DENUNCIAÇÃO À LIDE: AS DENUNCIAÇÕES SUCESSIVAS DA LIDE (ARTIGO 73 DO CPC) E A EFETIVIDADE DO PROCESSO - Héber Mendes Batista

Juiz de Direito no Estado de São Paulo e
Professor de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Ribeirão Preto..

SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais; 2 Os motivos para o não-cabimento de denunciações sucessivas; 3 Das vantagens e desvantagens do indeferimento de denunciação da lide em casos de intromissão de fundamento jurídico novo na demanda; 4 Conclusão; Bibliografia.


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A denunciação da lide, segundo precisa lição de ARRUDA ALVIM, é a forma reconhecida pela lei como idônea para trazer terceiro ao processo (litisdenunciado), a pedido da parte, autor e/ou réu, visando a eliminar eventuais ulteriores ações regressivas, nas quais o terceiro figuraria, então, como réu. 1
Na verdade, esta modalidade de intervenção de terceiros objetiva evitar uma pulverização de processos decorrentes de um mesmo fato, contribuindo, por conseguinte, com uma maior celeridade na prestação jurisdicional, na medida em que, num mesmo processo, o juiz irá decidir a lide principal e a secundária, diminuindo, com isso, a sobrecarga de processos no foro em geral.


A denunciação serve, de igual modo, como forma de se evitar o risco de decisões conflitantes. Na verdade, com a denunciação da lide tem-se a economia processual, e, ao mesmo tempo, a tão propalada e almejada segurança jurídica, advinda de toda e qualquer decisão judicial.


Por força daqueles motivos óbvios (economia processual e segurança jurídica), é que o legislador de 1973 incluiu no art. 70 do CPC a figura da denunciação da lide (e não mais o chamamento ao processo, como ocorria no CPC/39), cujo espectro de incidência é bem maior do que ao do chamamento ao processo do CPC/39, 2 cuja obrigatoriedade, no entanto, somente existirá na hipótese do inciso I (evicção e transmissão de direitos - garantia própria). 3


Até aqui, inexiste qualquer novidade digna de nota, de sorte a aguçar o interesse dos operadores do direito, conquanto a regra da denunciação decorrente de lei ou de contrato está bem definida no CPC (art. 70 e seguintes do CPC).


A questão controvertida, por conseguinte, e em cuja extensão este breve trabalho imiscuir-se-á, é aquela referente à denunciação sucessiva da lide, mais especificamente na sua admissibilidade ou não, frente ao que dispõe o art. 73 do CPC.


2 OS MOTIVOS PARA O NÃO-CABIMENTO DE DENUNCIAÇÕES SUCESSIVAS


A jurisprudência de nossos Tribunais tem se pautado na impossibilidade das chamadas denunciações sucessivas nos casos de ações de indenização por ato ilícito, como fundamento de que a denunciação nesses casos somente é possível quando o direito de ação do denunciante é derivado e não originário.
Na verdade, a jurisprudência do TJSP 4 adotou, há muito tempo, tese hoje corrente do STJ, que entende ser impossível a denunciação da lide, sempre que houver necessidade de intromissão de fundamento jurídico novo na demanda. 5 Essa tese - já consagrada na jurisprudência, cujo primeiro defensor foi o Prof. VICENTE GRECO FILHO 6 - dá uma interpretação restritiva ao art. 70, III, do CPC, que, segundo a doutrina, não se afigura com a melhor interpretação do direito processual civil brasileiro, no que toca ao instituto da denunciação à lide. 7

Com efeito, ARRUDA ALVIM afirma que essa interpretação restritiva, que obsta a denunciação da lide nos casos da chamada garantia imprópria, decorre do direito italiano, que teria sido adotada pelos tribunais de nosso país para efeito de acolhimento daquela tese restritiva. Entretanto, segundo diz o ilustre processualista da Pontifícia Universidade de São Paulo, essa posição é equivocada, porque, segundo ele, assenta-se em três equívocos, a saber: 1) essa distinção não existe no direito italiano, ou seja, da impossibilidade de novas denunciações com invocação de fundamento jurídico novo; 2) o direito brasileiro, ainda que se aceite a distinção entre garantia própria e imprópria, não admite que se afaste essa chamada garantia imprópria, nem mesmo por uma interpretação sistemática do instituto em comento; 3) tomou-se do direito italiano uma distinção que nem lá mesmo existe, 8 ou seja, utilizou-se do direito processual italiano uma distinção que a lei daquele país não faz, com que incorreu a jurisprudência num paradigma equivocado.


Na verdade, segundo o processualista citado, o sistema italiano serve é para admitir a denunciação nos casos de garantia imprópria e não para rechaçá-la, motivo pelo qual deve ser dada uma interpretação ampliativa ao inciso III, do art. 70, do CPC, até mesmo por força da regra contida no art. 109 do mesmo código, que estabelece regra de competência absoluta, porque funcional, na qual há determinação imperativa de julgamento simultâneo pelo mesmo órgão jurisdicional, sempre que houver ações conexas.
Essa posição é adotada também por MILTON FLAKS, que critica, veementemente, a jurisprudência que adota a doutrina italiana (chiamata in garanzia), para efeito de restrição da denunciação, sempre que há intromissão de fundamento jurídico novo. 9


Discorrendo sobre o assunto, o autor citado diz que, a cristalizar a tendência restritiva, o processo civil brasileiro acabará retrocedendo ao passado, mantendo-se em descompasso com a moderna processualística e frustrando o principal objetivo da reforma processual de 1973: estender a denunciação da lide a todas as hipóteses de direito regressivo. 10

Igual posição é sufragada por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, para quem a adoção da tese restritiva faz com que o art. 70, III do CPC não tenha vigência alguma, porque o único caso de garantia direta, sem intromissão de fundamento jurídico novo, seria o da evicção, 11 conquanto em toda e qualquer denunciação requerida com base nas hipóteses do inciso III, do art. 70, há, de uma forma ou de outra, intromissão de um fundamento jurídico novo na demanda.


Por esse prisma, pois, forçoso seria concluir que o juiz não pode inadmitir a denunciação sucessiva, porque perfeitamente possível frente ao que reza o art. 70, I, II e III. c/c art. 73, ambos do CPC, mormente nos casos de previsão contratual carreando às denunciadas a responsabilidade pelos danos que o denunciante vier a causar a terceiros.


Releva notar, ainda, que não seria justo e nem jurídico impor à denunciante o ônus de suportar uma condenação em processo de indenização, para só então aforar ação regressiva, uma vez que não é isto que está na lei e não seria este o sentido teleológico da norma que instituiu a denunciação da lide.
Entretanto, por mais contraditório que possa parecer, devemos nos curvar à posição hoje consolidada no STJ, porque retrata, fielmente, a vontade do legislador, ou seja, a busca incessante da celeridade processual e, acima de tudo, da tão propalada efetividade do processo.


Afirmamos isso em face da observação daquilo que ordinariamente acontece.


É que se tem verificado, com muita freqüência, que decisões nesse sentido (admitindo denunciação à lide com intromissão de fundamento jurídico novo ou de direito originário ou de garantia imprópria, como queiram, ou até mesmo nos casos das chamadas denunciações sucessivas) têm acarretado inconvenientes de toda ordem ao processo (grande número de partes, de respostas, de pedidos de provas, etc.), provocando, com isso, o reverso daquilo que foi objetivado pelo legislador, ou seja, a pronta e rápida solução dos processos.


Em realidade, as discussões havidas nas lides secundárias ou sucessivas podem eternizar em muito a prestação jurisdicional, 12 razão pela qual se tem, amiúde, indeferido denunciação da lide em casos semelhantes ao do acórdão sob comento.


Em abono dessa tese, trazemos à colação excerto de acórdão proferido pelo TJSP, que, afastando a denunciação sucessiva em ação de indenização ajuizada em prol das vítimas e parentes de vítimas de notória explosão de um shopping center da cidade de Osasco, assim se pronunciou: A efetividade de um processo de reparação de danos derivada desse episódio passa a ser questão de dignidade de justiça e isso reclama comprometimento do Estado-Juiz não com o máximo resultado global possível, mas com o melhor proveito em face da violação do direito da vítima. A economia de ações, o maior fundamento empregado por aqueles que defendem a incidência sem limites da denunciação de lide, perde terreno para a vontade do Estado em tutelar com urgência ações com notoriedade e que provocam clamor público. 13
A tese esposada pelo Tribunal Paulista seguiu, como já afirmado, orientação hoje pacífica no STJ, que, adotando tese semelhante, decidiu que: A denunciação da lide, como modalidade de intervenção de terceiro, busca atender aos princípios da economia e da presteza na entrega da prestação jurisdicional, não devendo ser prestigiada quando susceptível de pôr em risco tais princípios (REsp 49.418 - Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO). 14


Poder-se-ia até argumentar que uma decisão desta natureza é vazia de conteúdo jurídico, na medida em que a lei processual permite, por um lado, a denunciação em casos que tais e, por outro, as chamadas denunciações sucessivas (art. 73, do CPC). Entretanto, incorre em grave erro quem raciocina desta forma, porque é regra cogente do processo civil (dever do juiz) que o magistrado deve velar pela rápida solução do litígio (art. 125, II, do CPC), regra essa perfeitamente cabível às hipóteses de denunciação com base em garantia imprópria ou intromissão de fundamento jurídico novo.


Por tais motivos, pensamos que a jurisprudência tem dado uma solução prática e ao mesmo tempo jurídica, quando, sistematicamente, veda a denunciação da lide fundada em garantia imprópria ou originária, ou mesmo quando se pretende introduzir um fundamento jurídico novo na demanda.
3 DAS VANTAGENS E DESVANTAGENS DO INDEFERIMENTO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE EM CASOS DE INTROMISSÃO DE FUNDAMENTO JURÍDICO NOVO NA DEMANDA
Como visto no item 2, supra, a doutrina e a jurisprudência são dissentes quanto à possibilidade de denunciação da lide com intromissão de fundamento jurídico novo na demanda. Entretanto, como dito alhures, pensamos que toda e qualquer denunciação da lide levará ao processo, de uma forma ou de outra, novos fundamentos para a demanda, sobre os quais deverá o juiz necessariamente se manifestar, sob pena de nulidade do julgado. Por força disso, a melhor solução para a admissão ou não de denunciação nesse sentido é deixar ao prudente arbítrio do juiz.


Na verdade, competirá ao juiz, diante do caso concreto, verificar a possibilidade ou não de novas denunciações. Se a denunciação inviabilizar a rápida solução do litígio, deverá indeferi-la. Se, ao revés, se convencer que a denunciação irá proporcionar um julgamento mais célere, propiciando uma maior efetividade do processo, deverá deferi-la.


Num ou noutro caso, no entanto, não deve o juiz exagerar na preocupação da celeridade processual. A rapidez no andamento da causa não deve ir até o ponto de comprometer seriamente o acerto da decisão. 15 Muitas vezes um ritmo processual trepidante prejudica as partes; prejudica a produção de provas; prejudica o próprio julgamento da demanda. Desta forma, o que ele deverá ter sempre em mente, para efeito de deferimento de uma pretendida denunciação da lide, é, repita-se, a efetividade do processo. Se esta puder ficar comprometida com a formação de uma lide secundária, deve indeferi-la. Do contrário, deverá deferi-la, para, num único processo, resolver mais de uma questão, evitando, no futuro, o ajuizamento de novas demandas, diminuindo, com isso, o risco das inconvenientes decisões conflitantes.
Na verdade, o formalismo do processo de um lado e a instrumentalidade, de outro, devem ser sopesados pelo juiz, para efeito de proferir a mais prática e justa decisão acerca da denunciação da lide nos casos de garantia imprópria ou mesmo de denunciações sucessivas. A interpretação do juiz para efeito de deferimento ou não de uma denunciação da lide nesses moldes deve ser aquela interpretação utilizada como regra geral do processo civil, ou seja, deve o julgador aplicar a norma processual de modo a trazer a certeza do direito às partes litigantes e, acima de tudo, a segurança jurídica decorrente da relação jurídica processual. 16


4 CONCLUSÃO


Finalizando, é forçoso convir que as chamadas denunciações sucessivas não podem, de fato, ser deferidas pelo juiz, mormente nos casos de intromissão de fundamento jurídico novo na demanda, porque decisão desse jaez pode inviabilizar - como de fato inviabiliza - a rápida e pronta solução do litígio, fazendo, com isso, que o nosso processo civil se torne ainda mais inefetivo.


E, falando em efetividade do processo, cuja definição ainda não é uniforme na doutrina, convém deixar registrado, aqui, lição de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, que, sem definir exatamente o que seria a efetividade do processo, tenta sintetizar cinco itens que considera um programa básico em favor da efetividade do processo. 17 São eles: a) instrumentos adequados a todos os direitos; b) esses instrumentos devem ser utilizáveis, sejam quais forem os titulares do direito; c) condições adequadas para o restabelecimento do direito; d) o direito a ser resgatado deve corresponder exatamente aquilo a que faz jus o titular desse direito; e) máximo de resultado com o mínimo de esforço possível.


Observa-se, pois, que o paradigma de efetividade do processo é exatamente a aplicação de instrumentos processuais práticos, céleres, sem muito custo para as partes e que responda, no menor prazo possível, àquilo que a parte alcançaria caso houvesse cumprimento voluntário da obrigação pela outra parte.
Sintetizando, podemos conceituar efetividade do processo como sendo eficácia da lei processual, com sua aptidão para gerar os efeitos que dela é normal esperar. 18


Portanto, se as razões esposadas nos itens anteriores já são suficientes para se rejeitar as denunciações sucessivas, a efetividade do processo surge, agora, como mais um supedâneo a dar base a toda e qualquer decisão que vede a proliferação de lides sucessivas, que, longe de resolver o problema da atomização das lides - para usar expressão já consagrada de KAZUO WATANABE - traz grande entrave à solução do processo, bem assim a pacificação social de que tanto fala HANS KELSEN quando trata da ordem jurídica e segurança coletiva. 19


BIBLIOGRAFIA
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1, 5 ed., São Paulo: RT, 1996.
ANDRADE, Manuel Domingues de. Noções Elementares de Processo Civil. Coimbra: Coimbra, 1993.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de Terceiros. São Paulo: Malheiros Editores, 1984.
FLAKS, Milton. Denunciação da lide. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
Julgados do TJSP. São Paulo: Lex, nº 217.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. de João Baptista Machado, 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000.
NEGRÃO, Theotônio. CPC e legislação processual em vigor. 30. ed. com colaboração de José Roberto Ferreira Gouvêa, São Paulo: RT, 1999.
SAMPAIO, J. Miguel Bezerra; VARELA, Nora Antunes. Manual de Processo Civil. 2 ed., Coimbra: Coimbra, 1985.
WATANABE, Kazuo; PELLEGRINI GRINOVER, Ada et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 5 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997.


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