NOTAS SOBRE A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS - Guilherme Soares de Oliveira
Advogado em Ribeirão Preto/SP,
Pós-graduando na UNIFRAN
Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula Lopes
Mestre em Educação pela Universidade de Franca,
Geógrafo,
Bacharelando em Direito
.
Trabalho originalmente apresentado à Universidade de Franca, dentro do Curso de Pós-Graduação lato-sensu (especialização) em Direito Civil e Processual Civil.
Considerações introdutórias
O assunto ‘prisão civil do alimentante inadimplente’ não é novo, mas é de suma importância em função dos valores envolvidos. As presentes notas originam-se de pequeno trabalho acadêmico apresentado em curso de pós-graduação, sendo ao depois redigidas da maneira como aqui se encontram, para a oportuna utilização no cotidiano forense, fornecendo subsídios doutrinários e jurisprudenciais para ilustrar os arrazoados comuns no mister advocatício.
A precípua intenção do autor, pois, quando da oferta destas pequenas notas à publicação, é fornecer a tantos quantos lidem com o assunto, acadêmica ou profissionalmente, breves mas percucientes achegas, pelo que, sem mais delongas, e pedindo vênia por sua despretensão, passa-se à exposição.
Natureza jurídica da prisão civil do devedor de alimentos.
O instituto em análise pode, à primeira vista, por encontrar-se no Código de Processo Civil no Livro que trata da Execução, ser tido como procedimento; de outro lado, por sua denominação - “prisão” - pode sugerir a idéia de pena.
Nem uma, nem outra: como salienta YUSSEF SAID CAHALI, muito bem escorado no magistério de BARBOSA MOREIRA, PONTES DE MIRANDA e THEODORO JÚNIOR, a prisão do devedor de alimentos nada mais é do que “um meio de coerção tendente a conseguir o adimplemento da prestação por obra do próprio devedor, estando totalmente despojada do caráter punitivo.”1
Este, pois, o verdadeiro caráter da prisão do devedor de alimentos: meio de coerção a inibir sua recalcitrância. Não se trata de meio procedimental, tampouco corretivo ou punitivo, mas tão só compulsivo.
Previsão Constitucional
A Carta Política de 1988 consagrou como bem jurídico maior a vida. Ínsito a esta, como é cediço, é o direito que lhe transcende, não apenas de viver, mas de fazê-lo atendidas as condições mínimas indispensáveis à existência do ser humano.
Sobre o tema, encontra-se no escólio do pranteado WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO: “De fato, sobre a terra, o indivíduo tem inauferível direito de conservar a própria existência, a fim de realizar seu aperfeiçoamento moral e espiritual. O direito à existência é o primeiro dentre todos os direitos congênitos.”2
SÍLVIO RODRIGUES, na mais recente reedição de sua já consagrada doutrina civilista, é ainda mais eloqüente: “Talvez se possa afirmar que o primeiro direito do ser humano é o de sobreviver.”3
Casos há, porém, em que não logra o sujeito manter-se condignamente sua própria subsistência, geralmente por limitações físicas ou sociais, oriundas de sua peculiar situação. Em casos tais, é inexorável o dever moral de determinadas pessoas - notadamente seus ascendentes, descendentes maiores e cônjuges - de prover-lhe o indispensável.
Mas, como é da própria natureza humana, nem sempre o dever moral vê materializado no mundo fático seu propósito, daí a razão da existência do ordenamento jurídico positivo. Este, provido de sanção, melhor serve ao escopo da norma, seja legal ou moral, de compelir os indivíduos à sua observância.
A propósito, tem-se o magistério do sempre lembrado professor MIGUEL REALE: “O cumprimento obrigatório da sentença satisfaz ao mundo jurídico, mas continua alheio ao campo propriamente moral. Isto nos demonstra que existe, entre o Direito e a Moral, uma diferença básica, que podemos indicar com esta expressão: a Moral é incoercível e o Direito é coercível. O que distingue o Direito da Moral, portanto, é a coercibilidade. Coercibilidade é uma expressão técnica que serve para mostrar a plena compatibilidade que existe entre o Direito e a força.”4
Por isso que, dada a relevância do bem jurídico vida, com todos seus atributos, os instrumentos coercitivos postos à disposição do poder jurisdicional para efetivamente tutela-lo são sensivelmente mais eficientes do que aqueles tendentes a, exempli gratia, garantir o adimplemento de direitos patrimoniais.
A assistência ao cidadão incapaz de prover sozinho à sua própria subsistência interessa-lhe diretamente, como é óbvio, mas mediatamente também ao Estado é importante não relegar à necessidade seus súditos.
Dessa forma, a lei processual codificada - art. 733 do Código de Processo Civil - bem como a legislação extravagante específica à espécie - art. 19 da Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968 - estatuem como medida coercitiva à satisfação da obrigação alimentar a possibilidade de o juiz de direito decretar a prisão civil do devedor de alimentos injustificadamente inadimplente.
De outro lado, tem-se na Constituição Federal, também como princípio indissociável de seu espírito legalista e democrático, o direito à liberdade em seus vários aspectos, mas sobretudo no que se refere à liberdade corporal, física, o “ir e vir”. Nota-se, então, um outro direito fundamental, erigido também à condição de cláusula pétrea.
Amparado em GEORGES BURDEAU, o festejado constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA toma essa liberdade como “a possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de serem senhoras de sua própria vontade e de locomoverem-se desembaraçadamente dentro do território nacional.”5
Haveria assim, prima facie, um confronto entre dois bens jurídicos cuja tutela encontra guarida no art. 5º do Texto Magno.
O Texto Constitucional de 1988 explicita quase todos seus mais relevantes princípios no art. 5º, acabando por representar o norte a todo o ordenamento jurídico pátrio. A supremacia constitucional não apresenta derrogações condicionadas ao bem querer da comunidade política e jurídica, visto que, além da impossibilidade de ser objeto de emenda, conforme vedação inserta em seu art. 60, tais princípios, em especial a isonomia, o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, a presunção de inocência, a segurança jurídica, constituem fundamentos da própria jurisdição brasileira.
A solução à aparente colisão entre os cânones constitucionais exsurge do mesmo artigo 5º, há pouco referido, quando estabelece, em seu inciso LXVII, que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Atende-se, assim, ao princípio da legalidade, corolário da própria segurança jurídica, indissociável do Estado Democrático de Direito.
Qualquer prisão, seja na seara cível ou penal, deve ater-se inexoravelmente aos preceitos constitucionais, pena de afrontar a Lex Maior, não podendo subsistir, quer no âmbito legislativo, quer na própria situação fática particular em que ocorrer, restando, para tanto, não apenas os instrumentos processuais ordinários, mas também, e principalmente, os remédios constitucionais.
Por afrontar diretamente a liberdade do cidadão, bem jurídico tão caro ao legislador de 1988, buscando o rompimento definitivo com os “anos de chumbo” que tanto mancharam a história desse país, não se admite qualquer prisão desprovida de expresso permissivo legal.
Direito positivo infraconstitucional
Como já ventilado anteriormente, o Texto Magno (art. 5º, inciso LXVII) fornece o subsídio constitucional à prisão civil do devedor de alimentos como meio de coagi-lo à satisfação de sua obrigação, dês que tenha condições para tanto.
O dispositivo constitucional encontra sua regulamentação legal em duas normas de ordem infraconstitucional.
Na lei processual civil codificada tem-se o art. 733, verbis:
“Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetua-lo.
§ 1. Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
§ 2º. O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 3º. Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.”
Anterior ao Código de Processo Civil, mas específica sobre a matéria, daí preservar sua plena vigência, tem-se a Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, que dispõe sobre a ação de alimentos, e estabelece em seu art. 19:
“Art. 19. O juiz, para instrução da causa, ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.”
Análise sistemática desses dispositivos legais revela sua perfeita congruência não só à previsão constitucional do art. 5º, inciso LXVII, mas também aos outros direitos e garantias fundamentais que lhe cercam, conforme se há de constatar.
Natureza da prestação alimentícia tutelada
Por sua gravidade, a prisão ora tratada tem por escopo coagir aquele obrigado a prestar determinados alimentos que, por suas características, revelam-se aptos a reclamar a tutela diferenciada.
Ab initio, cumpre dizer que não se pode confundir esses alimentos com os deveres familiares, tomados em sentido amplo. Casos há, porém, em que podem assumir - irregularmente - tais feições, por exemplo os deveres de sustento e assistência devidos pelo marido à ex-mulher e seus filhos, após o rompimento da sociedade conjugal.
Conceituando a obrigação de prestar alimentos, diz ORLANDO GOMES tratar-se daquela “imposta em lei a certas pessoas ligadas pelo vínculo de família, que estejam em determinadas condições, consistindo na prestação do necessário ao sustento de quem o necessita, sem que o direito correspondente seja correlato a um dever inerente ao estado de cônjuge, ou pai.”6
Refere-se o saudoso mestre àqueles alimentos cuja previsão legal encontra-se no Código Civil: no artigo 231, inciso III, onde consagra-se o dever conjugal de mútua assistência; e nos artigos 396 usque 405, inspirados na solidariedade familiar.
O ilustre professor OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, atualizando a obra do não menos brilhante JOSÉ FREDERICO MARQUES, constata precisamente a que espécie de alimentos se refere o instituto sob análise: “A execução contemplada no art. 733 do CPC é relativa aos alimentos provisionais decorrentes de sentença ou decisão que venha a arbitra-los liminarmente. (...) A jurisprudência tem entendido, ainda, ser cabível a prisão civil do alimentante, não apenas no caso de alimentos provisionais, como também nas hipóteses de alimentos provisórios e definitivos.”7
Oportuna a constatação do mestre, na medida em que, falando o art. 733, caput, e o art. 735, ambos do CPC em “alimentos provisionais”, bateu-se a doutrina quanto à admissibilidade da prisão em relação aos alimentos provisórios, aos definitivos ou a ambos.
Com o passar do tempo e amadurecimento do debate, a mais respeitada doutrina foi pacificando o entendimento, escorado no art. 19 da Lei nº 5.478/68, que refere-se genericamente à “execução da sentença ou acordo”, ou “cumprimento do julgado ou acordo”, de que a permissão da prisão não se limitava a qualquer das espécies de alimentos isoladamente, sejam provisionais ou definitivos, portanto referindo-se a ambos.
Paulatinamente, como expõe YUSSEF SAID CAHALI, “a jurisprudência, particularmente do STF, no que é acompanhada pelos tribunais ordinários, firmou-se definitivamente no sentido de que, da composição dos textos do estatuto processual e da lei especial, resulta manifesto que a prisão civil do devedor tanto se legitima em caso de não pagamento de alimentos provisionais (ou provisórios) como em caso de não pagamento de alimentos definitivos.”8
Algo que não se discute, não se levantando qualquer voz em sentido contrário, é a impossibilidade de querer aplicar a medida coercitiva ao devedor de alimentos oriundos de imposição legal, exempli gratia condenação por ato ilícito, de ato unilateral, como é o caso da pensão legada por testamento, ou até mesmo contratual, situação da pensão convencionada quando da dissolução da sociedade de fato.
Construção jurisprudencial também pacífica em nossos pretórios refere-se ao número de prestações atrasadas (inadimplidas) a ensejar a prisão do devedor: três meses.
A ilustrar a assertiva, os seguintes julgados:
“PRISÃO CIVIL - Alimentos. Dívida pretérita. Três últimas prestações. Comprovação do pagamento. Tratando-se de cobrança de prestação alimentícia, este Tribunal firmou o entendimento de que a prisão somente se justifica quando se referir à cobrança das últimas parcelas em atraso. Comprovado o pagamento dessas prestações, não de justifica a manutenção da prisão.” (STJ - HC 12.764 - SP - 4ª T. - Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA - DJU 11.09.2000).9
“ALIMENTOS - Prisão civil. Deferimento parcial da ordem, para excluir as prestações vencidas há mais de três meses da data da propositura da ação e das posteriores à maioridade dos filhos.” (STJ - HC 16.921 - TO - 4ª T. - Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR - DJU 20.08.2001).10
“EXECUÇÃO DEE ALIMENTOS - Prisão. Débito que se estende ao longo do tempo. Constrição que se limita ao adimplemento das prestações mais recentes. Concessão da ordem de HC. A pena de prisão por dívida alimentar tem como pressuposto a atualidade do débito, de sorte que determinada a constrição como meio de coagir à quitação de prestações pretéritas inadimplidas, anteriores ao pagamento das três últimas parcelas vencidas, cabível é a concessão da ordem.” (STJ - HC 18.295 - 4ª T. - Rel. ALDIR PASSARINHO JUNIOR - DJU 18.02.2002).11
“HABEAS CORPUS - Prisão civil. Devedor de alimentos. Execução na forma do art. 733 do CPC. Na execução de alimentos, prevista pelo art. 733 do CPC, ilegítima se afigura a prisão civil do devedor fundada no inadimplemento de prestações pretéritas, assim consideradas as anteriores às três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da execução. O débito pretérito deve ser executado na forma do art. 732, CPC. HC concedido.” (STJ - HC 16.073 - SP - 4ª T. - Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA - DJU 07.05.2001.12
De modo geral, afigura-se acertado o posicionamento dos Pretórios, na medida em que as prestações há muito atrasadas perdem seu caráter urgente, travestindo-se em dívida pecuniária comum, chegando mesmo a perder seu caráter alimentar. Ademais, conclui-se que a inércia do credor revela desinteresse ou desnecessidade dos alimentos, só se concluindo de forma diversa em situações peculiares.
Assim, de um modo geral entende-se que as prestações que superam os três últimos meses assumem caráter indenizatório das despesas do alimentando, devendo ser cobradas como preceitua o art. 732 do CPC, pelo procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente.
Mas, a confirmar a regra, surgem as exceções:
“ALIMENTOS - Prisão do devedor. Parcelas pretéritas que, por acordo nos autos, se tornam atuais. Se, no curso da execução, o devedor dos alimentos paga a pensão relativa aos três últimos meses, e se compõe com o credor de sorte a pagar as parcelas antigas em prestações futuras, a inadimplência quanto a estas torna legal a prisão do alimentante.” (TJMG - AG 000.235.819-0/00 - 2ª C. Cív. - Rel. Des. LÚCIO URBANO - DJMG 20.11.2001).
“PRISÃO CIVIL - Alimentos. Seguidas execuções fundadas no art. 733 do Código de Processo Civil. Reconhecida recalcitrância. A jurisprudência que, vinculada às peculiaridades dos casos concretos, restringe a prisão ao pagamento das três últimas prestações, não constitui regra absoluta, comportando temperamento após a análise das circunstâncias de cada caso. Recusada a justificativa e tendo o devedor permanecido inadimplente no curso da execução fundada no art. 733 do CPC, legítimo se afigura o aprisionamento em virtude do não-pagamento das três últimas prestações vencidas antes da execução acrescidas das que se venceram no curso dela.” (STJ - RHC 10.492 - SC - 4ª T. - Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA - DJU 04.12.2000).13
Surge essa interessante questão, referente às prestações que se vão vencendo no curso do procedimento executivo fulcrado no art. 733 do CPC: estariam também tuteladas pela prisão coercitiva prevista no dispositivo?
A consciência dos mais preclaros magistrados vem evoluindo no sentido de que, por uma questão de lógica e de efetividade, também os alimentos incidentes no curso do procedimento executivo especial do art. 733 do CPC também estariam sujeitas à tutela da prisão civil:
“ALIMENTOS - Execução. É cabível a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia, mais as que vencerem no curso do processo. Precedentes.” (STJ - HC 18.885 - RJ - 3ª T. - Relª. Min. NANCY ANDRIGHI - DJU 04.03.2002).14
Por fim, ressalte-se que o valor a ser pago pelo devedor, sob pena de prisão, deverá naturalmente ser acrescido de juros e correção monetária, mas nunca de honorários advocatícios ou outras verbas eventualmente relacionadas, inclusive despesas processuais.
Aspectos processuais
Competente para decretar a prisão do devedor inadimplente é, como não poderia deixar de ser, o juízo da causa em que se postula ou foram deferidos os alimentos, não sendo investido de tal poder, por exemplo, o juízo deprecado para execução, citação ou penhora.
Quanto ao pedido, posiciona-se a doutrina de modo majoritário, e a jurisprudência é quase unânime no sentido de que não pode o juiz decretar ex officio a prisão, dependendo de manifestação do credor/alimentando ou alimentário.
Quanto ao Ministério Público, também é majoritário o posicionamento pretoriano e doutrinário de que, por atuar como fiscal da lei, ou não possuindo legitimidade ad processum para postular alimentos em nome do menor ou incapaz, não pode requerer a imposição da medida coercitiva ao devedor de alimentos.
YUSSEF SAID CAHALI ressalva a inovação trazida pelo art. 201, inciso III do Estatuto da Criança e do Adolescente, reconhecendo excepcional legitimidade ao Promotor de Justiça para propor ação de alimentos em favor do menor em situação irregular, contra o respectivo responsável.
Nesse sentido, leciona o mestre: “Em casos tais, colocando-se o Promotor da Infância e da Juventude como substituto processual, com legitimação extraordinária para iniciativa da ação alimentar em favor do menor, esta legitimação se estende para todos os atos executórios tendentes ao adimplemento compulsivo da pensão, incluindo-se portanto a execução de sentença na modalidade prevista no art. 733 do CPC.”15
Para NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DEE ANDRADE NERY, porém, o art. 19 da Lei nº 5.478/68 “é cogente, determinando ao juiz que decrete a prisão do devedor de alimentos nas hipóteses legais. O MP, como fiscal da lei, pode requerer a decretação da prisão.”16
Também na legitimação extraordinária conferida ao parquet pelo art. 2º da Lei nº 8.560/92 para a ação de investigação de paternidade, poderá o órgão ministerial pleitear a medida.
Exaurimento dos outros meios de expropriação anteriormente à coerção pessoal
Bate-se a doutrina e a jurisprudência, ante a assimetria dos textos legais pertinentes à espécie, com a necessidade, ou não, de se esgotarem os outros meios expropriatórios antes de recorrer o credor à medida coercitiva.
O dilema origina-se do ponto de partida tomado na aplicação da lei, como relata YUSSEF SAID CAHALI: “a) ou se parte da afirmação ‘a priori’ da existência de um discutível direito de opção em favor do alimentado, quanto à forma de execução que lhe pareça mais conveniente; b) ou se parte da afirmação ‘a priori’ da existência de outro igualmente discutível direito do devedor de alimentos de somente ser executado pelo modo que lhe seja menos inconveniente.”17
Entendemos, com esse autor, que podendo a qualquer tempo o credor requerer a prisão do devedor, dês que atendidos os requisitos legais, cumpre antes, ao menos, perscrutar pela satisfação do débito por algum dos outros meios executivos admitidos. Verificada a injustificável resistência do devedor em solver sua obrigação, aí sim não se poderá furtar à prisão, então requerida pelo exeqüente.
No caso da execução por quantia certa contra devedor solvente, pela qual pode indubitavelmente optar o credor, a opção pela via coercitiva poderá ser feita a qualquer tempo; em se tratando dos meios específicos à execução de alimentos, e por sua própria natureza de pagamento direto ao devedor, a impossibilidade de efetivar-se o disposto no art. 17 da Lei nº 5.478/68 e no art. 734 do CPC, também darão azo ao decreto de prisão.
Aliás, como ensina o citado autor, “o exaurimento da execução por sub-rogação, como condição para o emprego dos meios coercitivos do art. 733 e parágrafos do CPC, só se faz exigível nos limites do pagamento direto do art. 734 do CPC e do art. 17 da Lei de Alimentos.”18
Tal entendimento, segundo nos parece, é o que melhor soluciona o cotejo entre a necessidade premente de um e a liberdade individual de outro.
Prazo da prisão
Sustenta HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que “o prazo de duração da prisão, todavia, é diferente: na execução da prestação de alimentos provisionais, pode variar de um até três meses (CPC, at. 733, § 1º); e no caso de alimentos definitivos, só poderá ir até o máximo de sessenta dias (Lei n 5.478/68, art. 19).”19
Parece, prima facie, a melhor solução, ante os diferentes prazos previstos no Código de Processo Civil e na Lei de Alimentos.
Autores há, porém, como JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA20, que entendem derrogado o final do art. 19 da Lei nº 5.478/68 pelo § 1º do art. 733 do CPC, podendo o juiz decretar a prisão, então, por um prazo entre um e três meses, em qualquer situação.
Entendemos, com algum suporte doutrinário, encontrar-se a solução no art. 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual a lei nova, em sendo geral, ainda que contenha disposição contrária à lei especial não a revoga, sequer no ponto em que há contrariedade.
Desta feita, como leciona SAID CAHALI, amparado em julgado do Pretório Excelso21, “o juiz deverá dosar o tempo de duração segundo as circunstâncias, sempre respeitado porém o limite máximo de 60 dias, caracterizando-se como ilegal a estipulação no que exceder àquele limite.”22
Cessada a coação, pelo pagamento ou cumprimento do prazo de prisão estipulado, for o devedor colocado em liberdade, não estará isento de voltar a sofrer o mesmo constrangimento em sua liberadade.
Se permanecer recalcitrante, sendo ajuizada outra execução com fundamento no art. 733 do CPC, de novas parcelas vencidas e não pagas, novamente poderá sujeitar-se o devedor à prisão civil.
E assim, por quantas vezes forem necessárias a compeli-lo ao pagamento.
Veja-se, a propósito, a senda mansamente trilhada pelo Pretório Excelso:
“Pode ser decretada e imposta a prisão por inadimplemento da obrigação alimentar, tantas vezes quantas necessárias ao cumprimento da obrigação.
O impeimento do art. 733 do CPC foi revogado pelo art. 4º da Lei 6.014/73, que estabeleceu o § 1º do art. 19 da Lei 5.478/68.”23
“É legítima a renovação da prisão do alimentante inadimplente, quando deixa de pagar a pensão dispondo de recursos para tal.”24
Defesa do devedor
Citado para pagar as prestações alimentícias em atraso - até três últimas, segundo construção jurisprudencial - pode o devedor alegar as matérias de defesa que logicamente opõem-se aos requisitos previstos no art. 733, caput, provando já estar quitado o débito ou que lhe é impossível fazê-lo.
Além destas, poderá, inda, alegar tanto quanto lhe pareça adequado a elidir o gravame iminente, devendo, em todos os casos, arcar com o ônus da prova.
Por isso, ser-lhe-á concedido o tríduo legal para dilação probatória, quando necessariamente haverá de apresentar os elementos de prova a corroborar suas assertivas. Sobre suas escusas e justificativas deverá o magistrado manifestar-se, fundamentadamente, sob pena de nulidade da decisão que deferir ou não o decreto de prisão.
De qualquer forma, provando que a situação concreta divorcia-se da ressalva constitucional da vedação de prisão por dívidas, “salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia”, não poderá o devedor padecer da coerção corporal.
Tanto do despacho que manda citar o devedor nos termos do art. 733 do CPC, quanto da decisão que lhe decreta a prisão, cabe o recurso de agravo de instrumento; assim também quanto ao indeferimento da prisão civil.
Não há dúvida quanto à adequação do remédio heróico do habeas corpus a impedir ou fazer cessar a coação sofrida pelo devedor através da prisão civil, quando revestir-se de ilegalidade. Mesmo nas oportunidades em que mais adequado seria o agravo de instrumento, já é posição pacífica no Egrégio Supremo Tribunal Federal, e com ele todos os outros da nação, de que também se admite o habeas corpus.
Questão que se coloca é relativa ao mandado de segurança, posto que previsto naqueles casos em que descabido o remédio heróico.
A solução exara da constatação doutrinária de que o writ circunscreve-se a limitado campo de análise. A propósito, assim se manifesta ARAKEN DE ASSIS:
"De limite angusto, a cognição judicial neste remédio jamais desce à planície valorativa do error in judicando, da injustiça do ato e da valoração da prova.. Exemplificativamente, se afiguram compatíveis com os lindes escassos da impetração as seguintes matérias: a) incompetência do juízo; b) falta de pedido; c) falta de indicação ou de ilíquida da dívida; d) ausência de chamado para o devedor se manifestar sobre o cálculo de liquidação; e) omissão de prazo para defesa; f) recusa imotivada de abertura da fase instrutória; g) desobediência ordem preferencial dos meios executórios; h) decisão carcerária prematura, expedida antes da determinação para que sejam efetuados descontos de diferenças de reajustamentos da pensão alimentícia; i) inexistência ou insuficiência da motivação do ato decisório; j) extinção da dívida por causa superveniente à defesa." 25
Como se vê, situações outras podem haver, em que não se adeque este remédio ou o agravo de instrumento, ensejando, aí, a impetração do mandado de segurança.
Todavia, como o mandamus pressupõe direito líquido e certo, de plano demonstrado, também seu campo de análise é limitado.
Local da segregação
Não se aplicam, aqui, o sursis ou os regimes semi-aberto e aberto, por versarem sobre matéria penal, e por tolhirem à prisão civil seu caráter coercitivo, única razão de sua existência.
Podem referir-se, tão somente, à pena imposta por eventual crime de abandono material, que obviamente pode verificar-se em casos tais, pela própria relutância em adimplir as prestações alimentícias.
Apesar dessas colocações, encontram-se na jurisprudência dedcisões isoladas em sentido oposto.
Todavia, no que pertine à prisão especial, não se olvida de sua aplicação ao devedor de alimentos recalcitrante que tem nível universitário, ressalvada a impossibilidade de sua transformação em prisão domiciliar ou em liberdade vigiada.
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