CRIME MILITAR - MINISTÉRIO PÚBLICO - OPINIO DELICTI - LEI 9.299/96, ARTIGO 2º, § 2º - Geraldo Batista de Siqueira - Jorge Gabriel Moisés - Mirthes Almeida Guerra Marques - Osmar Prudente
Geraldo Batista de Siqueira
Procurador de Justiça
Professor de Direito Penal e Processual Penal - UCG
Jorge Gabriel Moisés
Procurador de Justiça
Professor de Direito Penal
Mirthes Almeida Guerra Marques
Procuradora de Justiça
Osmar Prudente
Procurador de Justiça
SUMÁRIO: 1 - Introdução; 2 - Opinio Delicti do Ministério Público; 3 - Imprescindibilidade de Inquérito Policial Militar-IPM; 4 - Conclusões.
1 - INTRODUÇÃO
O MP, por injunção constitucional, titular exclusivo da ação penal pública, forma sua opinio delicti sobre uma diversidade de elementos, dados de convicção, entre os quais o inquérito policial, civil ou militar. O art. 27, CPP, articulado com os arts. 12; 39, § 5º; 46, § 1º, CPP, explicita, o quanto necessário, acerca da possibilidade de ajuizamento da peça acusatória, alheia ao suporte de uma investigação policial. Além da base normativa mencionada temos, para o reforço da assertiva, o que vem disposto nos arts. 26, I, b; II e IV e §§ 1º e 2º, da L. 8.625/93, mais os arts. 129, VI e VIII da CF e art. 47, CPP.
Uma lei, no mínimo curiosa, a L. 9.299/96, art. 2º, § 2º, insinua, com a possibilidade de vinculação do Ministério Público, no ato de sua opinio delicti, à informatio delicti, produzida, segundo a insinuação, com exclusividade, através de IPM. "Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos de inquérito policial militar à Justiça Comum".
No encaminhamento, já se pode observar dois graves equívocos da lei: encaminhará o IPM à Justiça Comum ao invés de fazê-lo, direcionado ao MP, como decorrência do disposto no art. 129, I da CF e a remessa seria feita pela Justiça Militar e não pela autoridade dirigente do IPM.
Anteriormente à EC 07, vinda com o famoso pacote de abril, havia clara interpretação sumular, do STF (Súm. 297), no caso de crime praticado por militar contra civil, como por exemplo, o homicídio no qual o foro era da Justiça Comum. "Os oficiais e praças das milícias dos Estados no exercício de função policial civil não são considerados militares para efeitos penais, sendo competente a Justiça Comum para julgar os crimes cometidos por ou contra eles".
Com o advento da alteração legal mencionada, a ementa do STF perdeu, por inteiro, qualquer aplicação, já que se transferia para o âmbito da Justiça Castrense a competência para o processo e julgamento na situação apontada.
O MP, no exercício da ação penal pública, na esfera civil ou militar, ficaria vinculado à produção probatória, vinda de eventual IPM.
É o que vamos ver no curso do presente trabalho, que aliás, é o seu objeto.
2 - OPINIO DELICTI DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A formação, pelo órgão acusatório, da opinião sobre o fato, na sua materialidade típica e autoria, a causa objetiva e subjetiva, a opinio delicti, expressão de sabor doutrinário e forense, não deve e não pode contar com a colaboração de juiz, autoridade policial, etc. Esta última, na prática diária, limita sua colaboração à feitura da informatio delicti, atividade que não é essencial ao magistério acusatório na deflagração da relação processual, conforme vimos, em linhas passadas, segundo textos expressos da própria lei.
A famosa lei, felizmente, talvez por um descuido de seus inspiradores (as emendas) não erigiu o IPM em condição única da ação penal (no aspecto da produção probatória inicial).
O MP não pode ficar jungido a um círculo restrito e predeterminado de prova, o que tornaria nula sua atividade de valoração. A CF, Lei Maior, dá-lhe o espaço suficiente para a busca da verdade, necessária, indispensável à justa composição do litígio, já que ele é o Paladino da Verdade Real (art. 129, VI e VIII), além das previsões da L. 8.625/93, cujos artigos já foram citados.
3 - IMPRESCINDIBILIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL MILITAR - IPM
Seria imprescindível, como condição da ação penal, o suporte probatório e em caráter de exclusividade, produzido no inquérito policial militar? O próprio texto legal, art. 2º, § 2º, da L. 9.299/96 de 20.08.1996, não dá a resposta afirmativa. A legislação prevê a propriedade jurídica do IPM, como base probatória para a deflagração da persecutio criminis in judicio, porém, sem exclusividade. Base probatória, não "a base probatória". Quisesse a lei exclusividade do IPM, como a informatio delicti, tê-lo a feito, a exemplo do que fez o Constituinte de 88, no art. 129, I: "São funções institucionais do Ministério Público: Promover, privativamente, a ação penal pública na forma da lei". O art. 100 do CP, com a redação vinda na L. 7.209 de 11.07.1984. Ou, ainda, quando a norma jurídica utilizar-se de expressão designativa de exclusividade.
O art. 3º, I da LC 40/81 - trazia: "São funções institucionais do Ministério Público: promover a ação penal pública". Entendeu-se, durante algum tempo, que a ação pública era privativa do MP, até que veio a Súm. 601 (STF), hoje sem efeito em face do art. 129, I - CF.
Não vincula a notitia criminis, originária de IPM, o órgão da acusação, quando da propositura da inicial postulatória. Vinculá-lo seria como transferir-se para a atribuição de autoridade policial militar, encarregado do IPM, a função acusatória, privativa do MP. Por vias oblíquas, o ato acusatório seria desviado de seu legítimo titular, o MP, para autoridade ilegítima.
Em face do sistema acusatório, quase pleno (art. 129, I, CF), copiosa é nossa jurisprudência, no sentido de que ao magistrado, na direção do processo, é defeso o indeferimento de pedidos de realização de diligências, tidas pela acusação como imprescindíveis ao oferecimento da denúncia (art. 16, CPP). Admissível a posição judicial, de avaliação da necessidade da diligência solicitada, a opinio delicti estaria sendo deslocada do âmbito da ação penal para a jurisdição, pese embora, a clareza do texto constitucional. Sobre a solicitação de diligências não deve incidir qualquer juízo de valoração quanto a seu cabimento, pela autoridade judiciária ou policial.
Num encontro de Delegados de Polícia, realizado em Porto Alegre, no ano passado, possivelmente, sugeriu-se, com rara infelicidade, que do MP fosse retirada a atribuição de requisitar a realização de diligência, requisição substituída pela simples sugestão, nesses termos: "sugiro (do Promotor ao Delegado) a realização de tais ou quais diligências". A acusação, ainda que sem os aspectos formais de sempre passaria para o âmbito das autoridades, incumbidas da atividade investigatória. Ela é que valoraria a conveniência, necessidade das diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
No episódio do esquadrão da morte, de trágica memória, várias foram as investigações realizadas pelos membros do MP, como HÉLIO PEREIRA BICUDO, DIRCEU DE MELLO e ALBERTO MARINO JÚNIOR, após os quais os mesmos nomes do Parquet Bandeirante ofereceram as correspondentes denúncias que, recebidas
foram mantidas pelo STF, denegando, para tanto, várias ordens de HC.
Recentemente, o STJ, vem de pronunciar-se pela compatibilidade entre investigação e propositura de ação pelo MP (RT 707/376).'
4 - CONCLUSÕES
I. O Ministério Público, na titularidade da Ação Penal Pública, é livre, não sofre limitações na coleta e avaliação de provas para a formação de sua opinio delicti.
II. A Lei nº 9.299/96, em seu art. 2º, § 2º, institui o IPM como uma forma de ato formal de investigação, nada mais, ficando aberta a via probatória para outras iniciativas;
III. Nos procedimentos previstos no Código de Processo Penal, prevê-se, como prática investigatória mais constante, o inquérito policial, sem, no entanto, o acompanhamento de sua obrigatoriedade, indispensabilidade, como fonte inspiradora da convicção acusatória do autor da ação penal.