AÇÃO MONITÓRIA: REPERCUSSÕES DA LEI Nº 10.444/02 NA MONITÓRIA - Gustavo Filipe Barbosa Garcia
Juiz do Trabalho - 2ª Região,
Ex-Auditor Fiscal do Trabalho,
Bacharel em Direito pela FADUSP.
SUMÁRIO: Introdução; 1 A ação monitória; 2. Efetivação do mandado executivo; 3. Efetivação da tutela de obrigação de entrega de coisa após a Lei nº 10.444/02; 4. Efetivação do mandado executivo monitório relativo a entrega de coisa após a Lei nº 10.444/02; Bibliografia.
INTRODUÇÃO
A Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, 1 integrando a chamada "Reforma da Reforma" 2 do CPC (da qual fazem parte, ainda, as Leis nºs 10.352/01 e 10.358/01), trouxe avanços ao sistema processual, tendo como escopo primordial o incremento da eficácia da tutela jurisdicional.
Isso fica bem claro quando observamos que esta recente Lei nº 10.444, por exemplo:
- cuidou do aperfeiçoamento da "efetivação da tutela antecipada" (§ 3º do art. 273 do CPC);
- autorizou expressamente a possibilidade da antecipação dos efeitos da tutela, "quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso" (§ 6º do art. 273);
- estabeleceu a fungibilidade entre medida cautelar e provimento de antecipação de tutela, face à natureza comum de tutela de urgência (§ 7º do art. 273);
- ampliou o âmbito da chamada "ação" de preceito cominatório (art. 287 do CPC), passando a ser aplicável não só para obrigações de fazer ou não fazer, como também para obrigação de entregar coisa, sem distinguir quanto à fungibilidade ou não da obrigação;
- acrescentou, dentre as medidas exemplificativamente arroladas para "a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente", a "multa por tempo de atraso" (§ 5º do art. 461 do CPC);
- autorizou, de forma expressa, a possibilidade de modificação do valor ou da periodicidade das astreintes (§ 6º do art. 461), quando se tornarem insuficientes ou excessivas (em aplicação específica da cláusula rebus sic stantibus), impostas visando ao cumprimento da tutela específica, concedida na sentença ou liminarmente (§ 4º do art. 461);
- retirou a obrigatoriedade de caução como requisito para a execução provisória (art. 588, inciso I, do CPC);
- além do "levantamento de depósito em dinheiro", passou a autorizar também a "prática de atos que importem alienação de domínio", quando então será necessária a prestação de "caução idônea, requerida e prestada nos próprios autos da execução", o mesmo se impondo para os atos "dos quais possa resultar grave dano ao executado" (art. 588, II);
- mesmo nas hipóteses mencionadas no item acima, autoriza a dispensa da caução, "nos casos de crédito de natureza alimentar, até o limite de 60 vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar em estado de necessidade" (§ 2º do art. 588);
- esclarece que "eventuais prejuízos" decorrentes da execução provisória serão "liquidados no mesmo processo" (§ 1º do art. 588), o que representa medida de economia processual;
- traz aperfeiçoamentos quanto à elaboração da memória de cálculo pelo exeqüente, cuidando da hipótese de ser necessária a consulta de dados em poder do executado ou de terceiro (§ 1º do art. 604);
- insere a utilização do contador do juízo, antes da citação do executado, excepcionando o disposto no caput do art. 604 do CPC, "quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária" (§ 2º do art. 604);
- restringiu o processo autônomo de execução para obrigação de entrega de coisa aos casos de "título executivo extrajudicial" (arts. 621, caput, e parágrafo único, 624, 627, §§ 1º e 2º), face à efetivação desta tutela específica através de astreintes e "medidas de apoio" 3 (tutela mandamental: art. 461-A, c/c art. 461 do CPC);
- estabeleceu que a sentença referente às obrigações de fazer ou não fazer é efetivada segundo as medidas previstas no art. 461 do CPC (tutela mandamental), sem intervalo entre processo de execução autônomo, sendo apenas "subsidiariamente" aplicáveis os dispositivos do processo de execução destas modalidades de obrigação (art. 644 do CPC);
- confirmou que o registro da penhora do bem imóvel no ofício imobiliário, a cargo do exeqüente, tem a (relevante) função de acarretar "presunção absoluta de conhecimento por terceiros", mas não é ato constitutivo da penhora propriamente, tanto que o executado deve ser imediatamente intimado da constrição (§ 4º do art. 659);
- passou a autorizar, nos casos de bens imóveis, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, sua penhora "independentemente de onde se localizem", por termo nos autos "do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, e por este ato constituído depositário" (§ 5º do art. 659).
Cabe, ainda, lembrar que a Lei nº 10.358/01, 4 além de ampliar o âmbito subjetivo de abrangência dos deveres arrolados no art. 14 do CPC, acrescentou o inciso V, relativo ao dever de cumprir, com exatidão, os "provimentos mandamentais" e "não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final", cuja violação "constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição" (parágrafo único do art. 14).
Fica bem claro, assim, que a preocupação do legislador foi com a execução (em sentido lato) do provimento jurisdicional; ou seja, com a satisfação, de forma efetiva, do bem jurídico já reconhecido em juízo.
Inobstante estas e outras - elogiáveis - alterações, a tutela monitória, inserida no sistema processual brasileiro pela "anterior" "Reforma do CPC" (da qual faz parte a Lei nº 9.079/95), não foi objeto de qualquer menção nesta "segunda fase reformista". Não se discute que a ação monitória também representou inovação comprometida com os escopos de eficácia e celeridade na prestação jurisdicional, segundo procedimento previsto nos arts. 1.102a usque 1.102c, do CPC.
Face ao apontado "silêncio" das Leis nºs 10.352, 10.358 e 10.444 a respeito da ação monitória, o presente estudo tem por objetivo analisar algumas das possíveis repercussões da nova sistemática de efetivação do provimento jurisdicional no procedimento monitório.
1. A AÇÃO MONITÓRIA
Sem a pretensão de exaurir o tema, cabe lembrar que a ação monitória possibilita uma tutela diferenciada, cabível quando presente "prova escrita sem eficácia de título executivo", tratando-se de pretensão relativa a "pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel" (art. 1.102a do CPC).
Sendo esta a hipótese, a ação monitória coloca-se como via facultativa ao autor, 5 dotada de maior celeridade do que o ajuizamento de demanda simplesmente condenatória, uma vez que autoriza, estando a petição inicial devidamente instruída, o deferimento, de plano, pelo juiz, da "expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa" (art. 1.102b).
Após isso, três situações, em princípio, são possíveis:
a) o réu cumpre o mandado monitório, ficando isento de custas e honorários advocatícios (§ 1º do art. 1.102c);
b) o réu não opõe "embargos" ao mandado, constituindo-se, de pleno direito, o título executivo judicial, "convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo" (caput do art. 1.102c);
c) o réu oferece "embargos", suspendendo a eficácia do mandado inicial. Trata-se do meio processual de defesa do réu, que não necessita de prévia garantia do juízo, processando-se nos próprios autos, pelo procedimento ordinário (§ 2º do art. 1.102c). Obviamente, caso os embargos sejam acolhidos, o processo monitório é julgado extinto (com ou sem apreciação do mérito), absolvendo-se o réu. Entretanto, se os "embargos" forem rejeitados, também aqui, "constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial" (§ 3º do art. 1.102c).
Visto isso, cabe verificar como ocorre a "execução" do mandado executivo, seja na hipótese de ausência de oposição de embargos, seja quando estes forem rejeitados.
2. EFETIVAÇÃO DO MANDADO EXECUTIVO
Após a constituição do título executivo judicial, o art. 1.102c, caput e § 3º, expressamente determinam o prosseguimento "na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulo II e IV" do CPC. Segundo a literalidade da norma, a conclusão seria, invariavelmente, a existência de processo de execução, em seu sentido próprio e estrito. Realmente, o Livro II trata do "Processo de Execução", sendo seu Título II relativo às "Diversas Espécies de Execução", ocupando-se os Capítulos II e IV, respectivamente, da "Execução para a Entrega de Coisa" e da "Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente".
Até a vigência da Lei nº 10.444/02, encontrava-se perfeita a remissão mencionada: sendo a ação monitória relativa a pretensões de pagar soma em dinheiro, entregar coisa fungível ou determinado bem móvel, a execução destas obrigações operava-se conforme os mencionados Capítulos II e IV, do Título II, do Livro II do CPC.
3. EFETIVAÇÃO DA TUTELA DE OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DE COISA APÓS A LEI Nº 10.444/02
Com a Lei nº 10.444/02, foi alterada a sistemática para a efetivação do provimento jurisdicional relativo à obrigação de entrega de coisa (art. 461-A do CPC). A partir da sua vigência, esta modalidade de obrigação, na mesma linha do que já ocorria com as obrigações de fazer ou não fazer, passa a pautar-se não só pela preferência da concessão da tutela específica, como foi inserida, para a sua efetivação, a aplicação da tutela mandamental. 6
Assim é que o art. 461-A, § 2º, do CPC, tratando da efetivação desta tutela específica, impõe, para o caso de descumprimento do provimento jurisdicional, a expedição de "mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel" (destaquei). Além disso, o § 3º deste mesmo dispositivo estabelece ser aplicável o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461 (tutela específica de obrigação de fazer ou não fazer). O § 4º deste art. 461, aplicável às obrigações de entrega de coisa, trata justamente da imposição de multa ao réu, pressionando-o psicologicamente a cumprir o que foi determinado no provimento jurisdicional. Trata-se das astreintes, configurando a chamada "execução indireta", típica das tutelas mandamentais. O § 5º do mesmo art. 461 (com redação determinada pela Lei nº 10.444), por sua vez, traz rol exemplificativo de "medidas de apoio", com vistas à efetivação da tutela específica, no caso de entrega de coisa.
Portanto, para os fins que aqui nos interessam, as obrigações de entrega de coisa fungível ou de entrega de determinado bem móvel, sob o âmbito da ação monitória, referem-se a obrigações de entregar coisa. A efetivação desta, no entanto, não mais ocorre através de processo de execução propriamente, mas sim através da atuação das medidas que compõem a tutela mandamental (art. 461-A do CPC). Tanto é assim que, conforme a nova redação do art. 621 do CPC, somente se aplica o processo de execução propriamente (Capítulo II, do Título II, do Livro II do CPC) para a hipótese de "título executivo extrajudicial" (destaquei).
Isso fica ainda mais claro quando se nota que as novas disposições do art. 624, dos §§ 1º e 2º do art. 627, e do caput do art. 744, do CPC, não mais mencionam o termo "sentença", existente na redação anterior. Além disso, este último art. 744 passou a integrar o Capítulo III do Título III do Livro II do CPC ("Dos Embargos à Execução Fundada em Título Extrajudicial", destaquei), nos termos do art. 3º da Lei nº 10.444/02.
4. EFETIVAÇÃO DO MANDADO EXECUTIVO MONITÓRIO RELATIVO A ENTREGA DE COISA APÓS A LEI Nº 10.444/02
Quanto ao procedimento monitório, após a não-oposição de embargos ou com sua rejeição, tem-se a constituição de "título executivo judicial" (destaquei), conforme expressamente menciona o art. 1.102c, caput, e § 3º.
Mesmo assim, o que se nota é que o legislador desta última "Reforma do CPC" não adaptou a redação deste dispositivo, para que o tornasse compatível com as alterações realizadas na efetivação das obrigações de entrega de coisa. Em outras palavras, o avanço alcançado quanto a esta tutela específica não foi acompanhado de qualquer alteração na sistemática da "execução" da monitória.
Diante deste silêncio das recentes leis do processo civil, em princípio, duas interpretações são possíveis, na ação monitória relativa a "entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel":
a) Mesmo com a conversão do mandado inicial em mandado executivo, a lei determina que se prossiga em conformidade com o processo de execução para entrega de coisa. Como o título judicial em questão, na realidade, não decorre de demanda condenatória (no qual a sentença é proferida após a cognição propriamente), 7 a lei não quis impossibilitar a apresentação de embargos à execução pela parte, mesmo se não apresentados embargos ao mandado monitório (art. 1.102c, caput) ou se estes foram rejeitados (art. 1.102c, § 3º). 8
b) Havendo a constituição, de pleno direito, do título executivo judicial, a efetivação da obrigação nele contida, atualmente, não opera mais segundo o processo de execução do Capítulo II, do Título II, do Livro II do CPC, o qual passou a ser restrito às execuções fundadas em título extrajudicial. Neste caso, a remissão que o art. 1.102c, caput e § 3º faz não mais prevalece, quanto à hipótese específica da obrigação de entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. Diante das alterações perpetradas pela Lei nº 10.444/02, o título executivo advindo desta modalidade de procedimento monitória necessariamente remete às novas disposições do art. 461-A do CPC, que afastam a existência de execução propriamente, estabelecendo meios mais eficazes de se obter o cumprimento do preceito. Tratando-se de tutela mandamental, tem-se a efetivação do provimento sem intervalo para o processo de execução; com isso, o réu, após a conversão em mandado executivo, não mais poderá opor embargos à execução. 9
Não se pode duvidar que esta segunda conclusão oferece ainda maior celeridade e eficácia na satisfação do bem jurídico. Entretanto, não tendo a lei sido expressa neste sentido, pode-se dizer, até que surja alteração no procedimento da ação monitória, que o primeiro posicionamento deve prevalecer. Vejamos as razões.
Quanto ao procedimento específico da tutela monitória, a lei trata expressamente da questão, não havendo omissão para que se aplique a regra genérica de tutela específica do art. 461-A do CPC. Segundo consagrada regra de hermenêutica (art. 2º, § 2º, da LICC), a lei geral (no caso, relativa à obrigação de entrega de coisa), ainda que posterior, não revoga a lei especial (no caso, referente à obrigação de entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel, pleiteado através da via específica da ação monitória). Assim, havendo norma específica quanto à execução do título executivo advindo do procedimento monitório (art. 1.102c, caput e § 3º), esta é que deve ser observada (legem habemus). Não se trata, como se vê, de posicionamento retrógrado ou sem compromissos com a efetividade da tutela jurisdicional, mas sim de interpretação em conformidade com a mens legis.
Pode-se dizer, ainda, que a tutela mandamental para obrigação de entrega de coisa decorre especificamente de ação de conhecimento, de natureza condenatória, tanto que o art. 461-A do CPC encontra-se situado no seu Livro I ("Do Processo de Conhecimento"). Ou seja, perante a sistemática em vigor, somente esta sentença condenatória e a decisão interlocutória de antecipação de tutela é que possibilitam a efetivação da tutela específica através das medidas previstas nos arts. 461 e 461-A, sem intervalo e independentemente de processo de execução. Quanto ao procedimento monitório, não estabelece a lei esta mesma sistemática; pelo contrário, é a própria lei que remete ao processo de execução, no qual é possível a oposição dos embargos (art. 622 do CPC). 10
Por fim, nada impede que, no procedimento monitório, estabeleça a lei que a execução será, nesta hipótese em específico, em conformidade com determinado procedimento, ainda que este não mais se aplique para hipóteses distintas (no caso, referentes à efetivação de sentença condenatória relativa à obrigação de entregar coisa).
Dizer que onde está escrito, quanto ao procedimento monitório, "prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV", deve-se ler "prosseguindo-se na forma prevista no art. 461-A e no Livro II, Título II, Capítulo IV", pode até ser, sob certos aspectos, um desejável avanço. Inobstante, juridicamente, até que ocorra alteração legislativa, isso representaria violação frontal do devido processo legal, de magnitude constitucional (art. 5º, LV, da CF/88), pois seria burlar a sistemática expressamente prevista, pela norma processual, para a tutela monitória. Isso para não se mencionar a violação do princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF/88), verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF/88), subvertendo o escopo de garantir a segurança jurídica aos que atuam na relação processual, participando do contraditório. 11
Por fim, mesmo adotando-se o posicionamento aqui defendido, os embargos à execução, opostos na fase executiva do procedimento monitório (inclusive quanto à obrigação de entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel), que tem início com a conversão em mandado executivo, somente pode tratar de matérias afetas à execução de título judicial. 12 Realmente, dispondo a lei, de forma clara, que há a constituição, de pleno direito, do "título executivo judicial" (art. 1.102c, caput e § 3º, grifei), os embargos à execução necessariamente devem referir-se às matérias mencionadas no art. 741 do CPC ("Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar ..."). Não há aqui contradição alguma, eis que, no caso, tem-se procedimento monitório, com o que, embora se aplique as disposições do processo de execução para entrega de coisa (que a Lei nº 10.444 tentou restringir aos títulos extrajudiciais), quanto aos embargos, a matéria a ser argüida deve respeitar a natureza do título que, no caso, especificamente quanto à tutela monitória, é judicial.
Concluindo, tem-se que o tema aqui enfocado, como se pode notar, mostra-se de enorme relevância prática, esperando-se que as poucas linhas aqui escritas possam fomentar maior debate a respeito.
BIBLIOGRAFIA
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