COMPETÊNCIA - JUSTIÇA MILITAR OU JUSTIÇA COMUM? - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.299/96 - Antônio Carlos Batista Torres
Promotor de Justiça, em São Leopoldo-RS
Originada do Projeto de Lei nº 2.801, de 1992, foi editada a Lei nº 9.299, de 07 de agosto de 1996.
Além das várias imperfeições redacionais, o que mais chama a atenção é o seríssimo vício de inconstitucionalidade do seu art. 1º, parág. único, quando atribui à Justiça Comum a competência para processar e julgar crimes de natureza militar.
Se não, vejamos:
Diz o referido artigo:
"Art. 1º. O art. 9º do DL. 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 9º......................................................................................................................
II-.............................................................................................................................
c) omissis..............................................................................................................
f) omissis..............................................................................................................
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo (grifo nosso), quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum."
Pois bem. Estabelece o art. 124 da CF, sem deixar qualquer sombra de dúvida, que compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, definidos em lei (grifou-se, mais uma vez).
Assim, a própria CF autoriza a lei ordinária a conceituar o que é crime militar. Mas, apenas isso: conceituar o que é crime militar. Agora, a competência para processar e julgar os crimes militares, ela (a Constituição) estabeleceu, fixou. Portanto, não podia e não pode a lei ordinária, que é o caso da L. 9.299/96, modificá-la, pelo simples fato de que, em assim o fazendo, estar desrespeitando a Carta Magna. Portanto, viciando-se de forma irreversível, posto que tal violação tem o defeito da inconstitucionalidade.
Foi o que ocorreu com a lei examinada, ao tentar modificar a competência dos crimes dolosos contra a vida, cometidos por militares contra civis, nas circunstâncias estabelecidas no CPM. Ao acrescentar o parág. único ao art. 9º, do referido Código Militar, estabelecendo que "os crimes de que trata este artigo", ou seja, aqueles que ele próprio, constitucionalmente, definiu como crimes militares, "quando dolosos contra vida e cometidos contra civil", seriam da competência da Justiça Comum, a L. 9.299/96, entra em escancarado confronto com o que foi determinado no art. 124 da CF. Destarte, definitivamente, estamos diante de uma norma inconstitucional e, por isso, com a efetiva eficácia prejudicada.
Para que tais tipos de ilícitos penais passassem para a competência da Justiça Comum, portanto, era necessário mudar a Constituição no particular, ou, no mínimo, a referida Lei, simplesmente, deveria ter excluído do conceito de crime militar os crimes dolosos contra a vida, praticados por militares contra civis, nas hipóteses que definiu. Isto, por quê? Porque, deixando de ser crimes militares, tais ilícitos penais, automaticamente, passariam à competência da Justiça Comum, posto que a Justiça Millitar só é competente para processar e julgar crimes militares. Não tendo feito isso, não se vislumbra possibilidade técnico-jurídica no sentido de aproveitá-la, neste aspecto.
Assim, por ser inconstitucional, de se entender que, na hipótese apontada, enquanto não editada outra lei sanando o erro, a norma em questão deve ser desprezada, não se aplicando.
Daí, a concluir-se:
1. A Justiça Militar, qualquer que seja o sujeito passivo, continua competente a julgar os crimes dolosos contra a vida, praticados por militares, nas circunstâncias mencionadas no art. 9º, do DL. 1.001/69;
2. Os feitos em andamento na Justiça Militar, que se enquadrariam na hipótese, não devem ser remetidos à Justiça Comum e, os já remetidos, deverão ser devolvidos àquela Justiça Castrense, com fundamento no art. 5º, LIII, e art. 124, ambos da CF.