não tem eficácia substancial.
Para concluir o presente tópico, cumpre ressaltar as palavras de ALEXANDRE DE MORAES64, segundo o qual:
“O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição que além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito”.
Espécies de controle da constitucionalidade
Os dois principais sistemas de controle jurisdicional da constitucionalidade das leis são o difuso (de origem norte-americana) e o controle concentrado (surgido na Áustria, por obra de Hans Kelsen).
O sistema de controle difuso teve sua origem na Corte Suprema dos Estados Unidos, no caso Marbury v. Madison, onde o mentor da judicial review, John Marshall, inaugurou o controle, via recurso, da constitucionalidade das leis (conforme já visto anteriormente).
Pelo sistema difuso, o controle é atribuído aos diversos órgãos do Poder Judiciário, pelo que cada magistrado pode deixar de aplicar, ao caso concreto que lhe for submetido, uma determinada norma jurídica, quando a repute viciada de inconstitucionalidade. Nestes sistemas, o Tribunal Constitucional tem como função decidir a respeito da inconstitucionalidade enquanto última instância.
Já o sistema de controle concentrado resultou de criação de Kelsen, aparecendo em 1920, na Áustria.
Pelo modelo de controle concentrado, só pode analisar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, determinado órgão, designado costumeiramente por Tribunal ou Corte Constitucional.
Confira-se a lição de MAURO CAPPELLETTI65, in verbis:
“No que concerne, então, ao aspecto ‘subjetivo’ ou ‘orgânico’, podem se distinguir, segundo uma terminologia já bem conhecida, dois grandes tipos de sistemas de controle judicial da legitimidade constitucional das leis:
a) o ‘sistema difuso’, isto é, aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência; e
b) o ‘sistema concentrado’, em que o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário”
E referido autor66 continua:
“Ambos os sistemas se impuseram, também em época recente em mais de um País, mostrando, assim, uma verdadeiramente notável força de expansão.
O sistema ‘americano’, antes norte-americano, de judicial review encontra-se, sobretudo, em muitas das ex-colônias inglesas, como o Canadá, a Austrália, a Índia e em outras partes [tais como, o Japão, a Suíça, a Noruega, a Dinamarca e a Suécia - nossa a observação].
(...) Mas se muito grande foi a difusão do mais antigo sistema (‘difuso’) de controle de constitucionalidade, notável é também a difusão que, especialmente nos últimos anos, teve o outro sistema, ‘austríaco’ ou ‘concentrado’ [sistema este adotado, entre outros, pela Itália, Alemanha, Chipre, Turquia e Iugoslávia - nossa a observação] ...”.
E, colocando as razões e motivos que embasam as duas modalidades (ou espécies) de controle da constitucionalidade, MAURO CAPPELLETI (op. cit., p. 74 e segs.) assim leciona:
“Diante deste impressionante panorama geográfico da expansão dos dois contrapostos sistemas, o comparatista não pode deixar de perguntar-se qual seja a ratio ou, se se prefere, a ‘philosophy’ que está na base deles.
Comecemos pelo sistema mais antigo, ou seja, pelo ‘difuso’ ...
(...) a doutrina que está na base do mecanismo do controle judicial ‘difuso’ de constitucionalidade das leis é, com certeza, muito coerente e de extrema simplicidade: ela foi precisada, com grande clareza, já na motivação da famosa sentença de 1803, redigida por John Marshall, no caso Marbury versus Madison, e, ainda antes, tinha sido limpidamente formulada por Alexander Hamilton. Raciocina-se, em última análise, deste modo:
- a função de todos os juízes é a de interpretar as leis, a fim de aplicá-las aos casos concretos de vez em vez submetidos a seu julgamento;
- uma das regras mais óbvias da interpretação das leis é aquela segundo a qual, quando duas disposições legislativas estejam em contraste entre si, o juiz deve aplicar a prevalente;
- tratando-se de disposições de igual força normativa, a prevalente será indicada pelos usuais, tradicionais critérios ‘lex posterior derogat legi priori’, ‘lex specialis derogat legi generali’, etc.;
- mas, evidentemente, estes critérios não valem mais - e vale, ao contrário, em seu lugar, o óbvio critério ‘lex superior derogat legi inferiori’ - quando o contraste seja entre disposições de diversa força normativa: a norma constitucional, quando a Constituição seja ‘rígida’ e não ‘flexível’, prevalece sempre sobre a norma ordinária contrastante ...
Logo, conclui-se que qualquer juiz, encontrando-se no dever de decidir um caso em que seja ‘relevante’ uma norma legislativa ordinária contrastante com a norma constitucional, deve não aplicar a primeira e aplicar, ao invés, a segunda.
(...) A linearidade, a coerência e a simplicidade deste raciocínio são tais que, a quem não tenha aprofundado o fascinante assunto, pode ocorrer perguntar-se por qual estranha razão a Constituição austríaca de 1920-1929 tenha preferido por em prática, ao contrário, um sistema de controle ‘concentrado’ de constitucionalidade das leis...
(...) No método de controle ‘difuso’ de constitucionalidade - no denominado método ‘americano’, em suma - todos os órgãos judiciários, inferiores ou superiores, federais ou estaduais, têm, como foi dito, o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais aos casos concretos submetidos a seu julgamento.
(...) a introdução, nos sistemas de civil law, do método ‘americano’ de controle, levaria à conseqüência de que uma mesma lei ou disposição de lei poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional, por alguns juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada, porque não julgada em contraste com a Constituição, por outros. Demais, poderia acontecer que o mesmo órgão judiciário que, ontém, não tinha aplicado uma determinada lei, ao contrário, a aplique hoje, tendo mudado de opinião sobre o problema de sua legitimidade constitucional. Poderiam, certamente, formar-se verdadeiros ‘contrastes de tendências’ entre órgãos judiciários de tipo diverso (...) ou entre órgãos judiciários de diverso grau...
(...) A conseqüência, extremamente perigosa, de tudo isto, poderia ser uma grave situação de conflito entre órgãos e de incerteza do direito, situação perniciosa quer para os indivíduos como para a coletividade e o Estado.
(...) os Países a cuja tradição jurídica é estranho o princípio do stare decisis, deviam, obviamente, operar com instrumentos jurídicos bem diversos daqueles adotados no sistema estadunidense e em outros sistemas de common law. Tornava-se, em síntese, necessário naqueles Países, ou pelo menos oportuno, encontrar um adequado substituto da Supreme Court norte-americana, isto é, encontrar um órgão judiciário a que se pudesse confiar a função de decidir sobre as questões de constitucionalidade das leis, com eficácia erga omnes e, por isto, de modo tal a evitar aquele perigo de conflitos e de caótica incerteza do direito...
(...) Colocados diante desta exigência, os ‘pais’ da Constituição austríaca julgaram dever criar um órgão judiciário adequado, um Verfassungsgerichtshof, isto é, uma especial Corte Constitucional...
(...) Esta solução deu lugar, portanto, ao que foi chamado o controle ‘concentrado’ de constitucionalidade das leis: concentrado, precisamente, em um único órgão judiciário, idealizado e criado, propositadamente, para esta função de controle normativo (‘Normenkontrolle’)...
(...) Com efeito, óbvio que no sistema ‘concentrado’ (...) a doutrina da supremacia da lei e/ou da nítida separação dos poderes, com a exclusão de um poder de controle da lei por parte dos juízes comuns. Na verdade, no sistema de controle ‘concentrado’, a inconstitucionalidade e conseqüente invalidade e, portanto, inaplicabilidade da lei não pode ser acertada e declarada por qualquer juiz, como mera manifestação de seu poder e dever de interpretação e aplicação do direito ‘válido’ nos casos concretos submetidos a sua competência jurisdicional. Ao contrário, os juízes comuns - civis, penais, administrativos - são incompetentes para conhecer, mesmo incidenter tantum e, portanto, com eficácia limitada ao caso concreto, da validade das leis...”.
A supremacia da Constituição no direito comparado
Numa análise do tema em questão, especificamente no tocante ao direito alienígena, podemos constatar que a supremacia da Constituição é aceita quase unanimemente entre os povos e nações estrangeiras, como garantia da superioridade desta em relação às demais normas inferiores que compõem o ordenamento jurídico de cada Estado.
Vejamos:
Argentina:
“La Constitución, las leyes de la Nación y los tratados com potencias extranjeras son la ley suprema; están por encima de cualquier otra norma jurídica y también se encuentran por encima de las normas emanadas de autoridades provinciales.
Pero la constitución predomina por sobre todas las leyes y tratados, ya que las declaraciones, derechos y garantías que reconoce no pueden ser alterados por las leyes que reglamenten su ejercicio, tampoco ninguna norma jurídica puede modificar las instituciones de gobierno que establece. (Artículos 28 y 31 de la Constitución Nacional)”67.
Nicarágua:
“ARTICULO 182. - La Constitución Política es la carta fundamental de la República; las demás leyes están subordinadas a ella. No tendrán valor alguno las leyes, tratados, órdenes o disposiciones que se le opongan o alteren sus disposiciones”68.
Honduras:
Falando a respeito do tema da supremacia da Constituição da República de Honduras, H. ROBERTO HERRERA69 diz que:
“La Constitución es el primer fundamento jurídico-político del Estado. Es la fuente, por excelencia, del orden estatal entero. Por eso se le denomina ‘Norma o Carta Fundamental’, y aún ‘Ley de Leyes’, para significar su diferencia, supremacía o jerarquía superior sobre las leyes ordinarias y su posición como conjunto de normas fundamentales y como guía de comportamiento de gobernantes y gobernados.
En efecto, la Constitución emana del Poder Constituyente y tiene un valor fundante y fundamentador superior y anterior a las leyes ordinarias que adopta el poder constituido o Congreso Nacional. Normas fundamentales que se imponem al respeto de los tres poderes del Estado que sólo pueden ejercer atribuciones expresas que les confieran o sean compatibles com esas normas constitucionales en virtud de su supremacia en el orden jurídico nacional. Conforme a la supremacía material, el orden jurídico depende por entero de la Constitución, y todas las actividades del Estado están sujetas a ella, y por ello, los gobernantes que actúen en contra de lo que dispone la Constitución, se despojan, al mismo tiempo, de su investidura jurídica y de su legitimidad democrática.
La supremacia formal nace de la autoridad superior que, por su contenido, se reconoce a la Constitución rígida como la hondureña, por haber sido objeto de procedimiento especial para su elaboración por una Asamblea Nacional Constituyente, y por su reforma que sólo puede y debe hacerse conforme al procedimiento complejo señalado en la Constitución, y respetando los límites expresos e implícitos de esse poder reformatorio. La supremacia de la Constitución vigente de la República de Honduras emana de su forma y de su esencia contenida, en su preámbulo, y que refleja que ha sido decretada y sancionada ‘para que fortalezca y perpetúe un Estado de Derecho que assegure una sociedad política, económica y socialmente justa que afirme la nacionalidad y propicie las condiciones para la plena realización del hombre, como persona humana, dentro de la justicia, la libertad, la seguridad, la estabilidad, el pluralismo, la paz, la democracia representativa y el bien común”.
Equador:
“Art. 272. - La Constitución prevalece sobre cualquier otra norma legal. Las disposiciones de leyes orgánicas y ordinarias, decretos-leyes, decretos, estatutos, ordenanzas, reglamentos, resoluciones y otros actos de los poderes públicos, deberán mantener conformidad com sus disposiciones y no tendrán valor si, de algún modo, estuvieren en contradicción con ella o alteraren sus prescripciones.
Si hubiere conflicto entre normas de distinta jerarquia, las cortes, tribunales, jueces y autoridades administrativas lo resolverán, mediante la aplicación de la norma jerárquicamente superior”70.
México:
Sob o tema “Supremacia Constitucional y la Jerarquia de Normas. Analisis del Artículo 133 Constitucional”, HERIBERTO ANTONIO GARCIA71, assim se manifesta:
“La Supremacia Constitucional es uno de los temas más importantes del Derecho Constitucional y constituye uno de los principios en que se apoya nuestra norma fundamental.
Hablar de supremacia de la Constitución implica reconocer necessariamente la existencia de ordenamientos jurídicos situados en diversos planos, de donde surge la jerarquía de normas, entre las cuales la Constitución es suprema. Esta supremacia se extiende no sólo a ordenamientos legales, sino también a autoridades y particulares considerados individualmente, quienes deben ajustar sus actos a dicha Constitución; así mismo, las autoridades reciben sus facultades de esa norma fundamental, de acuerdo al principio de legalidad.
(...)
El principio fundamental sobre el que descansa nuestro régimen constitucional dice Lanz Duret, es la supremacía de la Constitución. La norma suprema no es un acto, sino un principio límite, es decir, una norma sobre la que no existe ningún precepto de superior categoría, la base de todo orden jurídico, dicha norma suprema es la Constitución Política de un país, la cual se encuentra en el vértice o cúspide de la pirámide jurídica y a partir de ella surge la jerarquización de las normas, dicha supremacía Constitucional consiste en que nada puede estar por encima de ella, refiriéndose a personas o autoridades y nadie, referiéndose a ordenamientos jurídicos. Jerárquicamente se establece su prioridad jurídica frente a los demás ordenamientos legislativos, ya que como producto originario de la soberanía del pueblo es la expresión misma de dicha voluntad popular.
(...)
La supremacía constitucional es uno de los principios fundamentales en que se apoya el derecho constitucional mexicano y consiste, por una parte, en que la Constitución ocupa el primer lugar entre todos los demás ordenamientos jurídicos, los cuales deben ajustarse a lo que establece la norma fundamental y por otra, que de acuerdo al principio de legalidad, las autoridades debe realizar sus actos dentro de los límites que ella misma les señala”.
Quênia:
A Comissão de Revisão da Constituição do Quênia (Constitution of Kenya Review Commision), em suas recomendações (recommendations), dadas por JAFFAR NJOROGE MWANGI, estabelece em seu preâmbulo o reconhecimento da supremacia da Constituição, nos seguintes termos: “Recognize supremacy of people Supremacy of constitution”72.
África do Sul:
“Chapter 1 - Founding Provisions
Section 1 - Republic of South Africa
The Republic of South Africa is on sovereign democratic state founded on the following values:
(...)
(c) Supremacy of the constitution and the rule of law.
(...)
Section 2 - Supremacy of Constitution
This Constitution is the supreme law of the Republic; law or conduct inconsistent with it is invalid, and the obligations imposed by it must be fulfilled”73.
Angola:
Considerando a necessidade de uma prévia definição de um conjunto de princípios fundamentais em que se deve basear o conteúdo da futura Constituição de Angola, a Comissão Constitucional aprovou, entre os princípios estruturais, o seguinte:
“12º. Consagrar o Princípio da supremacia da Constituição”74.
Aliás, segundo as palavras de RUI FERREIRA75:
“... de nada vale e nenhum sentido tem a Constituição que não é capaz de ser efectiva, isto é, de ser respeitada e cumprida por todos como a Lei Suprema do País ...”.
Nigéria:
O Comitê Presidencial de Revisão da Constituição da Nigéria de 1999 (Presidential Committee of the Review of the 1999 Constitution), confirma a supremacia e a defesa da Constituição, nos mesmos termos já elencados na seção 1 (section 1 of the 1999 Constitution), e complementa que:
“Section 1 of the 1999 Constitution expressly declares the Constitution as Supreme and having binding force on all authorities and persons throughout the Federation. This is the underlying principle behind all Constitutions as otherwise they would be reduced to ordinary legislations. (...) The Committee considered the full important of the submission for the containment of the Armed Forces in political governance as well as available approaches to ensure that the supremacy of the Constitution was effectively defended at all times. The Committee studied various options which had been proposed in the past and those which have been tried in some sister African countries which have known both Military intervention and Civilian despotism”76.
Paquistão:
BENAZIR BHUTTO77, falando à população paquistanesa, em comemoração ao “Dia do Paquistão” (Pakistan Day), incitando a supremacia da constituição, o respeito à lei e à democracia, assim se pronunciou:
“When our founding fathers resolved to carve out an independent state, they had in mind a state where Constitution, democracy and the rule of law reigned supreme. It is a sad thought that today in Pakistan the Constitution, the source of all civilized law, has not only been suspended but is being recast not through any mandate as provide for in the Constitution but by brandshing the coercive apparatus of the state and all state institutions made subservient to the will of an individual”.
Bahamas:
A supremacia da Constituição da Comunidade das Bahamas está declarada no Parágrafo 2, o qual especifica:
“2. Esta Constituição é a lei suprema da Comunidade das Bahamas e, sujeito às disposições desta Constituição, se qualquer outra lei for incoerente com esta Constituição, esta Constituição prevalecerá e a outra lei deve, na extensão de tal incoerência, ser anulada”.
A importância da supremacia da Constituição e dos princípios nela imbuídos, é que todas as legislações, ações governamentais e ações por parte dos cidadãos estão sujeitas a revisão pelas cortes para assegurar que sejam coerentes com a Constituição78.
Estados Unidos da América:
Segundo o Article VI, clause 2, da Constitution of the United States of America:
“This Constitution, and the Laws of the United States which shall be made in Pursuance thereof; and all Treaties made, or which shall be made, under the Authority of the United States, shall be the supreme Law of the Land; and the Judges in every State shall be bound thereby; any Thing in the Constitution or Laws of any State to the Contrary notwithstanding”79.
Em suas anotações sobre referido artigo da Constituição dos Estados Unidos da América, ANSELMO PRIETO ALVAREZ e WLADIMIR NOVAES FILHO80, assim esclarecem:
“- EUA: Quanto à questão de hierarquia das leis, verificamos que o sistema americano indica a supremacia da Constituição, assim como das leis federais e tratados em acordo com àquela, comparativamente às Constituições e leis estaduais.
- Brasil:
A hierarquia de leis, no sistema jurídico brasileiro, aponta somente para a supremacia da Constituição Federal, em relação a todas as demais normas inferiores a ela, de modo que em relação a estas últimas cada qual possui sua competência legislativa, que, caso for extrapolada pelo órgão legislativo específico, levará à inconstitucionalidade da norma defeituosa produzida”.
Discorrendo sobre a importância da Suprema Corte Americana na proteção da supremacia da constituição, sendo o seu guardião máximo, KEITH E. WHITTINGTON81, assim leciona:
“In the twentieth century, the Court asserted for itself the supreme role in interpreting the Constitution and giving voice to the fundamental law that all other government officials must follow. Although there have been occasional challenges to such judicial assertions, the Court was successful to a remarkable degree in sustaining its claims. The Supreme Court increasingly viewed itself, and was viewed by others, as the ultimate guardian of the Constitution”.
Conclusões finais
A par de tudo o quanto foi dito, analisado e verificado anteriormente, mister se faz encerrarmos este trabalho, elencando as nossas conclusões finais em relação ao mesmo, respeitando-se toda e qualquer opinião ou ponto-de-vista em contrário.
Vejamos:
É muito difícil fazer-se uma conceituação precisa do que vem a ser uma Constituição, posto que a mesma engloba vários significados, dependendo do ponto de vista que se busca analisá-la.
Nossa conceituação pessoal: “Constituição é o conjunto de regras jurídicas que regem a organização política, econômica e social de um Estado, estabelecendo os direitos e deveres básicos e fundamentais de todo o seu povo, bem como limitando e estabelecendo as diretrizes de atuação de seus governantes”.
Toda sociedade deve possuir uma Constituição - escrita ou costumeira - a qual determinará o regramento básico e fundamental de convivência entre as pessoas que a compõem.
Uma Constituição possui vários significados: a) tem um valor simbólico (é um símbolo antes de ser uma lei); b) tem um valor filosófico (impõe a idéia de que o poder dos governantes não é ilimitado); e, c) tem um valor jurídico (em razão de criar um sistema de normas jurídicas que regulam o poder, impõe procedimentos, estabelece garantias e limites ao cidadão, e prevê a participação dos cidadãos nas decisões da coletividade).
Na atualidade, o pensamento quase uníssono é no sentido de que qualquer Estado deve ter a sua organização fundamental fulcrada num documento escrito, ou seja, numa Constituição.
A difusão das Constituições ampliou o campo de atuação das mesmas, de forma que as atuais (ou “modernas”) apresentam-se como constituições políticas, econômicas e sociais.
A Constituição não pode ser vista ou taxada de mera “folha de papel”, nem mesmo como pura decorrência dos “fatores reais de poder” (FERDI-NAND LASSALLE). Mas, ao contrário, deve a Constituição transformar-se em força ativa - em razão de sua normatividade - visando realizar e orientar as condutas do povo, fazendo aflorar na consciência coletiva a “vontade da Constituição” (KONRAD HESSE).
A Constituição deve ter preservada sua força ordenadora e deve ser efetivamente obedecida, gerando efeitos na realidade social (OSWALDO LUIZ PALU).
O respeito à Constituição decorre de sua força motriz básica, de seu regramento de cunho fundamental, vale dizer, o cerne que deve existir na consciência de todo o povo e de todos os governantes, visando o progresso, o bem-estar e a convivência sadia e fraterna que deve prevalecer no seio da sociedade. E, em conseqüência a esse respeito decorre a prevalência das normas constitucionais, hierarquicamente superiores a quaisquer outras leis, sendo mesmo a lei suprema de uma nação.
Pela sua própria natureza, é a Constituição tida como o ápice (ou vértice) do ordenamento jurídico de um Estado, devendo todas as demais normas inferiores com ela conformar-se, obedecendo suas regras e comandos, sob pena de, se entrarem em confronto com suas disposições, serem tidas por inconstitucionais e, consequentemente, serem anuladas (por serem consideradas nulas e sem valor: null and void).
A supremacia da Constituição importa o aspecto material (de forma que as leis e atos normativos não podem contrariar as normas constitucionais) e também um aspecto formal (posto que é a Constituição que fixa a organização, a estrutura, a composição, as atribuições e o procedimento dos Poderes).
A decisão da Suprema Corte Norte-Americana (EUA), de 1.803, no famoso caso Marbury v. Madison, proferida pelo Chief Justice John Marshall, é tida como o marco histórico inicial do controle da constitucionalidade das leis, bem como da exaltação da supremacia da Constituição ante as demais leis e atos normativos que lhe são inferiores.
A idéia de que a Constituição deve ser preservada é a maneira encontrada de se preservarem os mais básicos e fundamentais valores acolhidos pela sociedade, alcançados por esta e lançados num corpo jurídico, como resultado de um longo evoluir histórico (ANDRÉ RAMOS TAVARES).
Segundo OSWALDO LUIZ PALU, citando KARL LOEWENSTEIN, as Constituições têm sofrido, nos últimos tempos, um certo declínio e desvalorização de seu prestígio, principalmente para o “homem da rua”, acarretando uma certa “fluidez” em sua supremacia.
Porém, muito embora as Constituições modernas talvez não atinjam diretamente o sentimento de regras de conduta como anseios profundos da população, nunca é demais lembrar que sua importância não pode jamais ser relegada a um segundo plano. Assim, não discordamos do fato de que a Constituição - como lei básica e fundamental do povo - perdeu muito aquele seu sentimento de luta, de grandiosidade e de significado simbólico de desenvolvimento democrático de anos atrás, mas, por outro lado, não podemos aceitar qualquer idéia contrária no sentido de minimização da importância da Constituição na formação de um Estado democrático de direito
O controle da constitucionalidade consiste na averiguação se determinado ato normativo é, ou não, contrário à Constituição e, se contrário, torná-lo ineficaz, anulá-lo ou nulificá-lo. Vale dizer, a inconstitucionalidade decorre do antagonismo e da contrariedade do ato normativo inferior em relação às normas da Constituição.
Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais (ALEXANDRE DE MORAES).
Os dois principais sistemas de controle jurisdicional da constitucionalidade das leis são o difuso (de origem norte-americana) e o controle concentrado (surgido na Áustria, por obra de HANS KELSEN).
Pelo sistema difuso, o controle é atribuído aos diversos órgãos do Poder Judiciário, pelo que cada magistrado pode deixar de aplicar, ao caso concreto que lhe for submetido, uma determinada norma jurídica, quando a repute viciada de inconstitucionalidade. Nestes sistemas, o Tribunal Constitucional tem como função decidir a respeito da inconstitucionalidade enquanto última instância.
Pelo modelo de controle concentrado, só pode analisar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, determinado órgão, designado costumeiramente por Tribunal ou Corte Constitucional
A supremacia da Constituição é aceita e estabelecida como fundamento básico de garantia de sua superioridade ante as normas infra-constitucionais na quase unanimidade dos ordenamentos jurídicos estrangeiros.
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