MEIO AMBIENTE: O NOVO CÓDIGO CIVIL E A PROTEÇÃO AMBIENTAL - Héber Mendes Batista

Juiz de Direito da Primeira Vara de Sertãozinho/SP, Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Professor Adjunto de Direito Processual Civil da Universidade de Ribeirão Preto.

SUMÁRIO: Introdução; 1 - A legislação ambiental especial e as afetações da propriedade e os direitos do proprietário; 2 - A responsabilidade do adquirente pelo imóvel devastado; 3 - A prevalência dos princípios constitucionais no campo do direito ambiental; 4 - A interpretação do novo Código civil e da lei ambiental; 5 - Considerações finais; Bibliografia.


INTRODUÇÃO


O novo CC (Lei nº 10.406/02, a entrar em vigor um ano após a sua publicação) foi criado sob três princípios fundamentais: a) eticidade, pelo qual o formalismo jurídico exagerado deu lugar, em muitos casos, a normas genéricas (declarações de direito), de sorte a possibilitar o constante uso da hermenêutica por parte do juiz, o qual, por conseguinte, pode aplicar a norma de acordo com o momento histórico vivido pela sociedade moderna; b) socialidade, na medida em que estabelece padrões sociais da norma e não mais individual, tanto que chega a tratar da função social do contrato (arts. 421 e 422) e também da posse, diminuindo, inclusive, os prazos da prescrição aquisitiva (usucapião); c) operabilidade, segundo o qual impôs-se ao operador do direito soluções normativas para facilitar a interpretação e aplicação do Código, afastando dúvidas sobre os diversos institutos jurídicos, como, por exemplo, ocorria com a prescrição e decadência. 1


Por força desses princípios e tendo em vista o que já dispunha a CF (arts. 170, III, e 225, caput), o novo CC, ao tratar da propriedade em geral (Livro III, Título III, Capítulo I), trouxe dispositivo genérico de grande importância para o Direito Ambiental, quando, em seu art. 1.228, § 1º, dispôs que "O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas".


O referido dispositivo apenas veio consolidar, no seio deste importante diploma legal, princípios constitucionais a respeito do meio ambiente, comprovando que o direito de propriedade não é absoluto e, por conseguinte, comporta afetações decorrentes da afirmação de princípios de caráter constitucional, mormente aqueles de relevância social.
O uso racional da propriedade é, pois, dever de todos e o uso e gozo da coisa devem ser concretizados de maneira a atender a coletividade em geral (e não apenas aos interesses privados do titular do domínio), podendo a lei especial - como de fato já podia - impor restrições ao uso da propriedade para efeito de atendimento não só das diretrizes da Lei de Política Ambiental 2 e do Código Florestal, mas, especialmente, dos princípios constantes da nossa CF. 3 


1 - A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ESPECIAL E AS AFETAÇÕES DA PROPRIEDADE E OS DIREITOS DO PROPRIETÁRIO


Aquele dispositivo do novo CC apenas confirmou o que já era princípio contemplado na CF e que, em larga medida, já era assente na doutrina e na jurisprudência.
Em outras palavras: a partir da entrada em vigor do novo CC, toda a legislação especial que trata do Direito Ambiental continuará vigendo, porque está em consonância com o que dispõe o novo CC (art. 1.228, § 1º). 4 


Acresça a isso, o fato de que o Direito Público - e o Direito Ambiental está incluído neste rol 5 - tem como um dos princípios informadores aquele que diz respeito à supremacia do interesse público sobre o particular, o que impõe a efetiva proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e possibilita, por meio de extensa legislação extravagante, a afetação do domínio privado, como forma de observância de vários princípios que norteiam esse importante ramo do direito, que, na sua gênese, tem como finalidade a proteção de direito indisponível pertencente a toda coletividade. 6 


Esses princípios informadores também são tratados pela legislação especial (Lei nº 6.938/81) 7 - que contempla, dentre outros, o denominado princípio do poluidor-pagador 8 - inserindo, entre nós, a responsabilidade objetiva pelos danos causados ao meio ambiente, seja em face do proprietário, seja em relação ao usuário do imóvel (art. 14, § 3º, da mesma Lei). 9 
O Código Florestal, de igual modo, permite afetações da propriedade, tal como ocorre com a imposição da chamada reserva legal de, no mínimo, 20% da área (art. 16, § 2º). 10 
Essa afetação (reserva legal) já vem sendo fiscalizada pelos órgãos incumbidos de promover a Política Nacional do Meio Ambiente e, ademais, é objeto de inúmeras ações civis públicas propostas pelo MP, que, a partir da entrada em vigor do novo CC, passará a ter neste diploma legal importante referência genérica a servir como mais um móvel de sua notável atuação em tão importante esfera do direito público.


É relevante dizer, outrossim, que essas afetações - e mais especificamente a imposição de reserva legal no patamar mínimo de 20% da área rural - não violam o direito de propriedade, uso e gozo da coisa, e muito menos impõe ao Estado o dever de indenizar, porque tais afetações decorrem da lei e estão voltadas ao interesse social, na exata medida em que procuram manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, 11 sem que isso impeça ao titular do domínio a respectiva exploração da área, desde que, é claro, observe as limitações de interesse social. 12 


Essas afetações, como dito, muitas vezes não conferem ao proprietário o direito à indenização, porquanto não gravam somente o imóvel de um ou outro proprietário. Tais afetações, na verdade, gravam os bens de todos os titulares de domínio de propriedades rurais privadas do país 13 e, portanto, se consubstanciam em restrições genéricas que não dão direito à correspondente indenização por desapropriação, inclusive porque a exploração do bem não fica inviabilizada.


O novo CC, portanto, apenas veio recepcionar inúmeras normas de proteção ambiental, que, nas palavras de JOSÉ RENATO NALINI, se apresentam como um verdadeiro cipoal normativo, 14 que cresce a cada dia e sobrevive bem mais do que a própria degradação da natureza.


2 - A RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE PELO IMÓVEL DEVASTADO


Outro ponto importante - e que tem a ver com o novel CC - diz respeito ao momento em que ocorreu a aquisição do imóvel rural para efeito de fixação de responsabilidades sobre os danos ao meio ambiente.


Indaga-se: é dever do adquirente reflorestar área degradada pelo alienante em face do que agora dispõe o novo CC? É evidente que sim.
Com efeito, é irrelevante, neste aspecto, a circunstância do adquirente já ter recebido a propriedade rural devastada, porque a simples aquisição da propriedade não exime o adquirente do dever de reparar o dano ambiental, porquanto a responsabilidade, como visto, é objetiva e solidária, consubstanciando-se, ainda, em obrigação real - propter rem -, de tal sorte a prender-se ao titular do domínio e, assim, firmar a sua obrigatoriedade pelos danos ao meio ambiente.


O certo é que a proteção ambiental contém princípios de natureza constitucional que não podem ficar à mercê de questiúnculas de isenção de responsabilidades envolvendo alienante e adquirente, que, à toda evidência, não podem ser opostas ao Poder Público para efeito de afastar o dever de indenizar o dano já ocasionado ao meio ambiente.
Caso isso ocorra, o Estado poderá exigir do adquirente o cumprimento efetivo das regras de proteção ambiental, dentre elas a instituição de reserva legal (20%), cabendo ao adquirente apenas buscar, em ação regressiva, a correspondente indenização.


À luz dos princípios informadores do Direito Ambiental o que não se pode permitir é que o adquirente se sirva ao máximo dos recursos que a natureza lhe concedeu e, ao mesmo tempo, despreze os pressupostos essenciais à dignidade da vida humana 15 e à manutenção de um sistema ecologicamente equilibrado e, finalmente, desrespeite verdadeira declaração genérica de direito ambiental, agora presente em tão importante diploma de direito privado (art. 1.228, § 1º do novel CC).


Por força disso é que, a partir da entrada em vigor do novo CC, redobradas deverão ser as atenções do Estado e dos órgãos encarregados de promover a política de proteção ambiental no Brasil, para que implementem ações tendentes a fazer cumprir aquilo que já era mandamento constitucional e que agora encontra repositório no mais importante diploma de direito privado de nosso país.


3 - A PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO CAMPO DO DIREITO AMBIENTAL


No âmbito do Direito Ambiental não se pode permitir uma visão do direito de propriedade afastado da sua função social, que, segundo dispõe a Constituição Federal, se reveste de requisitos estabelecidos em lei e na própria Constituição, dentre eles, a utilização da propriedade rural de forma adequada à preservação do meio ambiente (art. 186, incisos I e II, da Constituição Federal).


Ora, as matas e florestas que compõem qualquer propriedade rural não se revestem de mero instrumento de uso e gozo indiscriminado pelo proprietário, de modo a permitir, ilimitadamente, a satisfação apenas aos seus interesses pessoais. Na verdade, atualmente, a exploração da propriedade rural deve seguir parâmetros de bem-estar social (Welfare State), que impõe ao proprietário a obrigação de observar um equilíbrio entre a atividade econômica e a proteção ambiental.


Nessa seara, como já foi dito em linhas precedentes, o interesse social deve sempre prevalecer sobre o interesse particular, porquanto, dentre os princípios constitucionais que regulam a atividade econômica, sobrelevam-se aqueles que dizem respeito à função social da propriedade e da defesa do meio ambiente (art. 170, incisos III e VI, da Constituição Federal).
Não se aceita mais os ideais do liberalismo econômico, que tanto se defendeu no século XIX e até depois da Segunda grande Guerra Mundial, 16 mais especificamente no início dos anos 50, porque a idéia do individualismo sucumbiu frente ao interesse social que decorre da efetiva e permanente proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive com necessária intervenção do Estado da atividade econômica, se isto se mostrar adequado para se manter os padrões estabelecidos pela Constituição Federal e pelas leis infraconstitucionais em termos de proteção plena e eficaz do meio ambiente.


De outra banda, impende recordar, mais uma vez, que, nesse campo, a regra é a da responsabilidade civil objetiva.


Se a regra é a da responsabilidade objetiva, basta apenas a necessidade do nexo causal e do dano ao meio ambiente para que exista o correspondente dever de indenizar, o que, evidentemente, ocorre nos casos de continuidade da exploração integral da propriedade rural sem que se observe as limitações legais, porque a permanência da conduta omissiva do adquirente se constitui em verdadeira concorrência da causa apta à pretendida indenização. 17 
O que se objetiva com os princípios informadores do Direito Ambiental, bem assim com a regra agora contida no novo CC, é a solidariedade não só do Poder Público em todos os seus níveis 18 com o tema meio ambiente, como, igualmente, de toda pessoa física ou jurídica, porquanto a titularidade do bem ambiental não pertence exclusivamente ao Estado ou a uma parcela mínima da sociedade, mas a toda a coletividade, como deflui claro do art. 225 da CF, 19 já que se reveste de bem indisponível e indivisível por natureza.


Outrossim, é imperioso lembrar que o nosso sistema jurídico não é constituído apenas de normas, mas, também, de princípios, mormente aqueles de natureza constitucional, os quais são sempre mais importantes do que a própria norma jurídica pertinente ao caso e, por isso mesmo, merecem mais atenção e aplicabilidade por parte do juiz.


Nos ensina RONALDO DWORKIN que o sistema jurídico não é composto somente por leis (rules), que seriam, na versão de HERBERT HART, 20 um conjunto de normas primárias (que concedem direitos ou estabelecem obrigações) e secundárias (que prevêem como as regras primárias podem ser formadas, reconhecidas, modificadas e anuladas).
Segundo o prestigiado autor, o sistema jurídico é formado também por princípios (esses princípios seriam como um standard que, apesar de não se constituir numa regra, devem ser observados, porque se constituem numa exigência de justiça ou de equidade). 21 
Continuando, o citado autor explica que as regras são ou não aplicadas, enquanto os princípios não precisam de uma decisão particular, porque podem conviver dentro do mesmo ordenamento princípios contraditórios, que, diversamente das regras, devem ter peso ou importância.


Se assim é, quando esses princípios estiverem em confronto, a questão se resolve com o peso e importância de cada um.


É por isso que o Min. RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, citando DWORKIN, defende a tese do Direito como unidade, quando "propõe ao juiz trabalhar com um sistema jurídico integrado de regras e de princípios, de onde poderia ser extraída a melhor solução para os casos difíceis (hard cases, nos quais haveria aparentemente mais de uma solução possível, igualmente legítimas), permitindo ao juiz supor que o direito está estruturado por um conjunto de princípios concernentes à justiça e à equidade, e de aplicá-los aos casos novos de tal sorte que a situação de cada pessoa possa ser julgada com eqüidade e justiça segundo os mesmos standards". 22 


Urge, pois, que a intuição dos juízes seja usada como fator preponderante na aplicação da lei, mormente quando exista a necessidade de se insurgir contra a interpretação meramente literal da lei. Isto se deve ao fato de que a própria razão lógica do ser humano (e o juiz é um homem) repele a aparência nua e crua do texto, impondo ao intérprete harmonizá-lo com a realidade em que vive. 23 


Essa importância dada aos princípios do campo do Direito Ambiental espraia-se de uma forma universal e pode ser utilizado por todos e contra todos os Estados, porque a proteção do meio ambiente 24 se constitui em importante tema de Direito Internacional e se reveste em obrigação institucional de todos os Estados, tanto que existe o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 25 dado o grau de importância do desenvolvimento sustentável em todo o planeta.
Por tudo isso é que, entre fazer prevalecer um princípio de índole constitucional e universal (proteção efetiva ao meio ambiente com desenvolvimento sustentável) e a legislação infraconstitucional, aquele deve se sobrepor a esta, caso a lei esteja em desconformidade com tão importante princípio de natureza universal.


Essa proteção universal do meio ambiente vem se firmando como um princípio geral de direito internacional e foi aprovado e adotado em Conferência Internacional das Nações Unidas como alto valor moral e que, portanto, se constitui em importante base na formação de norma de direito internacional. 26 


O tema, inclusive, já há muito tempo é tratado com grande interesse na Comunidade Econômica Européia (desde o Tratado de Roma de 1956 e depois pelo Ato Europeu de 1985, este integrado ao Tratado de Maastricht de 1992) e hoje consta, inclusive, da Constituição Italiana (art. 11), que admite essa importante evolução institucional e dispõe que a limitação da soberania do país deve ser pensada em nome de superiores exigências de cooperação internacional na busca incessante de proteção do meio ambiente. 27 


Não é à toa, aliás, que em várias Conferências da ONU, dentre elas a de Estocolmo de 1972 e a Rio 1992, ficou patenteado que é global e ingente a preocupação com o meio ambiente.
O tema, como se vê, não fica restrito a determinado Estado, porque se afigura de importância mundial, de modo que não se pode permitir que uma dada norma de interesse particular prevaleça sobre outra de interesse social, sob pena de quebra da coerência do sistema jurídico, de que tanto nos fala NORBERTO BOBBIO. 28 


Sobreleva destacar, ainda, que a nossa CF é emblemática no trato do meio ambiente, de sorte que o juiz não pode deixar de dar a mais ampla e efetiva resposta aos ataques ao meio ambiente, porque a "ele incumbe, prioritariamente, concretizar as mensagens normativas do constituinte". 29 


A bem da verdade, nas lides que envolvam a proteção do meio ambiente, o juiz deve, tal como observa JOSÉ RENATO NALINI, ser o principal responsável em tornar efetivo o desiderato constitucional da mais ampla proteção do meio ambiente. 30 


De resto, a responsabilidade do juiz em ações deste jaez implica na própria garantia de sobrevivência das gerações futuras e em conciliar o interesse privado com o público, devendo, sempre, este se sobrepor àquele.


Em realidade, a função teleológica da norma ambiental - que agora também é reconhecida pelo novo CC - é dotar o Estado de autonomia para o incremento de políticas objetivas e essenciais, que visem a redução do uso nocivo da propriedade, protegendo, com resultados positivos, a saúde e a higiene pública de todos os cidadãos, 31 garantindo, desta forma, uma perspectiva de vida futura decorrente da preocupação presente. 32 


4 - A INTERPRETAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL E DA LEI AMBIENTAL


No âmbito do Direito Ambiental, como, de resto, ocorre em qualquer ramo do direito, não se permite mera interpretação literal da norma jurídica, fazendo como regra absoluta a máxima in claris cessat interpretatio, porque é sabido que diversas são as técnicas de interpretação da norma (literal, lógica, sistemática, histórica, teleológica etc.).
Essas técnicas, segundo magistério de MARIA HELENA DINIZ, não se anulam, mas, ao revés, se completam, de tal sorte a possibilitar o uso de todas elas para efeito de se aferir a verdadeira mens legis. 33 


Na questão ambiental e, mais especificamente na sua abordagem no novo CC (art. 1.228, § 1º), impende que o exegeta faça uma interpretação histórica, sistemática e teleológica.
Histórica, porque desde muito antes da CF/88 assentou-se, entre nós, o pensamento político e jurídico da necessidade de efetiva proteção ao meio ambiente, havendo, há muitos anos, no seio de toda a coletividade, uma preocupação ingente com as questões que digam respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 34 


Também deve ser lógica, porque não se admite a existência de toda uma multidisciplinariedade de normas regulando assunto de tão relevante interesse social e, mesmo assim, se pretenda atribuir falta de eficácia a determinada lei, sem que, para tanto, se faça o seu exame em cotejo com as demais normas e, em especial, a CF.


Por fim, a interpretação deve ser teleológica, porque é intuitivo que o constituinte e o legislador do novo CC, ao editarem normas de tamanha importância, objetivaram a sua imediata aplicação, porque não se pode conceber a tutela do meio ambiente sem o uso de normas que dêem a mais ampla e efetiva proteção aos chamados direitos ou interesses difusos ou metaindividuais.


Portanto, a interpretação de toda e qualquer norma de Direito Ambiental não pode ser feita sem que o intérprete se valha de todos esses elementos norteadores da hermenêutica jurídica, uma vez que a aplicação de uma norma em desconformidade com a finalidade do legislador consubstancia-se, em última análise, em burla da lei, "pois quem desatende ao fim legal está desvirtuando a própria norma". 35 


Continuando a tratar do tema, MARIA HELENA DINIZ professa que sempre é necessário uma "interpretação conforme a CF, que é mais do que uma técnica de salvamento da lei, pois pelo princípio da coerência lógica será imprescindível que se escolha o sentido normativo que se concilie com a Lei Maior, seu modelo supremo". 36 


Como se vê, o fundamento da inserção de importante regra jurídica no novo CC tão-somente veio a consolidar normas e princípios norteadores do Direito Ambiental, sendo a novidade do CC apenas mais uma expressão da já amadurecida consciência cultural ambiental (rectius: política) de todo o nosso sistema jurídico-social.


5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS


O novo CC, a par de observar os princípios referidos pelo Prof. MIGUEL REALE no pronunciamento que fez na sessão de 29.11.2001 na Academia Paulista de Letras, 37 apenas referendou princípios de índole constitucional que dizem respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à função social da propriedade, que, antes de se constituírem em simples princípios insertos na nossa Magna Carta, se revelam como regras universalmente aceitas e perseguidas pelos povos de todo o mundo.


A preocupação com o meio ambiente pelo legislador do CC demonstra importante avanço na legislação de nosso país, a comprovar que esse fenômeno jurídico não pode passar despercebido pelo fenômeno econômico, porque o desenvolvimento sustentável deve ser visto no seu sentido qualificativo da forma mais ampla possível.


Em outras palavras: o desenvolvimento tecnológico e econômico deve ser observado como possibilidade de progresso da sociedade com maior riqueza para os homens, mas sempre "com a preservação da base natural da sociedade". 38 


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