A CONSTRUÇÃO DA PENSÃO NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO E AS REPERCUSSÕES DO DIREITO CIVIL - Lásaro Cândido da Cunha - Fernanda de Brito Leão Viana

Professor de Direito Previdenciário da PUC/MG,
Mestre em Direito Processual,outorando em Direito Constitucional pela UFMG,
Ouvidor Geral da OAB/MG.


Fernanda de Brito Leão Viana
Professora de Direito Previdenciário do Unicentro Izabela Hendrix e da Fadisete,
Mestre em Direito Processual,Advogada.

SUMÁRIO: Introdução. Os Fundamentos dos Diversos Ramos do Direito; 1 - A Origem e a Evolução da Pensão Previdenciária no Brasil; 2 - Os Pensionistas; 2.1 - Os filhos e a maioridade civil. Inaplicabilidade da nova regra da maioridade do código civil; 2.2 - A emancipação civil e a pensão previdenciária; 2.3 - Direito adquirido. Maioridade civil. Efeitos previdenciários; 2.4 - O menor sob guarda; 2.5 - Esposa; 2.6 - Marido e companheiro; 2.7 - O casamento. União estável. Concubinato: proteção previdenciária; 2.8 - União homossexual e a pensão previdenciária; 3. - A Pensão no Direito Comparado; 3.1 - Direito russo; 3.2 - Direito espanhol; 3.3 - Direito português; Referências Bibliográficas.


Introdução - Os Fundamentos dos Diversos Ramos do Direito


O Direito é uno na sua concepção normativa. Todavia na regulamentação da vida social com suas especificidades e complexidades, o Direito oferece também fundamentos múltiplos e específicos em cada área da vida social que regula.


Aliás, o progresso humano e o aumento da complexidade das suas relações impõem que o próprio Direito vá se ajustando a essas especificidades que a vida moderna exige.
Exemplo dessa dinâmica está na múltipla abordagem que os diversos ramos do Direito empregam no exercício de direitos ou prerrogativas a partir da fixação etária, por exemplo.


Para o Direito Civil, a idade tem desdobramentos na fixação da capacidade civil que atualmente se alcança aos 18 (dezoito) anos (art. 5º do Código Civil vigente a partir do dia 11 de janeiro de 2003).
Todavia, não é infrenqüente constatar que alguns intérpretes do Direito Civil extraem deste as normas específicas que julgam ser acolhidas por todos outros ramos do Direito, como, por exemplo, a incidência imediata no Direito Previdenciário da obtenção da capacidade civil para efeito de pensão.
Na verdade, há em outros ramos do Direito especificidades em relação à questão etária, por exemplo, que escapam à incidência imediata em outras áreas da vida social.


Com efeito, no que se refere ao Direito Constitucional, por exemplo, a idade é considerada para o exercício dos direitos políticos e para o exercício de cargos públicos. Preceitua o art. 14, § 3º, inciso VI, as condições de elegibilidade, estabelecendo a idade mínima de 35 (trinta e cinco) anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 21 (vinte e um) anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz; 18 (dezoito) anos para Vereador.


Já no Direito Penal, também a questão etária é considerada para definir a imputabilidade penal e também o quantum da pena. O Código Penal estabelece que o infrator menor de 21 (vinte e um) anos ou maior de 70 (setenta) anos de idade tem a pena atenuada. Com efeito, com o novo Código Civil em vigor, a capacidade civil é alcançada aos 18 anos, mas nem por isso o agente infrator com 18 a 21 anos de idade perde os privilégios da diminuição da pena (circunstâncias atenuantes). 1 Na verdade, o legislador penal ao estabelecer a redução da pena em função de critério etário não considera apenas a capacidade civil, mas o faz pela dimensão da pessoa no espaço cultural, econômico e político.


Nesse contexto, também no Direito do Trabalho, não é permitido o vínculo de emprego antes dos 16 (dezesseis) anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos (art. 7º, XXXIII, da CF, alterada pela Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998). A própria Consolidação das Leis do Trabalho estabelece no art. 402 que "considera-se menor para os feitos desta Consolidação o trabalhador de 14 (quatorze) até 18 (dezoito) anos".


Por sua vez, o Direito Previdenciário também sofre os reflexos do Direito Civil, mas não absorve as novas concepções da regulação da vida civil de imediato. A questão está bem visível com a maioridade civil aos 18 anos reduzida pela nova sistemática do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) e seus reflexos na legislação previdenciária. A questão em debate é saber se estaria excluído o benefício de pensão ao filho maior de 18 anos como conseqüência direta da modificação do Código Civil.


O fato é que, pelo critério etário, são estabelecidas restrições ao exercício de direitos, conforme a natureza desse Direito, se político, se civil, se previdenciário, ou seja, cada ramo do Direito, constitucional, civil, previdenciário, acaba adotando regras específicas a partir de critérios políticos, econômicos, sociais, respeitando as especificidades de cada área. Assim, mesmo sendo civilmente capaz para todos os atos da vida civil aos 21 anos, não considerou o constituinte de 1988 o cidadão apto para o exercício de todos os cargos, como, por exemplo, o da Presidência da República.


Raro na doutrina, mas ABEN ATHAR NETO escreveu em 1960 um título de seu livro dedicado a estabelecer os fundamentos diferenciados do Direito Civil e da Previdência Social. Segundo o autor, "a pressão que as leis de previdência fazem contra a fixação da maioridade, tabu jurídico legal como os demais ditames civilistas. A primeira reação da maioria de nossos juristas, às insinuações de que um novo direito, uma nova sistemática nascia, era a de que se novas relações de direito podiam perfeitamente comportar-se com o mundo civilístico vigente". ABEN explica que a "Previdência Social, com o trabalhismo e o sindicalismo, não querem abolir o Código Civil, mas reajustá-lo às condições atuais da vida. A era individualista, vai cedendo e o Código Civil há de ser a expressão desse itinerário irremissível. O tabu da maioridade cedeu às exigências dos reclamos econômicos das gerações, cedo acordados para a luta pela vida. Se precárias as razões de ordem biológica que teria fixada da maioridade aos 21 anos, para os dois sexos, mera conseqüência de tradição, mais tênues as razões de ordem social. É verdade que o tabu permanece no Código Civil; mas a Previdência Social deu ao limite dos 18 anos uma importância absoluta". O autor prossegue questionando a aplicação imediata do Direito Civil no Previdenciário, tentando criar fundamentos diferenciados para o último, o que é raro na doutrina brasileira. (1960:174-176)


Com isso fica claro, com a sucinta introdução preliminar, que cada ramo do direito se alicerça em fundamentos específicos da vida social, o que afasta de imediato a aplicação das alterações da legislação civil, em especial, no Direito Previdenciário.


1 - A Origem e a Evolução da Pensão Previdenciária no Brasil


Desde os primórdios da civilização, o homem já se preocupava com as consequências advindas da morte. Há algumas referências esparsas na história das civilizações iniciais. O registro mais antigo escrito é o Código de Hamurabi (1728-1686 a.C.), descoberto em 1902 e tem vários artigos de natureza protetiva. Veja-se, por exemplo, o art. 24:


"Se foi uma vida, a cidade e o governador pesarão uma mina de prata para a sua família."
Especificamente no Brasil, com a criação da Previdência Social oficial pelo Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, conhecida como Lei Eloy Chaves (primeira norma a instituir a Previdência Social no Brasil a partir das "Caixas de Aposentadorias e Pensões"), foi estabelecido o benefício denominado "pensão por morte" exatamente para amparar os dependentes do segurado, quando de seu falecimento.
Dispunha o art. 26 do Decreto nº 47.682, de 24 de janeiro de 1923, o seguinte:
"No caso de falecimento do empregado aposentado ou do ativo que contar mais de 10 anos de serviços efetivos nas respectivas empresas, poderão a viúva ou o viúvo inválido, os filhos e os pais e irmãs enquanto solteiras, na ordem da sucessão legal, requerer a pensão criada por esta lei."


No caso dos filhos homens, a pensão se extinguia aos 18 anos de idade. Por sua vez, para as filhas ou irmãs solteiras, a pensão seria extinta até que contraíssem matrimônio (art. 33 do referido Decreto). 2 
Com efeito, o Decreto nº 20.465, de 1º de outubro de 1931, ainda na época do período de existência das Caixas de Aposentadorias e Pensões, manteve o sistema do benefício de pensão aos dependentes inteiramente desatrelado da maioridade fixada pelo então Código Civil.


Mantendo a mulher, marido inválido, filhos legítimos, legitimados, naturais (reconhecidos ou não), adotados legalmente, pai inválido e mãe viúva e irmãs solteiras, novamente manteve o legislador o direito à pensão das filhas sem limite etário, desde que não houvesse contraído matrimônio. Já os filhos eram excluídos do direito ao benefício de pensão previdenciária aos 18 aos de idade, salvo se "tiverem defeito físico que os habilite para o trabalho, os quais receberão pensão sem limite de idade, desde que, por exame médico se lhes comprove a inabilitação" (art. 34). 3 
Por sua vez, a companheira, exclusivamente essa modalidade, ainda não tinha reconhecida sua condição de dependente previdenciário do companheiro. Na verdade, naquela época a companheira poderia ser incluída pelo segurado como dependente, mas na condição de "pessoa designada", a qual poderia ser preterida pelos filhos ou esposa do segurado.


Já no período de 1933 a 1960, foram instituídos os IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões, que abrangiam os trabalhadores que exercessem a mesma atividade profissional, sendo os mais conhecidos IAPI (industriários), IPC (comerciários), IAPM (marítimos), dentre outros.
Com efeito, a partir do período de existência dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, também a pensão para filhos e outros dependentes continuou sendo tratada com fundamento específico do Direito Previdenciário, separado da concepção do Direito Civil.


Veja-se pelo Decreto nº 2.122, de 9 de abril de 1940, que dispõe sobre o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, que a pensão por morte (seguro por morte) era devida aos filhos de qualquer condição menores de 18 anos ou inválidos, e as filhas solteiras, de qualquer condição ou idade (art. 32).
Em face das diversidades de instituições de regimes, bem como elevado número de pessoas excluídas do sistema, em 1960 foi editada a Lei nº 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social, com o objetivo de uniformizar o sistema previdenciário, representando um grande avanço em matéria de proteção social.


A LOPS trouxe profundas modificações no sistema previdenciário então vigente e, especificamente em relação ao benefício de pensão, alterou a relação dos dependentes do segurado.
Eram considerados dependentes para efeito de pensão:
"I - a espôsa, o marido inválido, os filhos de qualquer condição menores de dezoito anos ou inválidos, e as filhas solteiras de qualquer condição menores de vinte e um anos ou inválidas." (art. 11)
No referido texto, ainda não aparece a companheira, nesta qualidade. A inclusão da companheira no Regime Geral somente adveio com a Lei nº 5.890, de 08.06.1973, que alterou o art. 11 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, para incluir formalmente a companheira "mantida há mais de 05 anos" pelo segurado. Passa então a companheira à condição de dependente de classe "A", dividindo o benefício de pensão com os filhos e a esposa do segurado.
Com a promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, que instituiu a Seguridade Social, 4 ficou estabelecido pelo art. 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que os projetos de lei relativos à organização da Seguridade Social e aos planos de custeio e de benefícios deveriam ser apresentados no prazo máximo de 06 meses, os quais passariam pela aprovação do Congresso Nacional e implantados progressivamente. 5 


Pois bem, em 25 de julho de 1991 passaram a vigorar as Leis nºs 8.212 e 8.213 que tratam, respectivamente, do custeio e benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social, em relação ao benefício de pensão, define a relação de dependentes que fazem jus ao benefício:


"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21(vinte e um) anos ou inválido.
§ 1º a existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada."
Releva ponderar a respeito que pertinente aos dependentes (beneficiários) do seguro social, a legislação brasileira é das mais avançadas, tanto no que tange às categorias de pessoas susceptíveis de serem inscritas, como no concernente às restrições impostas para a percepção dos benefícios da previdência social. 6 


2 - Os Pensionistas


2.1 - Os filhos e a maioridade civil. Inaplicabilidade da nova regra da maioridade civil
O antigo Código Civil de 1916 estabelecia que a capacidade plena para a prática dos atos da vida civil era adquirida pela pessoa natural quando esta alcançasse a maioridade ao completar 21 anos de idade ou pela emancipação.


"Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil." (art. 9º do Código Civil de 1916) 7 
A limitação de idade para definir a capacidade plena para a prática dos atos da vida civil está diretamente relacionada com a consciência, com a maturidade de que a pessoa deve ter para praticar e assumir os efeitos de seus próprios atos.


PONTES DE MIRANDA aduz que tal fixação de idade, que poderia ser aos vinte cinto, ou mais tarde, ou entre vinte e um e vinte e cinco, ou antes de vinte um, apenas é expediente para se tornar quantitativo o qualitativo. 8 


Com efeito, pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, com vigência a partir de 11 de janeiro, a maioridade civil passa para 18 anos completos, adquirindo a partir daí a capacidade plena para o exercício dos atos da vida civil.


Nesse contexto, muitos civilistas anunciam que o novo Código Civil teria efeito imediato na regulamentação da pensão previdenciária, excluindo os filhos maiores de 18 anos de idade.
Todavia, conforme já ressaltado neste artigo, os fundamentos que alimentam o legislador previdenciário e civil são diferentes. Tanto é verdade que há na história da legislação previdenciária e civil total falta de sintonia em relação à maioridade civil e à inclusão como dependente previdenciário.
Com efeito, até 1991, por exemplo (Lei nº 8.213/91, de 25.07.1991), filhos homens eram dependentes até os 18 anos (a maioridade civil era obtida aos 21 anos de idade), ao passo que as filhas tinham a condição de dependentes até os 21 anos. A partir de 1991, houve a uniformização da idade dos filhos aos 21 anos (homem e mulher) para efeito de pensão previdenciária dos pais, inspirado na Constituição Federal de 1988, que estabeleceu isonomia entre homem e mulher, exceto nos itens que excepciona.
Portanto, a ligação direta da maioridade civil como excludente do direito à pensão previdenciária não encontra amparo nos fundamentos das respectivas áreas do direito.


2.2 - Emancipação civil e a pensão previdenciária


A legislação previdenciária no que concerne o direito à pensão dos filhos menores foi alterada pela Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995. Até então, os filhos menores de 21 anos ou inválidos para atividade laborativa, eram dependentes privilegiados dos pais para efeito da pensão previdenciária.
A alteração consistiu na introdução da emancipação também como elemento para exclusão dos filhos da condição de dependentes para efeito de pensão. 9 


É possível concluir então que a lei previdenciária (lei especial) incorporou algumas regras da legislação civil para serem usadas na pensão previdenciária, as quais ficaram gravadas como normas também de caráter especial.


O Código Civil de 1916, vigente até 10 de janeiro de 2003, fixava a maioridade civil aos 21 anos, o qual estabelecia as seguintes hipóteses para a emancipação:
"I - por concessão do pai, ou se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 18 (dezoito) anos cumpridos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau científico em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria."


Já a lei previdenciária fixava a idade independentemente da capacidade civil coincidentemente também aos 21 anos de idade, mas sem extrair do Código Civil o critério etário. Ou seja, a lei previdenciária colheu da lei civil apenas as hipóteses de emancipação, as quais incorporou no seu sistema.


O atual Código Civil, por sua vez, fixa a maioridade aos 18 anos, mas esta regra não tem incidência imediata na legislação previdenciária, mesmo porque a maioridade civil não coincide necessariamente com os fundamentos utilizados pelo legislador para conferir ao filho a condição de dependente previdenciário, conforme, aliás, são inúmeros os precedentes legislativos vigentes no Brasil.
Aliás, os próprios civilistas reconhecem os fundamentos específicos que utiliza o legislador para arbitrar a idade a qual julga capaz o homem para todos os atos da vida civil.


Sobre os fundamentos da maioridade civil, ROBERTO DE RUGGIERO alega que a consciência que a pessoa deve ter dos atos jurídicos e da importância dos seus efeitos, exige que se fixe um termo antes do qual à falta de maturidade da mente corresponda uma incapacidade de agir. (1971:309)
É preciso destacar que o enfoque dos civilistas quanto aos fundamentos utilizados pelo legislador para fixar a idade limite para implemento da capacidade civil não pode ser acolhido de imediato por outras áreas do direito, em especial em relação ao Direito Previdenciário, com suas especificidades históricas e características próprias e peculiares.


Na verdade, ocorre que o filho muitas vezes adquire a capacidade civil, mas continua dependente econômico dos pais. No caso do Brasil, esse aspecto é ainda mais importante na medida em que há deficiência do processo educacional, emprego, saúde, dificuldade de ingressar no trabalho.
No caso, se os filhos ficarem sem o benefício previdenciário de pensão, no caso de morte dos pais segurados, então estariam eles (filhos), mesmo capazes civilmente, sem condições de sobrevivência por conta própria, o que recomenda não confundir a abordagem civil da previdenciária.
Há que se considerar que agiu equivocadamente o legislador ao impor a emancipação como impedimento ao recebimento da pensão, já que a emancipação é considerada pelo Direito Civil irrevogável, ao passo que a necessidade previdenciária pode reaparecer para o filho, neste caso, inviabilizada a pensão em função da emancipação civil.


Na verdade, não soube o legislador estabelecer a separação dos fundamentos do Direito Previdenciário, confundindo-o com o Direito Civil, propiciando com isso injustiças e graves distorções no próprio instituto específico previdenciário. Ou seja, uma vez definida a emancipação, conforme estabelecido pela reforma do legislador previdenciário em 1995, perdem os filhos a condição de dependentes previdenciários, já que a emancipação civil é definitiva e irrevogável.


Não obstante, de outro lado, no que concerne às regras fixadas na legislação civil para emancipação, é possível destacar que valem aquelas anteriores ao atual Código Civil para a legislação previdenciária no que se refere à pensão, já que a lei previdenciária colheu objetivamente do texto civil as hipóteses antes vigentes para inclusão na regulação previdenciária.


Vale dizer, mesmo adquirindo a capacidade civil pela idade (18 anos pela atual lei civil) (situação equiparada à emancipação para efeito de habilitação à prática dos atos da vida civil), ainda assim permanecem os filhos dependentes dos pais para efeito de pensão previdenciária até os 21 anos de idade.
Ainda que para alguns o implemento da capacidade civil aos 18 anos tenha imediato reflexo na pensão previdenciária, há que se considerar que não houve, quanto às regras pertinentes à emancipação, alterações relevantes no Código Civil em vigor em relação ao Código de 1916. 10 
A prova de que a idade civil não tem qualquer pertinência com a idade para ser incluído como dependente está na própria legislação previdenciária a contar de 1923, em que inúmeros são os exemplos segundo os quais fixa o legislador previdenciário critério etário diferente do legislador civil. 11 


2.3 - Direito adquirido. Maioridade civil. Efeitos previdenciários


Quando do advento do atual Código Civil, em vigor a partir do dia 11 de janeiro de 2003, com a diminuição da idade para implemento da capacidade civil de 21 (vinte e um) para 18 (dezoito) anos de idade, nasceu também a polêmica quanto à incidência ou não desta regra nas pensões previdenciárias.
Com efeito, conforme já esclarecido neste artigo, no Regime Geral de Previdência Social e em alguns regimes previdenciários de servidores públicos, a regra para a inclusão de filho como dependente impõe a idade máxima de 21 anos, salvo a emancipação ou a invalidez para a atividade laborativa.
Surgiu, então, a indagação se haveria incidência imediata da maioridade civil na legislação previdenciária, com exclusão dos filhos da condição de dependente dos pais.


Conforme detalhado no item anterior julgamos ser a redução da maioridade civil inaplicável de imediato na legislação previdenciária no que tange ao direito dos filhos à pensão. Todavia, ainda que fosse possível tal aplicação (da maioridade civil para definição da qualidade de dependente previdenciário), tem-se ainda que examinar a aplicação temporal da regra nas relações jurídicas previdenciárias já constituídas.
Disso resulta que os filhos até 21 anos de idade, mas que percebiam em ou tinham direito a perceber a pensão previdenciária até 11 de janeiro de 2003, terão direito a continuarem normalmente a perceberem os respectivos benefícios, ainda que com idade entre 18 até 21 anos, dado que a lei previdenciária aplicável é a da data do evento, no caso, na data do óbito ou na data do desaparecimento dos pais.
No Direito brasileiro, e especialmente no Direito Previdenciário, a questão de aplicação de lei nova às situações jurídicas já estabelecidas tem precedentes jurisprudencial e doutrinário pela prevalência do direito adquirido (para os pensionistas que percebiam o benefício após o advento da lei nova), ou daqueles que já preenchiam todos os requisitos para o benefício prescrito na legislação revogada.
Com efeito, é pertinente trazer à colação o precedente ocorrido quando da modificação do art. 5º da Lei nº 3.373/58 pela Lei nº 8.112, de 11.12.1990. Referido art. 5º da Lei de 1958 prescrevia para o servidor público federal as seguintes regras para pensão previdenciária:


"Art. 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado:
II - Para a percepção de pensões temporárias:
a) o filho de qualquer condição ou enteado, até 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez;
Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente."


A modificação sobreveio com a Lei nº 8.112/90, suprimindo do direito à pensão às filhas maiores de 21 anos, independentemente da condição civil (solteira) ou do fato de ocupar cargo público permanente.
Foram inúmeras as decisões judiciais dos Tribunais Regionais Federais pela prevalência do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito, já que a lei nova não poderia resultar modificações prejudiciais aos pensionistas beneficiários da regra modificada pela Lei nº 8.112/90.
Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal já tem firme posição jurisprudencial, consolidada desde o julgamento do precedente RE 82.881 - Tribunal Pleno - RTJ 79, p. 268/288, em que prevaleceu na Suprema Corte o entendimento de que novas regras relativas a benefícios previdenciários não podem ser modificados por legislação posterior, quando direcionadas a alcançar situações pretéritas, já que "... fato inteiramente realizado nasce o direito, que se incorpora imediatamente no patrimônio do servidor, a essa qualificação jurídica de tempo de serviço, consubstanciando direito adquirido, que a lei posterior não pode desrespeitar".


Do exposto, é possível concluir, com fundamento na jurisprudência e doutrina já consolidadas no Brasil que a maioridade ditada pelo atual Código Civil não atinge situações já constituídas, no caso em questão, as pensões já pagas ou devidas a filhos com idade até 21 (vinte e um) anos de idade.


2.4 - O menor sob guarda


Lamentavelmente, nos últimos anos o legislador previdenciário vem alterando regras previdenciárias, muitas vezes valendo do "fundamento" de economia com o pagamento de benefícios previdenciários, perdendo o foco e os fundamentos da própria área que legisla.
No caso específico, com objetivo de eliminar benefícios de pensão e gerar mais "economia" para os cofres públicos, inseriu o legislador previdenciário através da lei de 1997 (Lei nº 9.528/97), alteração dos critérios para fixação do direito à pensão, excluindo o menor sob guarda da condição de dependente do guardião. No regime geral, a alteração foi feita nos seguintes termos: 12 


"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado;
(...)
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento." (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997)
Entretanto, esqueceu o legislador previdenciário que a guarda muitas vezes é utilizada como substituto da própria tutela, sendo que a exclusão do benefício de pensão ao menor coloca em risco a sobrevivência do próprio menor, quando do falecimento do guardião.
Toda a legislação de proteção do menor foi literalmente esquecida pelo legislador previdenciário (Lei nº 9.528/97) ao excluir o menor sob guarda da pensão. A própria Constituição Federal estabelece no art. 227 que:


"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(...)
§ 3º O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
II - garantia dos direitos previdenciários e trabalhistas (...)
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado."


Ou seja, o dispositivo constitucional reconhece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente.


Comentando o art. 227 da Constituição Federal, CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS ressaltam que "o referido dispositivo tem conteúdo eminentemente programático e que o Poder Público deve estimular, por meio de assistência jurídica e de incentivos fiscais e subsídios ao acolhimento, sob a forma de guarda, a criança ou o adolescente que seja órfão ou abandonado. Com efeito, lembram os autores que o dispositivo condiciona a que isso se efetive na forma do que 'dispuser a lei', e que o referido diploma no momento é o Estatuto da Criança e do Adolescente". (1998:1010)
De outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente, texto muitas vezes saudado como salvaguarda de todos os menores, também sofreu pela alteração da legislação previdenciária de 1997 (Lei nº 9.528) grave abalo.


Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), art. 33, § 3º, estabelece o seguinte:
"a guarda confere à criança e ao adolescente a condição de dependentes para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários."
Com base nos pressupostos anteriormente mencionados, já existe no Brasil precedente jurisprudencial questionando a legislação previdenciária que elimina o direito à pensão ao menor sob guarda, em especial a Ação Civil Pública e ações individuais dos próprios menores lesados. 13 


Em Minas Gerais, por exemplo, a titular da 29ª Vara Federal Especializada em matéria Previdenciária, MARIA HELENA CARREIRA ALVIM, proferiu sentença em Ação Civil Pública 14 promovida em maio de 2000, utilizando os próprios fundamentos anteriormente destacados em particular o seguinte:
"Não pode o Estado se eximir de prestar obrigações sociais, especialmente em se tratando de direitos previdenciários, instrumento importante para a construção de um Estado mais equânime.
Dessa forma, a inovação legislativa, instituída pela Lei nº 9.528/97 ao § 2º, do art. 16, da Lei nº 8.213/91, este último dispositivo permanece em vigor, conforme sua redação anterior ..." (sic)
Também particulares lesados têm acionado o Poder Judiciário com iguais fundamentos, sendo que o entendimento jurisprudencial por ora tem caminhado no sentido de proteger o interesse do menor, afastando o enfoque economicista do legislador que não se preocupou com as conseqüências legislativas implementadas, inclusive como no caso em questão, atingindo menores indefesos que a Constituição Federal fixou respeitar.


Desdobramentos recentes estão ocorrendo quando avós ou parentes de menores utilizam do instituto da guarda para proteger o menor com efeitos meramente previdenciários. Assim, antes da morte dos parentes (avós, tios, tias etc.), são aforadas ações judiciais buscando tutela jurisdicional referente a guarda para efeitos previdenciários, no caso de morte daqueles que efetivamente sustentam os menores. Decisões recentes, inclusive do Superior Tribunal de Justiça estão no sentido de negarem o deferimento da guarda quando ela é apresentada apenas para prever proteção previdenciária futura. Ou seja, um avô aposentado, por exemplo, que acolhe em sua casa, neto, o qual mantém economicamente, não teria como utilizar do instrumento da guarda para prever proteção previdenciária (pensão) quando do falecimento do segurado.
De fato, a guarda quando é utilizada como instrumento apenas e exclusivamente para prever proteção previdenciária futura perde a essência do instituto, o que tem levado o próprio Superior Tribunal de Justiça a rejeitar a pretensão.


Todavia, a simplificação que o Superior Tribunal de Justiça e outros Tribunais utilizam para negar a guarda quando formulada apenas para fins previdenciários, pode colocar em risco a sobrevivência de milhares de menores no Brasil que vivem sob a dependência econômica de parentes, mesmo com a presença dos pais do menor que podem (os pais) não reunir as condições econômicas mínimas (a própria incapacidade laborativa) necessárias à proteção do filho menor. Ou seja, a guarda não pode ser julgada apenas com os fundamentos do Direito Civil, já que em situações específicas para efeitos previdenciários é o remédio indicado para preservar a vida de menores que não têm nos pais a proteção econômica e às vezes afetiva que outros parentes lhes concedem.


2.5 - Esposa


A esposa sempre mereceu do legislador previdenciário tratamento diferenciado como dependente do marido segurado. A justificativa pela inclusão da esposa sempre na posição de dependente privilegiado está assentada no valor fundamental que tradicionalmente o legislador atribui à família como núcleo fundamental de sustentação social.


Beneficiada da condição de dependente previdenciária privilegiada, ao mesmo tempo, carrega também a esposa a condição juridicamente subordinada ao marido, conforme se verifica de inúmeros preceitos da própria legislação civil anterior à Constituição Federal de 1988 que dispensava à mulher esse tratamento.
Posteriormente, com a inclusão da companheira também como dependente privilegiada do companheiro (incluída formalmente pelo legislador do Regime Geral em 1973), começa então a esposa do segurado a ter que dividir direitos com a companheira. Aliás, a divisão da pensão previdenciária entre companheira e esposa é admitida inclusive por jurisprudência muito anterior à Constituição de 1988, conforme explicitado no item seguinte.


Na seqüência, com a Constituição Federal de 1988, a União Estável adquire o status do casamento para todos os efeitos legais, o que não altera a condição da companheira que já detinha esse tratamento pelo legislador previdenciário. De qualquer forma, a Constituição passa a incluir também o companheiro nas mesmas condições da mulher.


Para efeito de pensão, a esposa separada mantém o direito à pensão previdenciária quando houver fixação de alimentos na separação ou quando, mesmo não previstos alimentos, ainda assim prova a ex-esposa que preenchia os requisitos para pensão alimentícia quando da separação e ao tempo do falecimento do ex-cônjuge.


A renúncia civil à pensão alimentícia tem reflexos apenas no campo civil. No Direito Previdenciário, os benefícios são irrenunciáveis, o que não teria efeito jurídico a renúncia dos alimentos ao tempo da separação para efeito de pensão previdenciária.


2.6 - Marido e companheiro


Ao contrário da esposa, o marido não tinha proteção previdenciária no caso de falecimento da cônjuge, mesmo se dela dependesse economicamente, salvo no caso de invalidez (incapacidade para atividade laborativa).


Com efeito, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu isonomia entre o homem e a mulher, o que fez aparecer também o homem como dependente da mulher nas mesmas condições para fins de pensão previdenciária no Regime Geral de Previdência Social.


A matéria foi regulada pela legislação infraconstitucional, em relação ao Regime Geral de Previdência Social, pela Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, em que o marido aparece como dependente na Classe A, juntamente com os filhos e esposa ou companheira.
O mesmo caminho seguiu no caso do companheiro, que até 1988 não era considerado dependente da mulher para fins de pensão previdenciária, alcançando esse direito somente após a Constituição Federal de 1988 e pela legislação previdenciária (Lei nº 8.213/91).


2.7 - O casamento. União estável. Concubinato: proteção previdenciária


A legislação do Código Civil de 1916 e o atual centram a proteção jurídica da família e da União Estável, esta última reconhecida quando não existirem impedimentos para o casamento entre os conviventes. Vale dizer, o homem ou a mulher casados não poderiam pela lei civil constituir união estável (concubinato para o Direito Civil) paralelamente ao casamento.


Por outro lado, no Direito Previdenciário a união estável, ainda que espúria para o Direito Civil (concubinato), eis que constituída paralelamente a uma outra união reconhecida na lei civil (casamento), pode produzir conseqüência previdenciária válida para as partes envolvidas, especialmente para expressiva corrente jurisprudencial notadamente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.


Com efeito, situa referida corrente jurisprudencial no fundamento segundo o qual o impedimento civil (concubinato) não se aplicaria no caso da pensão previdenciária, assentando inclusive na Constituição Federal que emerge a isonomia entre o casamento e a União Estável, ainda que para o Direito Civil seja tratada como concubinato.


Por exemplo, no caso de falecimento do marido que tinha paralelamente uma outra união (equiparada a união estável para o Direito Previdenciário, mas impura para o Direito Civil), ambas as conviventes do falecido (esposa e companheira) poderão ter a proteção previdenciária com a pensão que lhes será dividida, na forma desse entendimento jurisprudencial.


Aliás, os precedentes jurisprudenciais nesse sentido são expressivos ao reconhecer os efeitos do concubinato, mesmo que impuro para o Direito Civil, mas plenamente válido no âmbito do Direito Previdenciário (TRF da 4ª Região). 15 No Superior Tribunal de Justiça também a matéria tem acolhida com reconhecimento da não-exclusividade do lar conjugal pelo casamento em prejuízo da relação advinda do concubinato, que para efeito previdenciário deve merecer tratamento igualitário à percepção do benefício respectivo (STJ). 16 


Com efeito, é antiga a corrente jurisprudencial, inclusive do Supremo Tribunal Federal que procura estabelecer diferença entre a regulação civil e previdenciária em relação ao concubinato. Ao julgar Recurso Extraordinário em 1959, o Ministro LAFAYETE DE ANDRADA, citando trechos de decisão do Tribunal inferior, explica que a "substituição patrimonial precária do sujeito de uma assistência afetiva", deve ser reconhecida pelo Estado. Para o Ministro a concubina tem "direito de receber o seguro que instituiu em favor da família". Afirma ainda que "contra a assertiva (que a companheira não teria direito previdenciário) opõe-se o Decreto-Lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944, que 'reformou a lei do acidente do trabalho', cujo art. 11 considera beneficiário quaisquer pessoas que vivam sob a dependência econômica do acidentado. É uma lei que trata de forma ampla da instituição do amparo e assistência àqueles que viram privados de sua fonte de subsistência. Baseando-se nela, a nossa legislação social é abundante no sentido de amparar a simples companheira. A situação social do dependente de um acidentado no trabalho em nada difere da do dependente do militar falecido. Seria odioso, porque injusto e injurídico, que, legislando, pudesse o Estado criar distorções dessa natureza entre pessoas que perderam como acentuou a sentença de primeira instância, o elemento angariador dos recursos para manutenção de um grupo familiar". 17 


Não obstante essa leitura jurisprudencial construída no Brasil dando proteção previdenciária nos casos denominados pelo Direito Civil de concubinatos impuros, também outras correntes inclusive doutrinárias não distinguem qualquer diferença civil e previdenciária, o que afasta a possibilidade de ocorrer divisão do benefício de pensão entre a esposa e a concubina.


Nesse sentido, e com fundamento inclusive jurisprudencial, está a posição de GUILHERME NOGUEIRA DA GAMA, para quem "há de se interpretar o disposto no art. 16, inciso I, e § 3º, da Lei nº 8.213/91, à luz do Texto Constitucional de 1988, possibilitando a constatação de que também as pessoas casadas, mas separadas de fato de seus cônjuges, podem ter construído nova família, e, assim, os companheiros serem inseridos na primeira classe da ordem securitária como dependentes". (2001:101)
A visão civilista do Direito Civil não pode prosperar, já que na pensão previdenciária tem cabimento apenas os fundamentos do Direito Previdenciário, alicerçado fundamentalmente na natureza alimentar dos benefícios previstos.


Essa visão particular e diferenciada do Direito Previdenciário é reconhecida por FEIJÓ COIMBRA ao comentar sobre a dependência econômica em matéria previdenciária, que alerta para a natureza mais abrangente do vínculo previdenciário com o prescrito no Direito de Família "resultante dos laços de família civil, critério que se adota em razão das finalidades da proteção social". E prossegue o autor afirmando que "as relações derivadas do Direito de Família são insuficientes para explicar todas as situações de dependência que a vida pode exibir, é que a lei previdenciária cria direitos, dos quais aponta titulares não ligados ao segurado por aquelas relações"(1999:97). E finaliza COIMBRA ao salientar que "exatamente porque as relações de que cogita a lei civil não exaurem as situações em que possam ocorrer necessidade para os dependentes do segurado, abrindo campo à ação da proteção social, é que a lei previdenciária fundamentou o direito do dependente no critério da necessidade, mais do que no critério de alimentos entre parentes". (1999:98)


O fundamento principal que preside o Direito Previdenciário no que pertine à pensão, tanto na formação legislativa como no juízo de sua interpretação, reside na proteção alimentar do sobrevivente, com abstração da moralidade que permeia o Direito Civil, em particular o Direito de Família.


2.8 - União homossexual e a pensão previdenciária


Pela legislação civil não se admite, ainda, o casamento civil ou união estável de indivíduos do mesmo sexo. A união estável prevista no art. 226, § 3º da Constituição Federal é reconhecida como entidade familiar apenas aquela existente entre o homem e a mulher.


Nesse contexto, manteve o atual Código Civil o impedimento para reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo, já que não deixa margem de dúvida no sentido de negar o status de família jurídica ao prever expressamente a diversidade de sexos para a configuração do companheirismo.
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA ao discorrer sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo, deixa claro que a diversidade de sexo impede o reconhecimento das uniões entre homossexuais, mesmo que desimpedidos, convivendo com lapso de tempo razoável, com objetivo de constituição de família, exatamente pelo requisito objetivo inscrito na Constituição Federal. Nas palavras do autor:
"Deixando de lado qualquer valoração quanto à união homossexual, mostra-se realidade concreta a existência de autênticas uniões entre pessoas do mesmo sexo, nos moldes das relações matrimoniais ou companheiris, dotadas de praticamente todos os requisitos já analisados, salvo a diversidade de sexo." (2001:545)


A questão é bastante polêmica, já que a união civil entre pessoas do mesmo sexo não configura família jurídica no direito brasileiro, da mesma forma que não se admite união adulterina ou entre dois irmãos, que também estão à margem do Direito de Família. Nesse sentido, os civilistas em geral não admitem a inserção de tais uniões nos modelos constitucionais de família, sendo indispensável para qualquer mudança sobre o tema, reforma constitucional que determine a alteração do art. 226, § 3º, para retirar da referência "união estável entre homem e mulher".


Também nesse aspecto, a legislação previdenciária mostra-se totalmente desvinculada da legislação civil, na medida em que já é reconhecido para fins de pensão o parceiro ou parceira homossexual como dependente privilegiado. Em virtude de decisão judicial proferida em Ação Civil Pública, o INSS baixou Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000, que estabelece procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira do mesmo sexo.
Independentemente da limitação jurídica que confere o Direito Civil às uniões do mesmo sexo, no Direito Previdenciário, e em particular no caso da pensão, busca-se a proteção do dependente com a concessão do benefício alimentar, que afasta eventuais impedimentos de ordem puramente civil.
Esse foi o fundamento principal utilizado nas decisões até agora proferidas para incluir os homossexuais também no rol de pessoas habilitadas à pensão previdenciária em situação similar às uniões estáveis entre homem e mulher.


3 - A Pensão no Direito Comparado


3.1 - Direito russo

A. KOZLOV e V. SÁVTCHENKO (1988) escrevem sobre o sistema previdenciário da URSS, cujo modelo ainda permanece sem grandes modificações na Rússia. Diferente dos sistemas previdenciários da maioria dos países, o sistema da Rússia contempla lista enorme de pessoas da família que têm direito ao benefício do pensão do Estado, em caso de morte ou desaparecimento do trabalhador. Os parentes do falecido operário, empregado, kolkoziano ou reformado, por estes sustentados, serão alcançados pela pensão estatal.
Como regra geral, a idade para inclusão como dependente no sistema russo é de 16 anos de idade, passando para 18 no caso de estudante e sem limite de idade para o incapaz.
Interessante mecanismo legal criado em 1985 no sistema russo, sem similar no Brasil, de "um subsídio para os filhos menores durante o período da procura dos pais que se esquivam do pagamento dos alimentos. O subsídio atribui-se se o tribunal ou o juiz anunciarem a procura do devedor e durante um mês, desde o dia da chegada desta decisão ao departamento do interior, lugar de residência do devedor não for estabelecido". (KOZLOV e SÁVTCHENKO, 1988:136-137)


3.2 - Direito espanhol

 

Já no Direito espanhol são beneficiários da pensão previdenciária os dependentes econômicos do segurado, incluindo pais, avós, esposa, netos ou filhos, estes dois últimos até 18 anos ou inválidos. O pai e o avô, somente com 60 anos de idade ou inválidos. Já a mãe ou a avó, têm que ser viúvas; as casadas serão dependentes desde que os respectivos maridos sejam inválidos. Os órfãos também podem ser incluídos como pensionistas desde que tenham convivido por pelo menos dois anos com o segurado e que não recebam qualquer pensão do Estado, Providência ou Município ou prestações da seguridade social.
Aliás, o alcance do art. 41 da Constituição de 1978 é objeto de grande polêmica na Espanha. Segundo o texto constitucional "os poderes públicos manterão um regime público de seguridade social para todos os cidadãos que garante a assistência e prestações sociais suficientes ante situações de necessidade, especialmente no caso de desemprego. A assistência e prestações complementares são livres". Segundo alguns juristas espanhóis, o Texto Constitucional garante apenas a garantia do mínimo de subsistência, ao passo que outras enxergam no texto a garantia da seguridade plena. (AZAÑA, Yolanda Sanchez-Uran)


3.3 - Direito português


A Constituição portuguesa de 1976 atribui ao Estado a função de "organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social", além de estabelecer a proteção de todos os "cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade de trabalho". (art. 63)
Na legislação infraconstitucional, no entanto, a regulamentação encontra-se dispersa, conforme anota o previdenciarista ILÍDIO DAS NEVES. De qualquer forma, a proteção alcança os dependentes do segurado, aos quais são garantidos pensões de sobrevivência "entendida aqui com um sentido jurídico (garantia aos familiares sobrevivos de rendimentos transmitidos pelo falecido) e não propriamente com um sentido econômico (garantia de rendimentos que permitam aos familiares sobreviver materialmente). Se assim não fosse, as prestações teriam que estar em bom rigor dependentes de condição de recursos, de acordo com um certo padrão de necessidade econômica, o que não é o caso". (ILÍDIO DAS NEVES)


Referências Bibliográficas
ATHAR NETO, Aben. Curso de previdência social. Rio de Janeiro: Editor Melso, 1960.
AZAÑA, Yolanda Sanchez-Uran. Seguridad social y constitucion. Madrid: Civitas, 1995.
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988). São Paulo: Saraiva, v. 8, 1998.
BOLETIN OFICIAL DEL ESTADO - Seguridad Social - Régimen general. Madrid, 1977.
COIMBRA, Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. O companheirismo - uma espécie de família. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
______. A Constituição de 1988 e as pensões securitárias no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 2001.
KOZLOV, A.; SÁVTCHENKO, V. Sistema de previdência social da URSS. Trad. de J. Chaláguina. Portugal: Edições Progresso, 1988.
NEVES, Ilídio das. Direito da segurança social - princípios fundamentais numa análise prospectiva. Coimbra, 1996.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado - parte geral. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, tomo I, 1954.
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Introdução e parte geral - direito das pessoas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 1971.
RUSSOMANO, Mozar Victor. Comentários à lei orgânica da previdência social. 2. ed. Rio de Janeiro: Editor José Konfino, v. I, 1967.
SANTOS, J. M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. Introdução e parte geral. 15. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, v. 1, 1992.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Previdência social brasileira. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1955.
VALERIUS, Victor. Legislação brasileira de previdência social.

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