APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO - Sergio Pardal Freudenthal
Advogado especializado em Previdência Social, atua em diversos Sindicatos de Trabalhadores da Baixada Santista e leciona na UNISANTOS
e no Centro de Estudos Jurídicos.
"Com a EC 20/98 a garantia que estava disposta no art. 202 da CF na redação de 1988, deixou de existir e aquele artigo passou a tratar apenas do 'regime de previdência privada', de caráter complementar. É a alteração efetuada sobre o art. 201 transformou substancialmente este importante benefício da Previdência Social Brasileira."
Na histórica obra Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social, publicada pela Editora Atlas em 1986, (p. 77) Mestre ANNÍBAL FERNANDES assim inicia o comentário sobre o art. 33 daquele D. 89.312, de 23.01.1984:
"Este artigo expressa a grande pretensão dos segurados de previdência social: a aposentadoria por tempo de serviço. Cabe aos psicólogos, sociólogos e economistas darem boa explicação para a autêntica volúpia popular em relação a essa espécie de aposentadoria. Contraditoriamente, embora aposentadoria tenha na raiz a palavra 'aposento', ou retirada do serviço (é a pension de retraite dos franceses), obtido o almejado benefício, em regra segue trabalhando a pessoa, após breve pausa ou mesmo sem ela. O fator gerador do benefício é o tempo de serviço..."
Naqueles idos de 1986, ANNÍBAL FERNANDES avaliava o debate sobre o benefício (ob. cit. p. 79):
"A aposentadoria por tempo de serviço da LOPS/CLPS recebia a denominação de aposentadoria ordinária na legislação anterior. Ela vem desde a Lei Eloy Chaves (1923), desafiando crises, tendo mesmo suspenso seu pagamento, para ser reafirmado depois. Já houve época, como na vigência da redação primitiva da LOPS, em 1960, em que se exigia idade mínima de 55 anos para o interessado receber o benefício. Alguns contestam que o 'tempo de serviço' possa ser considerado contingência social e, na verdade, no Direito Comparado não é freqüente esse benefício, tal como concedido no Brasil. No entanto, não é verídico ser nosso país o único a concedê-lo, pois existe em outras legislações, como a da Finlândia. Combinado com exigência de idade, o encontramos em várias legislações e requerendo além dele o exercício de atividades insalubres é ainda mais freqüente. Neste último caso, a lei francesa é exemplo.
Não se afaste, portanto, o tempo de serviço como contingência protegida. Ele é, afinal, espelho do desgaste do trabalhador, das dificuldades do obreiro no mercado de trabalho, quando já avançado em ano. Neste sentido, a possibilidade de a pessoa aposentar-se, pela contagem do período trabalhado, atua como um escudo no mercado de trabalho, pois se não deixa de trabalhar, já não mais depende vitalmente de seu salário, tendo direito à renda mensal do benefício. O prestígio desse benefício o faz parte privilegiada do pacto social. Sua ruptura, várias vezes verificada nesse ponto, provocou sempre fortes reações. Na Argentina, contudo, tal aconteceu. Resta avaliar em que medida a suspensão da aposentadoria por tempo de serviço naquele país foi ingrediente da permanente crise em que vive."
Assim, após longo tempo de contínuo arremeter contrário, a aposentadoria por tempo de serviço ainda resiste, com inquietante alteração em seu nome, agora aposentadoria por tempo de contribuição. A EC 20, de 15.12.1998, além de impor a inquietante novidade para a Previdência Social Brasileira Pública, preservação do "equilíbrio financeiro e atuarial", bastante alterou o benefício que ora estudamos cancelando algumas garantias, e assim possibilitando adulterações como as efetuadas através da L. 9.876, publicada em 29.11.1999 (valendo aguardar muitos debates sobre sua constitucionalidade, como o artigo do Prof. Marcus Orione Gonçalves Correia na Revista do Advogado nº 60, set./2000, AASP, "Digressões a Respeito da Inconstitucionalidade do Fator Previdenciário").
Pois com a EC 20/98 a garantia que estava disposta no art. 202 da CF na redação de 1988 (aposentadoria calculada "sobre a média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais") deixou de existir e aquele artigo passou a tratar apenas do "regime de previdência privada, de caráter complementar".
E a alteração efetuada sobre o art. 201 transformou substancialmente este importante benefício da Previdência Social brasileira. Primeira avaliação passa pela compreensão do novo rótulo: aposentadoria por tempo de contribuição; qual será, na prática a diferença entre tempo de serviço e tempo de contribuição? A contribuição do empregado é responsabilidade da empresa empregadora, e assim o sofrimento dos trabalhadores restringia-se a comprovar o tempo de serviço, ainda dificultado, às vezes pela perda da Carteira de Trabalho, às vezes por alguma rasura no documento, ou mesmo pela inexistência do registro. E ainda se aguarda as novas legislações que definirão até aonde aumentam as responsabilidades do obreiro.
Importante observar a regra de transição disposta na EC 20/98, art. 4º:
"Art. 4º. Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição."
E o citado "art. 40, § 10", também como nova redação, dispõe que "a lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício".
Portanto, até nova lei, o tempo que seria considerado tempo de serviço vale como tempo de contribuição, e parece que a proibição do "tempo de contribuição fictício" é unicamente dirigida sobre a contagem em dobro de licença-prêmio não gozada, artifício utilizado pelos funcionários públicos (e restam boas lides sobre direitos adquiridos).
Pelas novas regras constitucionais (art. 201, § 7º) a aposentadoria proporcional (30 anos para o homem e 25 para a mulher) não mais existe, e, apesar da tentativa governamental, para o RGPS (INSS), não passou o limite de idade (60 anos para o homem e 55 para a mulher). Assim, continua garantida, para os segurados do INSS, a aposentadoria por tempo de serviço, com 35 anos para o homem e 30 para a mulher, sem idade mínima.
Estas novas regras aprovadas são obrigatoriamente aplicáveis apenas para os que ingressarem no sistema após 15.12.1998, ressalvando o direito de opção, quando mais favorável, aos já inscritos. De qualquer forma, os arts. 8º e 9º da EC 20/98, respectivamente para servidores públicos e trabalhadores na área privada, apresentam as regras de transição.
Sempre é importante lembrar que os trabalhadores que em 15.12.1998 já tinham cumprido os requisitos para perceber o benefício, sempre, a qualquer tempo, poderão requerê-lo. Aos que ainda tinham tempo/contribuição para cumprir, surgiram duas novas exigências válidas para todos os sistemas, serviço público e INSS: o limite de idade, 53 anos para o homem e 48 para a mulher; e um "período adicional de contribuição", computado sobre o tempo que faltaria na data da promulgação da EC, 15.12.1998.
Para a aposentadoria proporcional, a regra de transição determina um "pedágio" de 40% sobre o tempo que faltava, enquanto para o benefício integral tal acréscimo é calculado em 20%. Traduzindo em números, o trabalhador que já conta com 25 anos de trabalho na data da promulgação da EC, para a aposentadoria proporcional, ao invés de 5 anos, faltam 7 (com mais 40%), enquanto para a integral, no lugar de 10 anos, deverá pagar 12 (mais 20%). Sem esquecer, em qualquer hipótese, o limite de idade. Também é bom lembrar a possível inconstitucionalidade da exigência do limite etário, a provável ilegalidade enquanto regra de transição e a certa injustiça que representa para os trabalhadores que começaram a labuta mais cedo.
O regulamento transitório da EC 20/98 também apresenta o cálculo da aposentadoria proporcional em 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% a cada ano após terminar o tempo equivalente ao mínimo, 30 anos para o homem e 25 para a mulher. Saliente-se que o acréscimo de sobre o tempo para a aposentadoria proporcional, 40%, se aplica apenas até completar o mínimo. A partir daí, cada novo ano trabalhado vale 5% do salário-de-benefício até o máximo de 100%.
A regra de transição para a aposentadoria integral dos segurados do INSS, existindo a opção pela nova redação da norma constitucional sem limite de idade, nem mesmo deverá ser utilizada.
Sem conseguir impor o limite de idade para os trabalhadores da área privada através da emenda constitucional, o atual governo implantou, pela L. 9.876, publicada em 29.11.1999, a nova forma de cálculo do salário-de-benefício (art. 29 da L. 8.213/91).
Com a nova lei, todos os benefícios utilizarão em seus cálculos a "média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo". E, obrigatoriamente, para aposentadoria por tempo de contribuição, ainda com a multiplicação pelo fator previdenciário (na aposentadoria por idade o segurado pode utilizar o f. p. opcionalmente, art. 7º da L. 9.876/99), calculado inclusive levando em conta a expectativa de vida do segurado.
Como se observa, mesmo com a derrota na emenda constitucional, a idade passou a ser considerada na concessão da aposentadoria por tempo de contribuição pelo RGPS, com seu cálculo reduzido em razão da idade, através do fator previdenciário.
A média de 80% de "todo o período contributivo" já bem representa a idéia de "previdência atuarial" e não mais social...
Vários jornais publicaram a tabela com o fator previdenciário disposto conforme a idade e o tempo de contribuição de cada interessado, obedecendo ao último estudo do IBGE sobre expectativa de vida, para que não sejam todos obrigados a decifrar a complexa fórmula publicada anexa à lei.
Um rápido olhar naquela tabela demonstra que apenas próximo aos sessenta anos de idade, com mais de trinta de contribuição, poderá o obreiro obter um fator multiplicador não nocivo. Para a mulher e para professor e professora, na aplicação do fator previdenciário, deve ser acrescentado no tempo de contribuição a vantagem constitucional, cinco anos para a mulher e cinco anos para o professor, somando dez anos no caso de professora.
Evidente que o segurado que completara seu tempo até a data da promulgação da nova lei sempre poderá requerer o benefício naquele cálculo em que tinha direito, sem a aplicação do novo fator quase sempre redutor, e com uma média mais favorável, os 36 últimos salários-de-contribuição; e o legislador, com tantas dúvidas que sobram por aí sobre direito adquirido, ainda fez questão de expor tal garantia no art. 6º desta L. 9.876/99.
Para os que já estavam filiados e ainda sem o direito pleno, foram estabelecidas regras de transição com (art. 3º) a "média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994", e com a aplicação do fator previdenciário (art. 5º) "de forma progressiva, incidindo sobre um sessenta avos da média aritmética de que trata o art. 3º desta Lei, por mês que se seguir a sua publicação, cumulativa e sucessivamente, até completar sessenta sessenta avos da referida média".
Como conseqüência da alteração sobre o cálculo do salário-de-benefício, modificou-se o salário-de-contribuição para os autônomos e afins, com o fim gradativo das classes da escala de salários-base, que exigia o cumprimento de interstícios para o crescimento da contribuição. Afinal, para atingir 80% de todo o período contributivo com os maiores salários-de-contribuição, não pode haver escalas para crescimento, e sim tão-somente o limite máximo.
As regras de transição ajudam a tornar mais lento o reflexo da depreciação do benefício histórico, mas todos os cálculos demonstram a violência sobre as classes trabalhadoras. Ao observar a nova disposição constitucional de "critérios que observem o equilíbrio financeiro e atuarial", MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA, no artigo citado, bem leciona:
"Deve-se ter em mente, especialmente em matéria de direito social, que este dispositivo deve ser visto, como já dito à exaustão, em consonância com os ideais do Estado democrático de direito. Não se pode permitir que a busca de um pretenso equilíbrio financeiro se dê com o incremento de uma política de exclusão social. Por outro lado, não resta demonstrado que, dentro do contexto global, a diminuição dos valores de dois dos mais importantes benefícios de prestação continuada do atual sistema implique equilíbrio financeiro."
Sempre importante ressaltar que as alterações dispostas pela EC 20/98 são bastante profundas, inclusive suscitando debates e divergências que constituirão a doutrina do futuro, com tão constantes transformações quanto as efetuadas sobre os diplomas legais. As legislações regulamentares das emendas constitucionais e suas aplicações, além de um razoável número de julgamentos sobre constitucionalidades, produzirão textos e doutrinas que então definirão a intensidade dos Direitos Sociais.