INTERVALO INTRAJORNADA DO ARTIGO 71, § 4º DA CLT - Carlos Alberto Begalles

Professor de Direito do Trabalho da Universidade Católica de Goiás e
da Universidade Salgado de Oliveira,
Mestrando em Direito Público pela UFPE,
Advogado em Goiânia.

“S. m. j., podemos concluir que a ausência de intervalo intrajornada inserida na legislação importa em pagamento de indenização não horas extras com reflexos e, além disso, o pagamento deve referir-se ao intervalo suprimido mais o adicional.”


O presente trabalho tem por escopo efetuar uma análise do art. 71, § 4º da CLT, sobre dois temas importantes relacionados ao mesmo: se o valor devido pelo empregador no caso de supressão do intervalo intrajornada é somente do adicional ou se o empregador deve pagar o valor da hora suprimida mais o adicional. Além disso, quanto à natureza jurídica do pagamento a que é condenado o empregador no caso de não-concessão de intervalo intrajornada: trata-se de horas extras com reflexos nas demais verbas rescisórias ou trata-se de parcela de natureza indenizatória.


Referindo-se a duração da jornada de trabalho, ARNALDO SUSSEKIND dispõe que: “dentre os princípios que se universalizam visando à proteção do trabalho humano e a dignificação do trabalhador, cumpre destacar os referentes à limitação do tempo de trabalho. Se os dois principais objetos e obrigações decorrentes da relação de emprego são o trabalho prestado pelo empregado e o salário pago pelo respectivo empregador, torna-se evidente a importância do sistema legal que impõe limites à duração do trabalho”. 1


Esse sistema legal que impõe limites à duração do trabalho pode dar-se de três maneiras: diária, durante a jornada de trabalho; semanal, com o descanso semanal remunerado; ou anual, com as férias.
No que se refere ao descanso intrajornada, preceitua o art. 71 da CLT sobre a concessão compulsória de intervalos intrajornada no sentido de que quando a jornada for de até quatro horas diárias, não haverá obrigatoriedade de concessão de intervalo; acima de quatro horas até seis horas, obrigatoriedade de um intervalo para descanso de quinze minutos; jornada diária acima de seis horas, intervalo de no mínimo uma hora e, salvo acordo ou convenção coletiva em contrário, não poderá exceder a duas horas. Essas pausas compulsórias não são computadas na jornada de trabalho.


Por sua vez, o art. 71, § 4º da CLT, com redação que lhe deu a L. 8.923, de 1994, prescreve: quando o intervalo para repouso e alimentação previsto neste artigo não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.


Anteriormente à inclusão do § 4º ao art. 71 da CLT, a jurisprudência do TST entendia que a ausência de concessão de intervalo ao empregado por parte do empregador gerava somente multa administrativa à empresa. 2


Todavia, após a entrada em vigor do novo parágrafo, dois problemas surgiram acerca da ausência do intervalo. Primeiro: se é devido somente o adicional de horas extras ou o valor da hora mais o adicional; segundo: qual a natureza jurídica do pagamento das horas suprimidas do intervalo intrajornada do empregado.
Com relação à primeira indagação, entendendo que o empregador deve somente o adicional, temos os seguintes arestos:


SUPRESSÃO DE INTERVALO - INTRAJORNADA - PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS - Ocorrendo a supressão do intervalo destinado a descanso e refeição, o tempo a este destinado não poderá ser considerado como jornada extraordinária, uma vez que o § 2º do art. 71, da CLT, estabelece que tais intervalos não serão acrescidos à duração do trabalho. Assim, seja o intervalo intrajornada usufruído ou não, as horas laboradas já estão pagas, não podendo ser, caso suprimido, considerado como elastecimento da jornada laboral, ensejando o pagamento de horas extras. Só cabe o respectivo adicional, como indenização. É que tal supressão é infração legal a ser indenizada nos termos do § 4º do artigo supramencionado. (TRT 15ª R. - Proc. 32326/98 - (32690/00) - 5ª T. - Relª p/o Ac. Juíza OLGA AIDA JOAQUIM GOMIERI - DOESP 28.08.2000 - p. 47)


AUSÊNCIA DE CONCESSÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA - PAGAMENTO APENAS DO ADICIONAL DE HORAS EXTRAS - O labor efetuado em intervalo intrajornada, no caso de acarretar sobrejornada, deve ser considerado no cômputo das horas extras. Inserido na jornada diária, o valor da hora normal já se encontra pago no salário, o que autoriza apenas o deferimento do adicional de horas extras, sob pena de enriquecimento ilícito do obreiro. (TRT 9ª R. - RO 16612-1999 - (19454/2000) - 5ª T. - Rel. JUIZ ARNOR LIMA NETO - J. 13.07.2000)


Em sentido contrário, entendendo devidas as horas extras mais o adicional de 50%, temos as seguintes decisões:


HORAS EXTRAS - INTERVALO INTRAJORNADA - ART. 71, § 4º DA CLT - As anotações de ponto denunciam a inexistência de intervalos intrajornada, portanto devida a penalidade do art. 71, § 4º da CLT, à base de uma hora diária com o adicional de horas extras, sem prejuízo da remuneração das horas extraordinárias efetivamente cumpridas. (TRT 15ª R. - Proc. 31382/98 - Ac. 8748/00 - 1ª T. - Rel. JUIZ ANTôNIO MIGUEL PEREIRA - DOESP 13.03.2000, p. 74)


INTERVALO VIOLADO - INTERVALO - SONEGAÇÃO - PAGAMENTO DA HORA EXTRA, E NÃO APENAS DO ADICIONAL - Uma elementar análise gramatical do § 4º do art. 71 da CLT mostra que a lei expressamente obriga o empregador a: 1) remunerar o período correspondente ao intervalo sonegado; e 2) remunerar esse período com um acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal. Se sua intenção fosse a de que incidisse apenas o adicional, o legislador não teria utilizado a expressão com, dando preferência ao vocábulo mediante e tampouco a preposição sobre (e não de). A semântica possível, pois, é a que assim se reproduz: o empregador que não concede o intervalo intrajornada deve remunerar o período correspondente a esse mesmo intervalo com (na acepção de juntamente com, simultaneamente com) um acréscimo de 50% sobre o (e não 50% do) valor da remuneração da hora normal. (TRT 2ª R. - RO 02990160536 - (20000424220) - 8ª T. - Relª Juíza WILMA NOGUEIRA DE ARAúJO VAZ DA SILVA - DOESP 12.09.200009.12.2000)


Entendemos que as decisões que indicam o pagamento de horas extras, além do respectivo adicional, são as que mais se coadunam com a legislação.


O artigo nos parece claro quando assevera que a ausência de concessão de intervalo intrajornada obrigará o empregador a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.


Remunerar o período correspondente significa pagar o tempo não concedido (um fato gerador), além disso, com acréscimo de 50% (outro fato gerador).


A não-concessão de intervalo configura violação frontal a uma das garantias básicas do empregado que, privado da fruição do interregno destinado à recomposição física e mental, submete-se à prestação de trabalho em condições particularmente penosas. A reparação à infringência da regra de natureza cogente se faz com a condenação ao pagamento correspondente ao intervalo sonegado com acréscimo de 50%.
Portanto, temos que a violação do § 4º, do art. 71 da CLT gera o pagamento da hora suprimida com acréscimo de 50%.


No que se refere à segunda indagação, ou seja, se o valor pago tem natureza jurídica de indenização ou horas extras, a jurisprudência também se divide.
Preconizando pela natureza de horas extras, com os reflexos nas demais verbas, temos os seguintes arestos:


INTERVALO INTRAJORNADA - Considerando-se que a contratualidade foi mantida de 21.09.1988 a 03.06.1996, período anterior à vigência do § 4º do art. 71 da CLT, a não-concessão regular do intervalo intrajornada ensejava apenas sanção de natureza administrativa. Aplicação do Verbete 88 do TST. A partir da edição da L. 8.923/94, que inseriu o § 4º ao art. 71 consolidado, tem-se devida uma hora diária, como extra, com reflexos em férias, aviso prévio, 13º salário, repousos e feriados, ante a ausência de comprovação de que efetivamente gozado. (TRT 4ª R. - RO 01392.451/96-5 - 6ª T. - Rel. Juiz OTACILIO SILVEIRA GOULART FILHO - J. 14.09.2000)


HORA EXTRA - INTERVALO INTRAJORNADA - NÃO-CONCESSÃO - CABIMENTO - Em restando comprovado que a duração do intervalo intrajornada era de apenas 30 minutos, é de se reformar a sentença para acrescer à condenação 30 minutos diários, com acréscimo de 50% e repercussão em aviso prévio, férias, 13º salário e repouso semanal remunerado. (TRT 19ª R. - Proc. 1999550903-69 - Única VT de Atalaia - Rel. Juiz JOãO BATISTA - J. 28.03.2000)


Em sentido contrário, entendendo que o valor pago tem natureza indenizatória:
INTERVALO INTRAJORNADA NÃO CONCEDIDO - NATUREZA DO PAGAMENTO - O intervalo intrajornada tem por escopo proteger a saúde do empregado, proporcionando-lhe um período para repouso e alimentação. Fazendo uso da interpretação teleológica, concluímos que o acréscimo salarial decorrente da não-concessão de tal intervalo (art. 71, § 4º, da CLT) tem natureza indenizatória, pelo que não há falar em reflexos. (TRT 19ª R. - Proc. 1999052239-69 - 5ª Vara do Trabalho de Maceió - Rel. JUIZ RICARDO GOMES DE BARROS - J. 28.09.2000)


HORAS EXTRAS FICTAS - NÃO-CONCESSÃO DE INTERVALO INTRAJORNADA - NATUREZA INDENIZATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE REPERCUSSÃO EM OUTRAS VERBAS TRABALHISTAS - Em se tratando de horas extras fictas, entendidas como aquelas determinadas pela afronta ao art. 71, § 4º, da CLT, sua natureza é indenizatória, não gerando qualquer reflexo em outras verbas trabalhistas. (TRT 19ª R. - Proc. 2000050342-69 - 5ª Vara do Trabalho de Maceió - Red. Juiz JOSé ABíLIO - J. 11.01.2001)


Pensamos que a razão está com a segunda corrente, pois o valor pago em razão da ausência de intervalo tem natureza jurídica indenizatória, tendo em vista que pode ocorrer do empregado não elastecer a sua jornada diária e mesmo assim ter direito à hora suprimida com acréscimo de 50%, haja vista a violação da norma do art. 71, § 4º da CLT. Ou seja, o empregador está obrigado a remunerar como de jornada suplementar o período correspondente ao intervalo intrajornada não concedido, acrescido do respectivo adicional, ainda que não haja excesso na jornada semanal de 44 horas, porque os intervalos para descanso e alimentação não são computados na duração do trabalho, nos termos do art. 71, § 2º, da CLT, não se podendo, desse modo, ter como já remunerado esse tempo.


Além disso, trata-se de fatos geradores diversos: a hora extra é devida pelo elastecimento da jornada além do máximo legal ou contratual, já a disposição do art. 71, § 4º da CLT, é uma penalidade aplicada ao empregador pela ausência de concessão de intervalo intrajornada.


Destarte, salvo melhor juízo, podemos concluir que a ausência de intervalo intrajornada inserida na legislação, importa em pagamento de indenização e não horas extras com reflexos e, além disso, o pagamento deve referir-se ao intervalo suprimido mais o adicional.

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